DE UM PONTO SE FAZ UM CONTO
O vale amanheceu coberto por uma densa neblina como um gigantesco manto branco. Apesar do frio matutino Zé Bento não recuava e executava suas tarefas do dia. Milho para as galinhas saltitavam na debulha. Foi só ir para o terreiro que ouviu o Chico chamar.
- Zé Bento, Zé Bentooo.
- Bom dia! Chico.
- Bom dia. Você por acaso tem um alicate? Estou concertando o trator e o perdi. É rápido!
- Vai perder-lo?
- Claro que não! Peguei o meu e tenho certeza que o coloquei do meu lado, mas quando ia usar sumiu. Procurei por todos os lados e nada. Sumiu, desapareceu!
Zé Bento o olhou bem “dentro de seus olhos” com uma expressão tão seria, feia, medonha que um calafrio correu por sua espinha.
- Foi tudo culpa do Joca das ventas.
- Não conheço.
- Mas foi culpa dele.
- Não foi! Como é que pode alguém entrar e não ser visto. Só se for alma penada.
- Muito pior do que isso. Arrancou o menino dos braços da mãe e o jogou na floresta para ser devorado pelas bestas-feras!
Chico ficou tão impressionado que foi saindo cabisbaixo resmungando e olhando para o alicate. Saiu andando tão depressa, quase correndo, que esbarrou na Zildinha.
- Aonde você vai com tanta pressa?
- Ia consertar o meu trator, mas agora não sei mais nada. Onde já se viu! Jogar criancinhas para as feras.
- Como é isso?
Disse e saiu desculpando-se tão rápido que não deu tempo para ela entender o que estava acontecendo. Ficou impressionada com a terrível noticia de que até naquele paraíso, isso mesmo, um lugar que não acontecia nem mesmo um entrevero qualquer entre vizinhos, aconteceria algo tão terrível e justamente com as inocentes criancinhas.
A tristeza transformou-se em lagrimas caudalosas seguidas de soluços, e esses eram escutados por um grupo de amigos que se aproximavam. O peixeiro que pescava de tudo em qualquer lugar, pelo menos é o que dizia. O Henrique e Anastácia que logo se compadeceu em vê-la chorando.
- O que te aconteceu?
- Comigo? Nada. Foi com as coitadas das crianças.
O peixeiro curioso foi logo perguntando:
- Mas comadre, conte para nós.
- Tem um sem alma, coisa ruim que anda matando crianças jogando na floresta.
Quando souberam do acontecido, partiram juntos gritando por justiça até a delegacia para exigir do delegado providencias.
E o delegado:
- O que está acontecendo?
E todos:
- Viemos dar queixa de um sem alma.
- Um morto vivo?
E o Henrique.
- Dizem por ai. Que é coisa de outro mundo. Sem rastro.
E Zildinha:
- Um que mata as crianças e joga na mata pra serem comidas pelas feras.
E o Henrique:
- Já ouvi falar que é de medo.
E Anastácia:
- Muito pior. A maldade é tão grande. Que dá até azar contá-la em “miúdos”.
O delegado, ficava no inicio atento, mas com o “andar” da queixa passou a ter até medo.
E o peixeiro:
- Estou muito preocupado. E se ele joga no rio uma ou mais. Não vai prestar. Quero é peixe, e dos graúdos, um surubim ou até, mesmo, um pintado, mas criança eu só quero é no banco da escola. Mas do jeito que as coisas vão. Para que escola? Não vai ter mais nenhum aluno mesmo.
E Zildinha olhando bem séria para o delegado:
- Vão virar zumbi. Tem que fazer alguma coisa.
- E o que é isso?
- Morto vivo se arrastando pela cidade numa catinga só.
E ele furioso:
- Reúnam todos os policiais e o máximo possível de moradores, ajuda é boa e a floresta é enorme, nós vamos dar cabo desse “um”. Ninguém vai bulir com as nossas crianças.
Rapidamente policiais se uniram com os moradores e partiram em silêncio e temerosos do que iriam encontrar. Por onde passavam atraiam mais gente para o pequeno grupo, que de pequeno não tinha mais nada eram dezenas ou até mesmo centenas. A agitação era tão grande que ficou impossível contá-los. Ansiavam por justiça.
Ao chegarem à floresta o delegado os orienta para formarem três grupos.
- Um grupo irá pela esquerda outro a direita e o restante vai comigo. E antes de anoitecer nos encontraremos aqui.
E assim partiram animados para salvar as crianças de tão terrível destino. Ao final da tarde antes de escurecer foram para o ponto de encontro relatar as novidades.
E o delegado:
- Alguém viu ou ouviu alguma coisa?
O grupo da direita:
- Não encontramos nada.
O da esquerda:
- Também não vimos nada.
E Zildinha:
- Foram devorados, não foi o que eu disse?
E o delegado:
- De onde saiu essa conversa?
E Zildinha:
- O Chico saiu correndo da fazenda do Zé Bento e me contou.
E o delegado:
- Porque não falou isso primeiro? Coitado do Zé Bento vai ver ele esta correndo algum risco com esse desalmado na suas terras.
E isso soou como um alarme de prontidão, fazendo com que esquecessem o cansaço e fossem para a fazenda do amigo as pressas.
A noite veio com as nuvens cobrindo o brilho das estrelas e da lua. Um calafrio foi sentido por todos quando se aproximaram da fazenda.
E Zildinha:
- Cadê o rex? Ele sempre esta latindo ao menor barulho.
O delegado pressentindo se agravar a situação apressa a turma e novamente os divide, para que uns fossem pelos fundos da sede da fazenda, outros vigiassem as janelas enquanto ele batesse na porta.
E o delegado:
- Boa noite?
- Já sei das andanças de vocês.
- Estamos atrás de “um coisa ruim”.
- Seria um que corre por todos os lados sem que ninguém o veja.
E o peixeiro:
- Judia das crianças e as jogas na floresta.
Zé Bento olha bem devagar para o grupo aproximando-se de todos.
- Ele fez de novo.
E o delegado
- E você sabia disso e não me falou.
E bate nas pernas impaciente.
- Ele foi jogado, isso sim, nasceu sem uma perna e filho de escrava era para trabalhar.
E Zildinha:
- E a mãe não fez nada?
- Chorou desesperada na senzala, mas quando descuidaram fugiu para encontrá-lo e nunca mais se teve noticia dela, quem apareceu muitos anos depois foi ele falando que foi criado pelos macacos.
E Zildinha.
- Mesmo sem uma perna sobreviveu.
- Alegre e brincalhão conquistou a bicharada inteira, mas quando ficou sabendo que sua mãe tinha sumido ficou furioso e fez uma bagunça danada, mexia em tudo. Queria encontrar sua mãe ou um rastro dela.
E o delegado.
- Um andante de uma perna só não pode fazer mal a ninguém.
- Ele só quer encontra-la ou fazer todo mundo procurar por alguma coisa, assim quem sabe a encontram.
E o Chico.
- É por isso que encontrei o meu alicate em outro lugar.
E o delegado:
- Eu nunca perco nada.
Zé bento olha o delegado e fita o horizonte e o despontar de uma lua que fazia brilhar a floresta. Levanta a mão e...
- Mas saiu em busca dela mesmo sem saber.
- Andamos o dia inteiro... Que dizer que por causa dela andamos o dia inteiro
E todos olharam para a floresta.
- Que danado. E o pior de tudo é que não achamos nada.
- Mas ele vai fazer alguém ou todos procurá-la novamente com certeza.
E riram pra valer para espantar o cansaço da aventura e quem sabe se preparar para outra...
17/01/12