O MILAGRE DE UMA CRIANÇA

Era uma vez um rei que não permitia crianças no seu castelo. Nobre que tivesse filhos ali não podia morar. A razão dessa intransigência era que a sua rainha não podia ter filhos e por isso vivia triste pelos cantos do seu aposento. A tristeza era tanta que a rainha adoeceu. Médicos renomados foram chamados para cuidar dela. Tudo foi feito para que ela melhorasse, mas de nada adiantou. Um dos médicos chamou o rei e lhe disse:

- A rainha necessita de uma criança. É isso que a faz tão triste a ponto de adoecer.

- Ela não pode ter filhos. O que posso fazer para que ela se conforme com o fato?

- Majestade, por que não adota uma criança?

- Como? Onde encontrarei uma criança de sangue real para ser adotada?

- Eu sugiro que o senhor procure em reinos distantes. Talvez encontre.

E o rei mandou procurar. Todos os emissários enviados voltaram de mãos abanando. Nada de criança para adotar. E agora? Perguntava o rei ao seu ministro que também não encontrava solução para o problema. Um dia, em que se encontrava melhor de saúde, a rainha pediu que a levassem ao convento das freiras que ela não visitava há alguns anos. A rainha chegou e foi recebida alegremente pelas freiras e por um menino. A rainha quis saber se o convento se tornara abrigo para crianças, mas a madre superiora lhe disse que aquele menino era uma exceção.

- Pois é, majestade. Um dia de inverno nós encontramos o menino na porta do convento. Alguém o deixou com um bilhete que dizia: “cuidem dele, pois eu não tenho recursos para criá-lo.” Não havia assinatura e por isso não sabemos nada sobre os pais. Este fato aconteceu há cinco anos. A senhora chegou bem no dia do aniversário dele. Todos os anos nós fazemos uma festinha para ele.

- E como é ter uma criança entre vocês? – perguntou a rainha à madre superiora.

- É uma alegria total. Francisco é um anjo que Deus nos enviou.

- E quando se tornar adolescente que farão com ele, madre?

- Será enviado ao convento dos jesuítas para se tornar um deles.

A rainha ficou para a festinha do menino. Francisco logo se tornou amigo de Margarida, a rainha. Segurando-lhe a mão ele a levou ao imenso jardim do convento, onde costumava brincar, e a fez correr escondendo-se atrás dos troncos das árvores. Depois pediu a Margarida para tirar os sapatos e pisar na terra úmida como ele fazia; molhar os pés no pequeno lago de flores aquáticas; correr atrás de borboletas; colher flores para a capela do convento.

Madre Celeste, preocupada com a demora dos dois, saiu à procura deles indo encontrá-los sentados sob um imenso carvalho rindo a vontade. A freira, preocupada, ralhou com Francisco:

- Ora, Francisco, veja só o que fez! Olhe para os pés da rainha, estão sujos de terra. Ela é uma rainha, não pode fazer essas brincadeiras com ela.

- Por que não? Ela gostou. Não gostou, senhora?

- Gostei sim. Nunca me senti tão feliz. Este foi o melhor dia da minha vida. – disse a rainha recolhendo os sapatos do chão e foi caminhando descalça para a porta do convento segurando a mão do menino e rindo muito.

Na volta ao palácio, em sua carruagem, ela cantarolava a canção que o menino lhe ensinou:

- Eu sou pobre, pobre, pobre,

De marré, marré, marré.

Eu sou pobre, pobre, pobre,

De marré deci.

Eu sou rica, rica, rica,

De marré, marré, marré.

Eu sou rica, rica, rica,

De marré deci.

Chegando ao castelo foi recebida pelo rei que a olhava espantado por ela estar descalça e com o vestido sujo de terra. A rainha narrou os acontecimentos daquele dia. Falou da corrida na grama, da terra úmida sob seus pés e até das minhocas que ela pegou com Francisco para jogá-las aos peixinhos do lago. Margarida era outra pessoa. A alegria voltara a iluminar o seu rosto. Foi então que ela fez o pedido ao rei.

- Majestade, será que o menino pode ficar uns dias conosco?

- Ora, Margarida, ele é um plebeu...

- Não, senhor meu rei, ele é apenas uma criança.

A rainha ficou decepcionada com a atitude do rei. Sentindo remorso pela resposta grosseira dada à esposa, o monarca foi aos aposentos reais e, pedindo desculpas a Margarida, consentiu que o menino ficasse desde que não atrapalhasse a rotina do castelo. Os olhos de Margarida brilharam de felicidade. Agora sim, ela teria um filho nem que fosse só por uns dias.

Era o mês de dezembro. A rainha pediu a madre superiora que deixasse Francisco passar o natal e o ano novo no castelo. Sendo o pedido real atendido, o menino ganhou o direito de correr e brincar pelo castelo. Ele só não podia chegar perto da sala do trono. Essa era a ordem do rei. Faltavam uns dez dias para o natal e fazia muito frio, Francisco passava pelo corredor que levava à sala do trono quando viu o rei entrar e não fechar a porta. Ele veio silenciosamente e, pela porta entreaberta, olhou a sala do trono. Como era bonita! Pensava o menino. Procurou com os olhos, pela pequena abertura, o rei. No trono ele não estava. Devagarzinho ele empurrou a porta aumentando o espaço para a visão. Pronto! Ele viu o rei olhando, pela vidraça, o jardim do castelo coberto de neve. Parecia tão triste que o menino arriscou chamá-lo.

- Senhor rei!

- Que queres menino?

- Já que eu não posso entrar, será que poderia sair um pouquinho? Queria mostrar uma coisa para o senhor.

A voz de Francisco era tão suave que o rei não se zangou.

- Entra, menino...

Francisco entrou e foi direto para o trono. O rei ia pedir que ele desocupasse o assento real, mas a sinceridade e a pureza da criança impediram que as palavras ásperas saíssem de sua boca.

- O senhor rei já fez um boneco de neve?

- Não! Um rei não faz essas coisas. Tenho muitos deveres, coisas sérias que você não entende.

- E por que não vamos lá fora experimentar essa brincadeira? – disse Francisco já segurando a mão do rei e o puxando para fora da sala do trono.

O monarca acompanhou o menino. A princípio meio chateado com a insistência, mas ao chegar ao jardim gelado, como que por encanto a atitude do rei mudou.

- Vamos, menino! Ensine seu rei a fazer um boneco de neve.

Nesse exato momento chegavam à sala do trono os ministros e generais que foram convocados para uma reunião. Sentaram-se e esperaram. Passou uma hora e nada do rei. Duas horas, nada do rei. Todos ficaram apreensivos. Que teria acontecido? Perguntavam uns aos outros quando ouviram um gritinho. Parecia a voz do rei. Um dos generais levantou-se, abriu a pesada cortina da janela da sala, e o que ele viu no jardim o deixou de boca aberta. O rei e o menino terminavam de construir um boneco de neve, “o mais maior do mundo”, como dizia Francisco. Todos, agrupados diante da janela, ficaram mais espantados ainda quando o rei tirou o cachecol do pescoço e deu a Francisco. Em seguida ergueu o menino para que ele colocasse a peça no pescoço do boneco de neve.

Foi aí que o ministro das finanças abriu a janela e chamou o rei.

- Majestade, a reunião está atrasada...

- Ah, é verdade. Já estou indo...

Segurando a mão da criança, o rei entrou com os sapatos molhados pela neve e a cada marca deixada no chão reluzente ele dizia rindo ao menino.

- Meu pé é maior que o seu..

- Ah, h, ah, o meu é que é “mais maior”...

Entregando Francisco a Margarida, foi para a sala do trono sem se importar com o estado do manto real, molhado e amassado. Resolvidos os assuntos da reunião, o rei foi ao encontro da esposa para falar sobre os momentos de alegria que ele passou com Francisco e da ordem que deu: a partir de agora as crianças poderiam viver no castelo.

- Eu não disse, senhor meu esposo, que uma criança faz milagres?

E os dias que faltavam para o natal foram coroados de muita alegria com o casal real aprendendo que a felicidade está nas coisas simples da vida. A rainha deixou de ser triste, o rei passou a ser mais tolerante e sorria mais. Finalmente chegou o dia do natal. A árvore toda enfeitada estava carregada de presentes. Após a ceia Francisco, cansado do dia agitado que tivera, dormia no colo da rainha. O rei olhava a cena emocionado. Margarida parecia a mãe de Jesus segurando o menino. Então ele foi até a árvore de natal, pegou um envelope lacrado e o entregou a sua rainha dizendo:

- Querida, este é o seu presente de natal...

Margarida abriu e deu um grito.

- É verdade? Ele é nosso? Oh, meu Deus que felicidade! Você fez tudo sem eu saber. Meu filho, meu filho!

Anos se passaram e Francisco cresceu tornando-se herdeiro do trono do rei Teodoro.

8/01/12

(histórias que contava para meu neto)