O ano que passou por detrás
Pronto. Estou preparado. A virada será à meia-noite. Já me acomodei num banquinho de madeira em cima da minha casa, enrolado com uma colcha de retalhos que minha mãe fez. Uma xícara de chocolate quente nas mãos e uma toca de lã na cabeça cobre meus ouvidos. Está fazendo muito frio.
É a noite que eu esperei. Meus tios estão lá em baixo, no barulho. Conversando alto, sorrindo, bebendo e comendo. Dá pra sentir o gosto da carne assada no forno pelo cheiro. Minha avó cozinha muito bem.
Meu padrinho me ensinou a tirar foto. "Toda foto é um registro das coisas que não mais existem", ele me falou. Eu achei bonito e entendi que depois que a câmera retrata, ela prende o tempo no papel.
Olho no meu relógio. Faltam alguns segundos. Levanto o rosto para o céu negro e estrelado, procurando em todos os sentidos por onde ele vem.
Ouço meus tios gritarem a contagem regressiva. As pessoas da rua já soltam seus fogos e eu aponto a máquina fotográfica para o céu. Não penso em nada… pode atrapalhar meu reflexo. Quando aparecer, eu aperto.
A contagem regressiva já zerou.
O que houve?
O povo comemora: Feliz ano novo! E eu estou na mesma posição.
Os fogos não me atrapalharam. Será que ele passou por detrás de mim e não vi?
Nada mudou no céu. Continua negro e estrelado.
Olho no meu relógio. Passaram dez minutos da meia-noite. Afinal, ele se atrazou ou adiantou? Ele obedece o horário de verão?
Coloco a câmera no colo.
Me levanto do banquinho frio, desconsolado. Penso que ele passou por detrás de mim. Agora, é só um ano passado.