Conversa com meu pai

- Ô pai, olha só uma coisa, eu andei muito hoje e fez uma baita bolha no meu pé! Olha aqui! Você tá vendo? Sempre que eu andar demais vai acontecer isso?

- É... Acho que vai. E isso for frequente pode formar um calo também.

- E se eu falar demais; vai formar uma bolha e depois um calo na minha língua, pai?

- É...

- E se eu pensar demais; você sabe que eu penso um monte, né pai?

- Então filho, é...

- Pai do céu, coitado do Tobias então, não vai ter como escapar porque ele late demais, vai formar calo e a gente vai ter que levar no veterinário!

- Calma menino, deixa eu te explicar. O que acontece é que...

- Pai, se eu amar demais meu coração vai ficar calejado?

Naquele momento meu pai me encarou nos olhos. Eu sabia que o que ele falaria seria de homem para homem; eu já me considerava um rapazinho mesmo e entenderia. Então, ele disse:

- Não filho, não vai ficar calejado porque o nosso coração nunca se cansa de amar, a gente nunca cansa de amar os outros.

Eu não queria, mas eu tive que discordar do meu pai. Eu achava que ele sabia de tudo, mas, naquele momento, ele tava errado e eu falei:

- Ah pai, eu acho que ficava calejado sim. Eu sinto que o meu coração tá calejado.

- Por que você acha isso? perguntou o meu pai.

- Ah, eu amo tanto a Aninha e ela nem liga pra mim. Não liga pro meu amor. Eu compro chicletes da Barbie pra ela e, pai, ela não fala nem 'obrigada'. Ela sabe que eu gosto dela e por isso me trata como se eu fosse um perebento. Por isso que eu acho que forma calo no coração.

Ele deu uma risadinha da situação e pensou muito no que me dizer.

- Filho, você ainda vai dar risada disso também, mas não deve ficar se preocupando com essas coisas. Você só tem oito anos! Tem que brincar, assistir Ben 10, e deixar isso de lado. Pode ter certeza que, depois de um tempo, ela vai perceber que você era um guri legal.

Bem no fim eu acabei concordando com ele, mas no fundinho do meu coração calejado eu pensava que o meu pai não tava entendendo o que eu tava sentindo, o que eu tava passando, pensei que ele tava errado de novo.

Parei de dar moral pra Aninha, sabe, comecei a fazer de conta que ela não existia mais. Brincava com os meus amigos e nas aulas de educação física, quando jogávamos queimada, eu queria acertar a bola na cabeça dela, mas não fazia isso, né?

Um belo dia, ela veio me dizer que gostava de Ben 10 também - só pra me impressionar, - ah, que legal -, foi o que eu respondi, com uma indiferença do tamanho da minha altura. Os olhinhos dela se arregalaram. Acho que ela pensou que eu ia me derreter todo, ia beijar a sua mão e levá-la pra passar no My Little Pony lilás com crina rosa que ela tinha. Doce engano. Comecei a perceber que o meu pai tinha razão e eu então fui falar com ele.

- Ô pai, meu coração tá curado! Lembra que eu te contei da Aninha?

- Lembro. - meu pai respondeu fechando o livro que tava lendo.

- Então, eu parei de ligar pra ela e sabe o que aconteceu, pai? Agora ela fica de nhenhenhe atrás de mim.

Meu pai deu outra risadinha - ele achava tudo engraçado, pelo jeito. Ele me olhou com aquela cara que dizia 'eu te falei' e, com toda a paciência do mundo, me disse bocejando:

- Eu te falei!

- Pai, eu acho que o coração da Aninha deve estar cheio de calos.

- Por que, filho?

- Porque agora eu faço como ela fazia comigo: trato como se fosse uma perebenta!

Nos dois demos risada e ele me cobriu com a coberta do Toy Story. Cheguei a conclusão de que meu pai estava meio-certo-meio-errado, ele não queria me magoar, mas eu descobri que o coração da gente cansa de amar sim, ainda mais se não for correspondido. Eu já era um rapazinho, entendia as coisas e, naquela noite, fui dormir vitorioso com o meu aprendizado.

Gabriela Tavares
Enviado por Gabriela Tavares em 02/01/2012
Reeditado em 04/01/2012
Código do texto: T3418674
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