O APAGADOR, O GIZ E A LOUSA

A aula terminou. As crianças saíram gritando em coro:

- Até amanhã, professora!

A professora começou a arrumar seus pertences para também ir embora. Primeiro foram os livros que ela colocou dentro de uma pasta azul, depois as provas das crianças colocadas, com muito capricho, dentro de um envelope amarelo para corrigi-las em casa. Terminada a tarefa, a professora pegou o apagador e apagou as questões de Língua Portuguesa escritas na lousa verde.

Depois de limpar a lousa ela bateu o apagador na parede para retirar o pó de giz, que foi caindo como se fosse um bilhão de floquinhos de neve. Limpo o apagador ela o colocou no compartimento da caixa sobre a mesa reservado para ele. Pegou o giz, que usara para escrever na lousa, e o colocou no outro compartimento ao lado do apagador. Fechou a porta e partiu. A escola ficou silenciosa.

Anoiteceu. A sala de aula era ampla. Duas grandes janelas eram responsáveis pela claridade e ventilação não deixando que, durante o verão, as crianças sofressem com o calor. O céu estava estrelado. A Lua, parecendo fazer de propósito, invadia, usando as janelas, a sala com seus raios dourados. O silêncio foi quebrado:

- A Lua com seu véu pontilhado de estrelas

Toda noite no céu quero vê-la...

- Quem disse isso? – perguntou o apagador.

- Eu, o giz! É um belo verso para eu escrever na lousa, não acha apagador?

- Grande coisa. Você escreve e eu apago, ah, ah, ah.

- Pode parar! Ninguém vai escrever nada em mim. Já chega a professora que passa o dia todo me arranhando com esse giz que sempre tem uma pedrinha na ponta. – gritou a lousa assustada.

- Ah, ah, ah, ah... – riu o apagador – não é que a menina é delicada e sensível! Ora não seja boba. Acha que é só você que padece nesta sala? E eu? Pergunte, pergunte? Eu sou obrigado a limpar você a cada minuto do dia e, como se não bastasse, me batem na parede, se caio no chão eu sou chutado pelas crianças. Por acaso já me viu reclamar?

- Lembram-se de mim? Eu sou o giz. Olá, pessoal!

- Ora, deixe de gracinha. Você só serve para fazer poeira. Disse o apagador zangado.

- Vocês viram como eu sou usado? Escrevem com tanta força que eu me parto ao meio e a metade que cai ao chão é esmagada por dezenas de sapatinhos apressadinhos ou então é usado como pedrinha para estilingue. Mesmo com tudo isso eu não fico triste.

- Como não fica triste? Perguntou o apagador admirado.

- Não. Não fico mesmo. Parece uma contradição, amigos, mas a minha felicidade é ser pego e partido ao meio por uma mãozinha que vai escrever a primeira palavra que aprendeu aqui nesta sala. Não importa se a mãozinha me aperta com muita força contra a lousa. Eu sempre acompanho a emoção dela. Cada letra, tremulamente traçada, é como se fosse uma daquelas estrelas que estão lá no céu. Aprender a escreve é o mesmo que criar um céu particular.

- Como assim? Perguntou a lousa.

- Ora, menina! Cada palavra escrita é única. Ninguém pode tomá-la de você. A partir daí, você forma o seu céu de palavras. Você já viu aqueles livros que professora traz todos os dias? Pois é, ele é o céu particular do autor. Ninguém pode tomar.

- Como não? A professora tomou. Disse a lousa

- Não seja boba. Ela não tomou nada. Ela comprou o livro, mas as palavras serão eternamente de quem as escreveu.

- Ai, ai, ai, melhor a gente ir dormir senão esse giz vai querer dar discurso. – disse o apagador para encerrar a conversa.

Não é que o danado do giz tem razão! Ver uma criança escrever pela primeira vez é a maior emoção que se pode ter.

08/10/11

(histórias que contava para o meu neto)