O SARGENTO VERDE

O SARGENTO VERDE (11 jul 11)

(conto popular brasileiro recontado por William Lagos.)

O SARGENTO VERDE I

Era uma vez um homem muito rico

o qual tinha uma filha muito linda,

a quem criara com gentileza infinda,

de um modo tal que nada lhe faltava...

O quanto desejava, o pai lhe dava:

tinha um cavalo, gatinhos e até um mico...

Um dia, apareceu jovem garboso,

montando a sela de seu alazão.

Trazia moedas de ouro no surrão

e propôs ao pai comprar-lhe a filha...

O homem se ofendeu, mostrou-lhe a trilha,

mas o rapaz se desculpou, nervoso.

"Por favor, não se ofenda, meu amigo!

Não tive má intenção, calculei mal,

porque lá de onde eu venho, é natural

comprar meninas por um saco de ouro...

Ninguém se ofende, não há nenhum desdouro,

não há motivo para se irritar comigo..."

O SARGENTO VERDE II

"Mas é que achei a sua filha muito bela

e estou disposto a propor-lhe casamento.

Será o ouro de seu dote o pagamento

ou tal costume tampouco existe aqui...?

Só posso lhe dizer que assim que a vi,

senti querer casar com tal donzela...

E foi falando, de forma delicada,

até que o pai da moça se abrandou

e para entrar em sua casa o convidou:

"Permito então que o senhor lhe faça a corte

e caso os dois acertarem a sua sorte,

será a boda, em breve, celebrada..."

E quando o jovem declarou seu nome:

"Chamo-me Lúcio..." então o pai sorriu.

"Pois minha filha é Lucinda," ele aduziu.

"Até nos nomes vocês dois combinam,

acho que um ao outro se destinam;

fico contente que por esposa a tome..."

O SARGENTO VERDE III

E com Lucinda ele fácil se agraciou

e logo ela aceitou o casamento,

por partilharem do mesmo sentimento.

Mas então um percalço ali se enseja:

disse o rapaz não querer casar na igreja...

A mãe da moça, porém, não aceitou...

"Criei minha filha para casar na igreja!

Com véu de noiva, comunhão e sino,

o coral a cantar salmo divino,

a longa cauda a arrastar-se pelo chão

e anel no dedo!... E a bênção que lhes dão

é a garantia de que Deus os dois proteja!"

Mas o rapaz, então, solicitou

que o casamento fosse feito no salão

em que davam as festas na mansão.

Seria a mesma coisa, na verdade...

E a menina, com sinceridade,

sua mãe convenceu e ela aceitou...

O SARGENTO VERDE IV

Porém o padre ficou meio zangado.

Disse que tinha de servir a comunhão,

que o casamento dependia de oração,

que os noivos tinham a hóstia de tomar,

que o Santíssimo não gostava de tirar

de seu recanto no templo consagrado...

Mas como o pai da moça era homem rico,

prometeu pagar o padre e o sacristão,

para o matrimônio ocorrer em seu salão.

E o vigário, finalmente, concordou...

Mas, de repente, outra coisa perguntou:

"O noivo é cristão? Se não, batismo indico!"

Então Lúcio foi chamado e encabulou,

confessando não ter sido batizado

e que nem queria ser, feio pecado!

"Eu só os caso, se o noivo for cristão!

Como é que vou servir-lhe a comunhão,

se esse rapaz jamais se batizou?"

O SARGENTO VERDE V

Então o noivo disse que promessa

fizera à sua mãezinha falecida:

que só se batizaria após na vida

ter completado mais de trinta anos!...

Quebram os votos fácil os humanos:

desobedecer a mãe é feia peça!...

Então o rapaz com Lucinda conversou,

dizendo amá-la apaixonadamente,

que casar em cartório era frequente,

mas que a promessa à sua mãe ia manter,

pois lhe jurara quando veio a falecer...

Até que a moça, pensativa, concordou...

Essas desculpas a mãe não aceitou:

só no cartório não iria se casar!...

E convenceu Lucinda a recusar.

Deste modo, o casamento foi desfeito:

ninguém queria modificar seu jeito,

mas hospedado na casa ele ficou...

O SARGENTO VERDE VI

O sogro estava bem desapontado,

porque seu genro já o considerava,

mas mudar de opinião ninguém pensava...

Lúcio então comunicou que ia embora,

no dia seguinte, na primeira hora,

partido o coração: fora logrado!...

Mas o pai de Lucinda lhe explicou

que o dinheiro do dote devolvia...

E o noivo, aborrecido, lhe dizia:

"Não é o dote que me importa tanto!

Vamos pegar os dados, entretanto,

por distração, pois que amanhã me vou..."

E no princípio, só o pai ganhou

e pelo jogo foi se entusiasmando...

O noivo suas apostas foi dobrando,

para o prejuízo poder recuperar...

Assim o velho se deixou engambelar

e, de repente, sua sorte então mudou...

O SARGENTO VERDE VII

Pois o pai, para não fazer desfeita,

uma partida mais aceitou logo

e continuaram, só por desafogo,

apostando aquele mesmo saco de ouro

contra o dinheiro que tinha em seu tesouro

e, uma a uma, cada aposta foi aceita...

Pois começou a perder, sem se importar:

afinal, não era mesmo o seu dinheiro,

somente o ouro que ganhara, o dote inteiro.

Mas, de repente, tudo já perdera...

E quando deu de si, comprometera

toda a riqueza que tinha no lugar!...

Todo o dinheiro que guardava em seu tesouro,

para depois ir perdendo os animais

e a sua fazenda, sem parar jamais:

perdeu a casa e tudo quanto tinha!...

E quando a aposta final já se avizinha,

perdeu a filha, para seu desdouro!...

O SARGENTO VERDE VIII

Então mostrou o rapaz sua real face:

"Meu caro amigo, perdeu tudo para mim.

Despejá-lo de sua casa posso assim

e sua filha comigo conservar,

já que nos dados a acabo de ganhar...

Mas não é isto que quero que se passe..."

"Bem ao contrário... Eu só Lucinda quero,

sem bobagens de igreja ou batizados...

Mas no cartório podemos ser casados,

tal como lhe propus desde o começo...

Deixo meu saco de ouro como o preço:

decida agora, porque mais não espero..."

"Lucinda é minha, de qualquer maneira,

mas a escolha é inteiramente sua:

amanhã eu o porei no olho da rua,

ou bem amigos vamos ao cartório

e, sem delongas, realizamos o casório:

a decisão me parece bem ligeira..."

O SARGENTO VERDE IX

Então, o pai chamou mulher e filha

e a nova decisão comunicou.

Sua esposa se ofendeu e até gritou,

porém a moça gostara do rapaz...

Cartório ou igreja, para ela tanto faz,

queria mesmo acompanhar-lhe a trilha...

Mas nessa noite, apareceu-lhe em sonho

Nossa Senhora, que era sua madrinha,

que lhe falou, com voz meiga e mansinha:

"Minha filha, vais casar é com o Cão!

Ele obrigou teu pai a dar tua mão

e irá levar-te ao seu reino medonho!..."

"Não te podes negar a tal destino,

mas não precisas segui-lo até o Inferno,

pois te darei o meu conselho terno.

Cavalo magro e feio irás montar:

o velho Baio, que ajudou a te criar.

Não montes noutro, que será um desatino!"

O SARGENTO VERDE X

"Mais adiante, haverá encruzilhada.

O teu marido quererá tomar a esquerda,

mas isso só será para a tua perda...

Deves seguir o caminho da direita

e quando ele voltar, à tua espreita,

mostra o rosário com que foste abençoada,

quando teu rosto eu beijei ainda no berço...

O Cão não pode suportar essa visão:

descobrirá que lhe enxergaste o coração

e numa nuvem de enxofre, sumirá...

Mas para casa, você não retornará,

até rezares inteiramente o terço..."

E assim foi... Assinaram no cartório,

não houve festa, só tomaram um licor

e Lúcio então reclamou o seu penhor...

Ela insistiu em montar o velho Baio:

"Tenho certeza de que dele não caio,

quero que ele me acompanhe no casório..."

O SARGENTO VERDE XI

E foi assim... Os dois seguiram pela estrada,

iam bem alegremente conversando,

mas, de repente, ela foi lhe perguntando:

"Teu nome é Lúcio mesmo, meu marido?"

"Não, é Lúcifer... Abreviei, era comprido..."

Confirmação do que fora aconselhada!...

E então chegaram à tal encruzilhada.

O seu marido foi seguindo pela esquerda,

pelo caminho que a levaria à perda!...

E bem depressa, tomou o lado direito

e retirou o rosário de seu peito:

O Diabo gritou e fez-se em nada!...

Bem que Lucinda queria retornar,

mas foi orar com as contas do rosário,

enquanto o Baio escolhia o itinerário...

Até que, rezado o último Pai Nosso,

o cavalo estacou diante de um fosso

e lhe pediu para dele desmontar!...

O SARGENTO VERDE XII

"Mas você fala, cavalinho amado...?"

"Sou encantado, como pode ver.

Se com cuidado você me obedecer,

conseguirá quebrar-me o encantamento

e a recompensa terá, em seguimento,

pelo favor que me terá prestado..."

Lucinda então apeou e o seu cavalo

falou que procurasse em seu bornal

e nele achou, completo, um enxoval

de homem: um uniforme de soldado,

uma tesoura com talho bem afiado

e um capacete, com crista de galo...

Então cortou os cabelos, que no valo

jogou inteiros e a terra os recobriu.

Seu uniforme verde ela vestiu

e a tesoura, que em sua mão retinha,

virou espada, completa com bainha!...

E aí montou de novo em seu cavalo...

O SARGENTO VERDE XIII

O Baio agora parecia descansado,

ficara gordo, com jeito bem mais forte,

tal qual o favorecesse já a sorte

e foi trotando, até ver um castelo,

no meio de um jardim formoso e belo

e ali Lucinda se ofereceu como soldado...

Mas vendo um moço tão bem apessoado,

o rei lhe disse: "Tu serás o meu sargento!"

Os soldados o aceitaram, num momento,

pois, de fato, havia paz nesse país,

mas a rainha apaixonar-se quis

por um rapaz tão bonito e delicado...

Realmente, há bem pouco havia casado,

pois o rei era viúvo e muito velho

e só casara por seguir um mau conselho.

Seu filho e filha tinham desaparecido

e de tristeza sua esposa havia morrido,

deixando o rei, assim, desamparado!

O SARGENTO VERDE XIV

Pelos jardins quis a rainha o convidar

e declarou-se enamorada, num passeio:

"O rei é meu marido só no meio,

sou sua esposa somente pela lei..."

"Senhora, o meu rei não trairei!..."

disse o Sargento, em firme pronunciar.

Ora, a rainha, querendo se vingar,

foi levantar contra ele uma mentira.

Foi cochichar ao rei que a ele ouvira

se gabar que iria subir a escadaria,

montado no cavalo que o trazia,

jogando três laranjas para o ar!...

E as aparando, sem qualquer deixar cair!

O rei lhe perguntou se era verdade

e não querendo acusar de falsidade

a sua rainha, o Sargento concordou

e para a prova, no outro dia, se aprestou,

depois de ao Baio tudo repetir...

O SARGENTO VERDE XV

Mas o cavalo lhe falou: "Não se amofine,

pelas escadas eu o hei de conduzir,

sem das laranjas uma só deixar cair..."

Lucinda se animou, fez-lhe um carinho:

"Você vai me ensinar, bem direitinho?"

"Meu amor, não é preciso que lhe ensine..."

E dito e feito. Subiu a escadaria,

no outro dia, sem dificuldade.

As laranjas aparou, com habilidade,

em uma taça fina de cristal...

E todos aplaudiram, no final,

salvo a rainha, que de raiva se mordia...

E no outro dia, mandou chamar o Sargento

e o levou a outro passeio no jardim.

"Você se atreve a não gostar de mim?

Depois que eu por você me apaixonei?"

"Senhora, a meu rei não trairei!..."

Repetiu-lhe Lucinda em tal momento...

O SARGENTO VERDE XVI

E a rainha, de novo desbicada,

foi contar para o rei outra mentira:

que no passeio do jardim o ouvira

afirmar que plantaria bananeira

e que, de tarde, já teria dúzia inteira

bem madura, para assim ser degustada!

E novamente, o rei lhe perguntou:

"Isso é verdade ou é mentira pura?

Você consegue uma dúzia bem madura,

caso plantar de manhã a bananeira?"

E ele afirmou ser história verdadeira

essa mentira que a rainha lhe inventou.

E o cavalo lhe falou: "Não se amofine,

vamos juntos plantar a bananeira..."

Com o casco escarvou marca bem certeira.

Lucinda a seu cavalo obedeceu

e o cacho inteiro brotou e amadureceu,

de um jeito mágico a que ninguém atine...

O SARGENTO VERDE XVII

Terceira vez a rainha o convidou

para passear nos caminhos do jardim...

Junto a um canteiro com perfume de jasmim,

"Por seu amor," falou, "de novo pedirei..."

"Senhora, eu nunca irei trair meu rei!..."

Cheia de raiva, embora ela o mandou...

E foi dizer, então, a seu marido

que esse Sargento de toda a sua confiança

havia dito saber desde criança

cavalgar sobre ovos sem quebrar,

de seu cavalo, no lombo ainda a montar!...

E o rei sentiu-se muito surpreendido...

E perguntou se aquilo era verdade.

"Não posso minha rainha desmentir:

sobre os ovos tentarei então subir,

embora seja a mais difícil prova..."

Mas a confiança o Baio lhe renova,

após prosearem com tranquilidade...

O SARGENTO VERDE XVIII

"Não se amofine, querida. Novamente,

esta outra prova havemos de vencer..."

E para espanto de quantos vieram ver,

no outro dia, sobre ovos galoparam

e nem a casca de um ovo eles quebraram!

Mas a rainha arquitetou plano diferente...

"Esse Sargento é bastante inteligente,

mas o que fez até agora, não é nada!...

Ele falou que sua filha está encantada

numa caverna, bem no fundo de um oceano,

guardada por um gigante desumano...

E que é capaz de salvá-la facilmente..."

Sem perder tempo, o rei mandou chamar

o seu Sargento e foi logo indagando:

"É verdade que você se anda gabando

de minha filha poder trazer de volta?

Ou é só fanfarronada e língua solta,

com a intenção, talvez, de me magoar...?"

O SARGENTO VERDE XIX

O Sargento, desta vez, se apavorou:

"Senhor, eu nunca disse coisa assim!"

"Eu escutei você falando no jardim!..."

disse a rainha, cheia de maldade.

"Desmentir não irei Vossa Majestade,

mas vou pensar, meu rei!" lhe suplicou.

Foi então conversar com o velho Baio,

agora forte, gordo e bem robusto.

"Não se amofine, não há razão de susto

e diga ao rei que o que pede lhe fará,

porém três dons em sua mão ele porá,

calafetados dentro de um balaio..."

"Porque os três têm de passar pela sua mão,

para que possa se quebrar o encantamento.

Esses três dons não são nenhum portento:

uma botija de azeite, um saquitel de sal

e um pacote de alfinetes, afinal...

E após ganhar, empreenderá a sua missão..."

O SARGENTO VERDE XX

O rei ficou surpreso com o pedido,

mas da filha estava cheio de saudade;

e no balaio enrolou, com habilidade,

os alfinetes, o sal e mais o azeite...

Curvou a cabeça o Sargento, como aceite,

dizendo ao rei como estava agradecido...

Mas a rainha achou que, desta vez,

do seu desprezo afinal se vingaria...

A corte inteira assistiu quando partia,

em seu cavalo robusto a galopar...

Quando chegaram à praia, junto ao mar,

novo toque de magia então se fez...

Disse o cavalo: "Terás de desmontar.

Com tua espada, corta o mar em cruz;

confiantemente, chama o nome de Jesus...

As águas prontamente se abrirão

e um caminho bem reto mostrarão,

até onde a princesa se encontrar..."

O SARGENTO VERDE XXI

"Tão logo a achar, agarre-a pela mão

e volte logo para me encontrar,

pois o gigante depressa irá voltar.

Então derrame o saquitel de sal,

para fazer com que ele enxergue mal.

E bem depressa vocês duas fugirão."

"E quando o monstro se recuperar,

já estarão todas duas sobre a praia.

Faça a princesa arrepanhar a saia

e a coloque depressa em minha garupa...

Os alfinetes solte então, em catadupa,

para o inimigo, outra vez, atrapalhar...

"Durante a fuga, irá a princesa pronunciar

só três palavras. Preste bem atenção,

porque depois irá ter delas precisão..."

"Mas, e o azeite?" quis saber Lucinda.

"Não se amofine, minha donzela linda,

na hora exata o saberá utilizar..."

O SARGENTO VERDE XXII

E foi assim... Sacou a longa espada,

cortou as ondas, em feitio de cruz

e invocou o santo Nome de Jesus...

As águas se abriram, prontamente

e o Sargento penetrou, incontinênti,

por uma estrada bem seca e arejada...

Logo encontrou a princesa adormecida:

para acordá-la, deu-lhe um safanão!

Sem perder tempo, agarrou-a pela mão,

voltou correndo ao longo do caminho,

mas o gigante apareceu, bem ligeirinho

e quase as alcançou nessa corrida!...

Então ela abriu o saquitel de sal

e se formou uma vasta cerração...

O monstro se perdeu na escuridão,

o seu cavalo as esperava lá...

Disse a princesa uma palavra: "Já!..."

Logo Lucinda tomou nota do sinal...

O SARGENTO VERDE XXIII

Mas por mais que galopasse bem depressa,

esse gigante caminhava mui ligeiro...

Lançou o Sargento, bem no meio do terreiro,

os alfinetes, que logo se viraram,

assim que a poeira do chão eles tocaram,

num espinheiro de ramada espessa!...

Disse a princesa outra palavra: "Bela!..."

que o Sargento, com cuidado, recordou.

Nesse espinhal o monstro se enredou

e no jardim do palácio elas chegaram...

E o retorno da princesa festejaram,

porque todos amavam a donzela!...

Ela abraçou a todos, sorridente,

e olhando a seu redor, murmurou: "Tudo!..."

Só o Sargento a escutou, contudo...

Mas a princesa sua mãe não encontrou

e seu irmão tampouco se mostrou,

ficando muda, então, subitamente.

O SARGENTO VERDE XXIV

E a má rainha, ainda despeitada,

disse ao ouvido do rei outra mentira:

que esse Sargento por ali ouvira,

afirmando ser capaz de dar-lhe a fala!

Sem desmentir a rainha, ele se cala

e o rei ordena então seja curada!...

Mas o cavalo sussurrou-lhe, calmamente:

"Não se amofine, é para isso o azeite.

Na hora do almoço do seu lado a ajeite

e lhe derrame um terço na cabeça...

Diga a primeira palavra e não se esqueça

de perguntar o significado prontamente."

"E faça o mesmo na hora do jantar;

diga a terceira quando chegar a ceia.

Mentir para você ela receia

e das três vezes, a palavra irá explicar.

É quanto basta para se curar:

e em conversa a noite inteira irá passar!..."

O SARGENTO VERDE XXV

E foi assim. Na hora de almoçar,

Lucinda um terço do azeite derramou

e muito alto, "Já!..." ela exclamou,

o significado da palavra perguntando.

Foi a princesa prontamente lhe explicando,

e todo mundo as aplaudia, sem parar!

"Já estou livre de todos os trabalhos!..."

Mas depois disso, de novo ficou muda.

Em sua paciência o Sargento então se escuda,

esperando pela hora do jantar...

Um outro terço foi do azeite derramar

e gritou: "Bela!..." em som forte como malhos.

Disse a princesa: "Tu és uma donzela,

igual que eu, não és nenhum rapaz...

Esse uniforme que teu corpo traz

é apenas um disfarce, que és mulher,

pura e gentil, do jeito que se quer.

Sem capacete, todos verão que és bela!..."

O SARGENTO VERDE XXVI

O rei e a corte encheram-se de espanto

e a rainha não sabia o que fazer...

Porém Lucinda recusou-se a responder.

Pela hora da ceia ela esperou

e o restante do azeite derramou,

nas faces da princesa, como pranto...

E lhe gritou então, bem alto: "Tudo!..."

Riu-se a princesa e logo se explicou:

"É que a rainha em tudo se enganou,

apaixonou-se por pensar que era um rapaz,

mas só vergonha tal paixão lhe traz,

porque a pureza de Lucinda foi-lhe escudo..."

O rei se horrorizou com a traição,

mas a princesa não parara de falar:

"Tanta mentira ela só quis inventar,

porque estava com Lucinda despeitada...

Porém foi bom: assim eu fui desencantada...

Mas onde se acham minha mãe e meu irmão...?"

O SARGENTO VERDE XXVII

Nem teve tempo para sentir tristeza,

porque no pátio fez-se ouvir um escarcéu:

era um gigante, tão alto como o céu,

dizendo vir buscar seu pagamento,

pelo tempo que gastara em encantamento.

Sem receber, não se iria, com certeza!

Ora, acontece ser a rainha feiticeira

e ter tudo combinado com o gigante.

Mas veio um homem de armadura rebrilhante,

que agarrou a rainha nos seus braços...

Ela tentou escapar de tais abraços,

mas a sua força era imensa e sobranceira!

E a carregou até uma janela

e, sem piedade, a jogou em pleno ar!...

O gigante foi depressa a segurar:

"Ah, finalmente recebi meu pagamento!"

E sem esperar por mais nenhum evento,

para o fundo do mar voltou com ela!

O SARGENTO VERDE XXVIII

Depois disso, o capacete foi tirar

e era o príncipe, que também tinha sumido!

Beijou o pai e a irmã e, comovido,

foi ajoelhar-se diante de Lucinda.

"Eu sou teu velho Baio, jovem linda!

Graças a ti consegui desencantar..."

"Foi tudo obra dessa maldosa feiticeira,

que desejava nosso reino dominar

e com o gigante combinou nos encantar...

Foi castigada, mas nos resta uma tristeza:

a nossa mãe morreu, por sua vileza!...

Mas desse monstro será eterna prisioneira!"

Casou-se o príncipe, é claro, com Lucinda

e até os pais dela vieram ao casamento.

Foi celebrado com grão contentamento...

E nesse tempo que se cumpriu depois,

viveram bem felizes, todos dois!...

Como se espera em qualquer história linda...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 13/07/2011
Código do texto: T3091828
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