O MONSTRO DO CASTELO

O MONSTRO DO CASTELO (6 JUL 11)

(Conto do folclore brasileiro, recontado por William Lagos.)

(Agradecimentos a Sílvio Romero e Monteiro Lobato)

O MONSTRO DO CASTELO I

Havia um homem que ganhava a vida

fabricando gamelas de madeira.

Usava a goiva com precisão certeira

cada uma delas lixava bem polida.

Sua subsistência estava garantida,

mas não tinha sequer a mais ligeira

tranquilidade de ordem financeira.

Toda a sua renda era então absorvida

pelas despesas com a alimentação

de suas três filhas, suas roupas e calçados.

Gastava assim os seus vinténs suados,

sem nada ter para futura provisão...

Mas as três filhas cresceram muito belas...

E quando chegou à idade de casar

a mais velha, um cavaleiro a quis comprar,

depois de vê-las sentadas às janelas...

Até ofendeu-se o pobre gameleiro:

"Criei minhas filhas para o casamento.

Não vou vendê-las em qualquer momento:

prossiga o seu caminho, cavaleiro!..."

Depois, lembrou-se da doença da mulher

e o cavaleiro ofereceu-lhe um saco de ouro!

O gameleiro não resistiu a tal tesouro

e até sua filha esse negócio quer!...

O MONSTRO DO CASTELO II

A pobre moça era mesmo muito pobre

e na sua mesa não havia fartura...

Vestia roupas velhas... e a formosura

era o caminho para viver com moço nobre!

O pai até chorou... Ela insistiu

e o cavaleiro prometeu tratá-la bem.

Cartas aos pais escreveria também...

E um alforje da sela então abriu.

Dele tirou lindo vestido verde,

sapatos de cetim, da mesma cor,

um cinto largo, bordado com primor...

"Pai, é uma chance que só uma boba perde!"

Assim, Rosaura pôs o vestido novo

e mais roupa de baixo, da mais fina.

Ganhou um colar de pura turmalina

e anel no dedo, como quer o povo,

e mais um xale da renda mais preciosa,

um lenço verde da mais linda cambraia.

Dançou três vezes, para girar a saia

e a irmã do meio ficou toda invejosa!

Deu um beijo na mãe e outro no pai.

Ficou o velho com o ouro em tal momento.

O cavaleiro prometeu-lhe um casamento

no seu castelo... e pela estrada vai!...

O MONSTRO DO CASTELO III

Com o ouro, o pai comprou a sua casinha,

chamou um médico, que lhe tratou a mulher,

montou uma oficina, sem mais qualquer

remorso por ter vendido a coitadinha!...

A mãe, porém, morria de saudades...

As duas irmãs não sabiam o que dizer.

"E se Rosaura nunca mais aparecer...?"

Mas atenderam às suas necessidades.

E assim que a sua esposa se curou,

o homem a tratou com mil agrados,

trouxe-lhe roupas e presentes rebuscados

e dentro em breve, ela de novo engravidou.

E deu à luz um lindo menininho...

Mas o dinheiro depressa foi sumindo.

As duas mocinhas mais roupas iam pedindo

e até ficou doente o garotinho...

A mãe, então, se pôs a lamentar

que era Deus que os estava castigando.

"Vendeste a filha! Foi um ato bem nefando!

Ela devia primeiro se casar!..."

Mas o pai, mais uma vez, a consolava:

"O cavaleiro prometeu-lhe casamento!

É um homem rico, deixa de lamento:

aqui em casa até fome ela passava!..."

O MONSTRO DO CASTELO IV

Assim a mãe se consolou um pouco...

Fez o marido comprar-lhe uma carruagem,

pois pretendia fazer longa viagem,

em visita à sua filha, um sonho louco,

porque ninguém sabia onde ficava

o tal castelo daquele cavaleiro...

Ela gastou até um bom dinheiro,

pagando gente que o castelo não achava!

Mas com tanta despesa, o seu dinheiro

foi embora bem depressa e o pai buscava

juntar as pontas e muito trabalhava,

mas nunca fica rico um gameleiro!...

E um dia, apareceu um belo moço,

que viu Rosália, a outra jovem, na janela.

Puxou as rédeas e foi prosear com ela

e logo os dois já estavam de retoço!...

Foi em seguida conversar com o seu pai

e lhe comprar a outra filha procurou.

Mais uma vez, o gameleiro protestou;

ele insistiu, conversa vem, conversa vai...

E Rosália foi com o pai também teimar

e disse à mãe que estava de amor louca...

Chorou a pobre, gritou e ficou rouca,

até que o pai acabou por aceitar...

O MONSTRO DO CASTELO V

Deu-lhe dois sacos de ouro o cavaleiro

e tirou do seu bornal vestido rosa,

sapatos de veludo e a mais formosa

mantilha trabalhada... E o gameleiro,

com o coração cada vez mais apertado,

viu o rapaz colocar um anel no dedo

de sua filha e partirem ao degredo,

para um destino nunca revelado!...

Rosália ia feliz, cheia de glória,

porque ia ser ainda mais rica que sua irmã.

Uma tiara prendeu com véu de lã

e lá se foi, atrás da própria história.

A mãe chorava, a lhe abanar um lenço

e a filha lhe abanava da garupa...

O povo do lugar todo se agrupa,

a comentar com malícia ou com bom senso...

Desta feita, o pai usou bem seu dinheiro:

comprou uma chácara, com árvores de fruta

e continuou seguindo a sua labuta:

montou uma fábrica o esforçado gameleiro.

Dizendo sempre que jamais permitiria

que alguém lhe comprasse a outra filha!

Mas o destino por sendas tortas trilha

e faz dos planos da gente zombaria!...

O MONSTRO DO CASTELO VI

E então Rosalba, a última menina,

foi crescendo e cuidando do irmãozinho.

O pai e a mãe a tratavam com carinho

e queriam para ela uma outra sina...

Na verdade, até cartas recebiam,

vindas de longe, por mão de mensageiro,

que as entregava e partia, bem ligeiro,

mas suas perguntas nunca respondia.

Porém Rosália e Rosaura lhes diziam

que realmente haviam se casado,

cada uma com seu príncipe encantado

e que felizes as duas então viviam.

Assim os pais se foram consolando.

Rosalba ficava a cada dia mais bela.

Quando sentava a pentear-se, na janela,

ao irmãozinho histórias ia contando...

E assim, quando chegou aos quinze anos,

viu na estrada um garboso cavaleiro,

mais belo que o segundo ou o primeiro,

usando túnica de coloridos panos...

Seu coração pulou: era sua vez!...

O cavaleiro do cavalo desmontou,

lindas palavras com ela ele trocou:

barba castanha sobre a branca tez...

O MONSTRO DO CASTELO VII

E bem depressa foi falar o cavaleiro

com o pai da moça, oferecendo ouro.

Mas este disse que, por nenhum tesouro,

venderia a sua filha a este terceiro...

O cavaleiro lhe ofereceu três sacos

e ainda mostrou um magnífico enxoval,

vestido azul, sapatinhos de cristal

e jóias de cegar olhares fracos...

Mas o pai não aceitou. "Fique comigo.

E com Rosalba, se a ocasião o enseja,

irá casar-se, porém na nossa igreja.

Vender mais uma filha eu não consigo!..."

Rosalba protestou e esbravejou,

dizendo ser igual a suas irmãs,

mas suas palavras todas foram vãs

e nos braços de sua mãe se lamentou...

O cavaleiro despediu-se, calmamente.

Chegou de volta, contudo, no outro dia.

Já uma guarda de seis homens o seguia

e usava agora uma armadura reluzente...

Apresentou os três sacos de ouro

e então puxou a espada da bainha...

Cada escudeiro longa lança tinha

e o gameleiro aceitou o seu desdouro...

O MONSTRO DO CASTELO VIII

E lá se foi Rosalba, na garupa,

acenando para os pais, muito feliz,

a comitiva rebrilhava em negro e giz,

e em marcha garbosa, a estrada ocupa...

Ficou o casal somente com o filhinho...

O gameleiro construiu uma mansão,

comprou estância, tornou-se rico, então,

tratando o filho com o maior carinho.

Assim que teve idade, foi à escola,

que o pai na aldeia mandara construir.

Professores contratou para o instruir...

Porém um dia, durante briga tola,

disse um colega, que era bem mais pobre:

"Teu pai é rico, mas só fazia gamelas!

Vendeu as tuas irmãs, que nas janelas

ele exibia quando vinha qualquer nobre!..."

Quando chegou em casa, ele indagou

se era verdade a venda das irmãs.

O pai só respondeu palavras vãs,

mas insistiu, até que lhe contou...

"Contudo, filho, elas casaram muito bem!

Olha essas cartas que nos escreveram!..."

Durante anos, outras receberam,

sem endereços lhes mandar, porém...

O MONSTRO DO CASTELO IX

Assim, depois que esse rapaz cresceu,

a quem os pais tinham chamado de Raimundo,

decidiu que queria correr mundo,

até achar as suas irmãs. E o pai lhe deu

dois alforjes de ouro e um bom cavalo.

Despediu-se, com beijos, de seus pais,

que lhe disseram: "Não sabemos aonde vais,

mas todo dia, quando cantar o galo,

Pensa em nós dois, que te escutaremos

e saberemos que ainda passas bem...

Nós não queremos te perder também:

somos dois velhos e muito rezaremos..."

Saiu o rapaz e andou por toda a parte,

indagando das irmãs... Ninguém sabia,

mesmo que uns quinze anos já fazia

desde que a última se fora... Destarte,

ele pensava nos pais cada manhã

e lhes contava, por seu pensamento,

que nada achara até esse momento,

mas não sentia que sua busca fosse vã...

Três anos se passaram e seus pais

pediram que voltasse, em sentimento,

pois não deveria tardar seu passamento

para o outro mundo, por causas naturais...

O MONSTRO DO CASTELO X

E o rapaz estava quase desistindo

e pensando retornar de sua viagem.

Mas certa noite se hospedou numa estalagem

e escutou três homens fortes discutindo,

em altas vozes... Que eram irmãos eles diziam,

mas brigavam por causa de sua herança,

cujo valor sua mente não alcança,

pois eram só três objetos que possuíam...

Era uma bota de um pé só, mais um capuz,

com buracos de traça e desbotado

e uma chave com o cabo enferrujado,

nada de prata ou de ouro que reluz...

Raimundo apresentou-se e perguntou

qual o motivo daquela discussão.

Eles disseram, sem qualquer objeção,

que os objetos eram mágicos. Um contou

que a bota levava o dono aonde queria,

que o capuz o deixaria invisível

e que a chave, por mais que fosse incrível,

toda e qualquer fechadura lhe abriria...

"Não decidimos de que modo repartir:

cada um dos objetos é um tesouro...

Mas cada um de nós prefere um pouco de ouro

do que brigarmos por tanto discutir..."

O MONSTRO DO CASTELO XI

Raimundo, então, bem depressa decidiu

e ofereceu-lhe a metade de seu ouro...

Cada um lhe entregou o seu tesouro,

a lamentar-se do bem que lhes fugiu...

"Mas entenda, meu nobre cavalheiro!

Nós atribuímos mais valor à fraternidade...

Preferimos manter forte esta amizade

que conservarmos o tesouro todo inteiro!..."

Mas acontece que os três eram vigaristas

e os objetos tinham achado em um buraco!

E assim que receberam de ouro um saco,

foram embora, sem deixar rastro nem pistas!

Assim que eles saíram, o hospedeiro

disse a Raimundo que o haviam enganado,

que ele era rico todos tinham reparado

e lhe aplicado um golpe bem certeiro!

Porém os três eram homens bem malvados,

por isso, preferira antes não contar,

caso contrário, escolheriam o atacar:

eram bandidos e andavam sempre armados!

Raimundo agradeceu ao estalajadeiro,

contudo disse-lhe que não se preocupasse

que a sua estadia não pagasse,

porque ainda tinha um resto de dinheiro...

O MONSTRO DO CASTELO XII

Pagou a conta no outro dia e despediu-se,

carregando consigo os objetos...

Faziam troça todos, mas discretos,

por trás da mão seu hospedeiro riu-se...

Mas acontece que eles eram, realmente,

dotados da magia prometida,

embora só pudesse ser cumprida

para algum dono de propósito inocente...

Assim Raimundo escondeu o seu cavalo

numa clareira cheia de capim;

pôs-lhe uma peia nas patas, pois assim

não poderia sequer transpor um valo,

que dirá lhe fugir!... Calçou a bota,

mandando de imediato que o levasse

ao lugar em que Rosaura se encontrasse:

no mesmo instante a bota ali o bota!...

Rosaura se assustou, porém Raimundo

se apresentou e foi reconhecido...

Pela rainha foi então bem recebido,

que demonstrou-lhe seu amor profundo...

Porém, quando chegava o entardecer,

logo Rosaura começou a chorar...

"O meu marido depressa vai chegar

e se o encontrar, não há de compreender..."

O MONSTRO DO CASTELO XIII

"Ora, acontece que ele é o Rei dos Peixes

e quando chega aqui, se desencanta...

Se te encontrar, porém, ele se espanta

e assim te matará. Melhor é que me deixes!"

Porém Raimundo lhe afastou o medo:

"Eu sei me esconder bem e tu lhe explicas

que eu sou o teu irmão. E então lhe indicas

que de teleportar tenho o segredo..."

Chegou o rei. Raimundo, bem depressa,

enfiou o seu capuz. Um grande peixe entrou

e pela volta do quarto ele fungou:

"Sinto cheiro de cristão dentro da peça!..."

Mas a Rainha sorriu: "Eu sou cristã,

é o meu cheiro que tu estás sentindo..."

Virou-se o peixe em moço muito lindo,

tomou um banho, gentil foi com sua irmã...

Rosaura se animou a perguntar, então,

vendo que estava tão gentil e delicado:

"Meu marido, se aqui fosse chegado,

o que faria você com meu irmão...?"

"Ora, é claro que o tratava muito bem!...'

Raimundo tirou logo o seu capuz.

Brilhou o olhar do rei com forte luz,

mas bem depressa se acalmou, também.

O MONSTRO DO CASTELO XIV

Ele abraçou cordialmente o seu cunhado,

que lhe explicou como é que funcionavam

a bota e o capuz, que lhe deixavam

entrar nas casas sem que fosse convidado...

O Rei dos Peixes observou cada objeto,

com certa inveja. Andou até a janela...

"Eu iria ver a Princesa de Castela..."

Falou baixinho, num sussurro bem discreto.

Raimundo nada disse, mas ouviu.

No outro dia, antes de fosse embora,

o rei o abraçou e, nessa hora,

deu-lhe uma escama, que logo reluziu...

"Se precisar de mim, segure a escama

e diga então: 'Valei-me, Rei dos Peixes!'

Logo te atenderei, porém não deixes

que ninguém mais a pegue, pois tem fama!"

Raimundo agradeceu e pôs a bota,

em sua clareira de novo aparecendo.

Seu cavalo estava bem. E foi dizendo:

"Na casa de Rosália então me bota!..."

Apareceu noutro palácio, prontamente.

Rosália então o abraçou, radiante,

Passaram uma tarde interessante,

cada um contando coisa diferente...

O MONSTRO DO CASTELO XV

Mas quando já chegava o entardecer,

ela disse ser Rainha dos Carneiros...

"O meu marido detesta os estrangeiros,

te dá uma marrada e então irás morrer..."

Mas Raimundo explicou que se escondia

com seu capuz, sem sofrer qualquer perigo.

Chegou o Rei dos Carneiros, um inimigo

muito feroz, cheirando o ar por onde ia.

"Por aqui sinto um cheiro de cristão!"

Mas Rosália bem depressa o acalmou...

Num belo moço ele então se transformou.

"O que farias se encontrasses meu irmão?"

foi Rosália perguntar a seu marido...

"Ora, por certo, muito bem o trataria!..."

Logo Raimundo, sem capuz, aparecia

e o rei ficou extremamente surpreendido...

Depois que o rapaz sobre tudo lhe explicou,

o rei se encaminhou até a janela.

"Bem que eu queria ver a Princesa de Castela!"

por entre dentes, com cuidado, murmurou.

Raimundo ouviu, porém ficou bem quieto.

Tratou-o rei com o máximo respeito

e na saída o abraçou bem junto ao peito,

como se fosse seu amigo mais dileto...

O MONSTRO DO CASTELO XVI

Depois na mão colocou-lhe um bom chumaço

de lã bem branca, enquanto lhe dizia:

"Se precisar de mim, de noite ou dia,

aperte bem esta lã no seu regaço..."

"Valei-me, Rei dos Carneiros!" então diga,

que eu chegarei depressa, em sua defesa.

Mas de uma coisa procure ter certeza:

que nunca caia em qualquer mão inimiga!"

Raimundo prometeu e então pediu

para a bota que o levasse até a clareira.

E lá estava o seu cavalo, na ribeira,

bebendo água. Assim que conferiu,

pediu Raimundo à bota, novamente,

e ir à casa de Rosalba lhe ordenou.

E prontamente, logo se encontrou

de sua irmã querida frente a frente...

Rosalba em si não cabia de alegria.

Então os dois se abraçaram e beijaram

e o dia inteiro, felizes, conversaram,

até chegar a hora mais tardia...

Então Rosalba disse: "Meu irmão,

você precisa bem rápido ir embora!

Meu marido vai chegar, está na hora

e se o encontra, lhe arranca o coração!"

O MONSTRO DO CASTELO XVII

"Ele é o Rei dos Gaviões e é ciumento!...

A mim trata muito bem, mas se o encontrar,

irá atacá-lo, certamente, até o matar!...

Fuja agora, pois vai chegar neste momento!"

Porém Raimundo depressa a acalmou...

Ouviu-se o som de asas e, contra a luz,

uma sombra já chegava... Pôs o capuz

e um grande pássaro no peitoril pousou...

"Alguém está aqui! Eu sinto o cheiro

de algum cristão!..." Mas a rainha

depressa o acalmou, deu risadinha:

"Foi o meu faro que sentiu ligeiro..."

Então o Rei dos Gaviões se transformou

em um moço ainda mais belo que os primeiros.

Ela lhe fez carinhos tão brejeiros

que o rei-gavião veloz tranquilizou...

E lhe indagou: "O que você faria,

se, por acaso, encontrasse o meu irmão?"

"Ora, que dúvida!" respondeu o gavião,

"com todo o amor e respeito o trataria!..."

Então Raimundo tirou o seu capuz

e o Rei dos Gaviões se surpreendeu.

Porém depressa um abraço então lhe deu:

"Mas você tem uma mágica de truz!..."

O MONSTRO DO CASTELO XVIII

E depois que Raimundo lhe explicou:

"Se eu tivesse uma mágica tão bela,

iria procurar a Princesa de Castela!..."

Sem a maior hesitação, ele falou...

Raimundo jantou e passou a noite ali.

No outro dia, despediu-se deles dois.

O rei o abraçou e, logo depois,

deu-lhe uma pena, dizendo: "Escute aqui,

caso precise em qualquer dia de mim,

"Valei-me, Rei dos Gaviões!" deve dizer,

mas essa pena terá sempre de esconder,

pois ninguém mais pode tocá-la assim!"

O rapaz concordou e foi à clareira,

ver como estava o seu cavalo e, então,

sentindo forte o palpitar do coração,

deu à bota uma ordem derradeira:

"Bota, me bota no Reino de Castela!"

E lá estava ele, prontamente...

Ficou sabendo, ao indagar da gente,

que essa princesa era solteira e muito bela...

Era tão linda, que todos que passavam

erguiam os olhos para a sua janela,

pela breve esperança de assim vê-la...

Mas era inútil, porque não a agradavam.

O MONSTRO DO CASTELO XIX

Porque a Princesa de Castela havia jurado

que só se casaria com quem não a olhasse...

Raimundo fez de mágica outro passe:

foi buscar o seu cavalo ajaezado...

E então passou sob as janelas do castelo,

por várias vezes, mas sem olhar para cima.

Pelo amor dele a princesa então se inclina

e o rei mandou chamar o jovem belo.

"Minha filha quer casar-se com você!...

E eu prometi que sua escolha aceitaria,

salvo se o homem que escolhesse me diria

ser casado ou se em nosso Deus não crê."

Porém Raimundo garantiu que era solteiro

e que era batizado e bom cristão...

Foi logo celebrada a alegre união

e do reino de Castela fez-se o herdeiro!...

Mas depois de se casar, os seus segredos

contou Raimundo, à sua bela esposa,

que tinha propensão a ser curiosa

e que não era dominada pelos medos...

Ora, acontece que no meio do castelo,

havia um poço largo e muito fundo

e dentro dele estava preso um bicho imundo,

ali atraído por astúcia e zelo...

O MONSTRO DO CASTELO XX

Era chamado de "O Bicho Manjaléu"

e fora preso por comer carne de gente!...

Fora atacado por muito homem valente,

mas era alto de chegar ao céu!...

E sua vida era objeto de segredo,

porque já fora matado muitas vezes,

porém voltava à vida, em dias ou meses,

ainda mais feroz, causando medo!...

Assim, após matá-lo uma vez mais,

ele fora arrastado até esse poço,

amarrado dos pés até o pescoço,

que não pudesse se soltar jamais...

Mas havia uma portinha, bem lá embaixo:

jogavam carne que o alimentasse...

Louco de fome, quem sabe se soltasse

e o palácio inteiro fosse abaixo!...

Ora a princesa, a dona Leonor,

esperou até um dia em que Raimundo

com o seu pai fosse caçar, no fundo

dessas florestas que havia ao derredor...

A chave mágica enfiou na fechadura

e a porta se abriu, bem facilmente...

Aquele monstro era imenso, certamente,

nem a veria, com a cabeça lá na altura!...

O MONSTRO DO CASTELO XXI

Mas prontamente o monstro se encolheu

e atravessou a portinha que lhe abria:

"Ah, mas era você mesma que eu queria!"

Pôs Leonor em um ombro e desapareceu!...

Quando Raimundo e o rei vieram da caçada

o poço estava vazio e Dona Leonor

também sumira, para total horror:

por toda a gente tinha sido procurada!...

Só encontraram a chave, junto à entrada

e disse o rei: "Mas que menina mais curiosa!

Há anos que essa coisa perigosa

ela queria fazer... Que menina mais levada!..."

Para Raimundo foi mais uma imprudência.

Chorava a mãe e as aias lamentavam.

Algumas até os cabelos arrancavam,

mas o rapaz escutou tudo com paciência

e então pediu à bota que o levasse

até o lugar em que sua esposa se encontrava.

Numa caverna imensa ela se achava,

embora o fogo da lareira a iluminasse...

E Raimundo outra vez mostrou ter sorte...

Após que os dois se abraçassem e beijassem,

já ia pedir que os dois se transportassem,

mas Leonor trazia um grilhão de grande porte.

O MONSTRO DO CASTELO XXII

Soldada ao pé, essa corrente não se abria.

"Ela é encantada," lhe disse Leonor.

"Vá-se embora depressa, meu amor!..."

Se o encontrasse, Manjaléu o mataria...

"Não, minha querida, eu vou é me esconder.

Com meu capuz, ele não me encontrará.

Mas minha espada só um pouquinho o matará:

ninguém sabe de que modo irá morrer!..."

"Mas certamente ele sabe do segredo:

você terá de esse monstro seduzir,

para onde está a sua vida descobrir...

Fico por perto... Não precisa de ter medo!"

Chegou o monstro, carregado de animais

que tinha caçado, para se alimentar.

Botou a carne na lareira, a cozinhar

e foi olhar a corrente uma vez mais...

"Ai, Manjaléu, você vai me devorar...?"

"Mas é claro que não, minha princesa...

Eu já a teria comido, com certeza...

De jeito algum! O que eu quero, é me casar!"

Leonor mal cabia em si de espanto:

"Casar comigo? Mas você é muito maior!..."

O monstro riu e encolheu. "Está melhor?"

"Você ainda tem dez metros, eu garanto!"

O MONSTRO DO CASTELO XXIII

O monstro riu e se encolheu de novo.

"E agora, estou mais para o seu gosto?"

"Você tem uns quatro metros!" "Que desgosto!

Como é pequeno o seu humano povo!..."

Ficou então com dois metros de altura.

"Agora, certamente, nós podemos...

Você me faça um cafuné, ao menos,

eu tenho comichão, minha pele é dura..."

A princesa então sentou e sua cabeça

pôs o monstro devagar, no colo dela.

Ela coçou-lhe a cabeça e até a costela:

de ronronar o Manjaléu não cessa...

"Já vi que vai me dar uma boa esposa..."

disse o bicho, bastante satisfeito,

"Agora que minha altura é do seu jeito..."

"Mas eu não amo você!" disse a formosa.

"Ah, mas eu lhe darei muitos presentes

e serei muito bondoso e delicado,

até o seu amor ter conquistado:

nós não somos, afinal, tão diferentes..."

"Mas eu não posso me casar: já sou casada!"

"Não é problema... Eu mato o seu marido..."

Mas ela disse: "Mesmo que tenha falecido,

isso não vai lhe adiantar de nada..."

O MONSTRO DO CASTELO XXIV

"Eu sou cristã e você não é batizado!..."

"Ora, não seja por isso: eu me batizo..."

"Mas de que jeito? Para batizar, é preciso

que de uma alma você seja dotado..."

E o monstro respondeu, meio dormindo:

"Mas alma eu tenho... É uma velazinha...

A cera não derrete e sua luzinha

nunca se apaga, não tem vendo zunindo..."

"Mas como, então? Sem vento, não tem ar!

Como a velinha permanece acesa...?"

"É que está dentro de um ovo, com certeza

e uma pombinha o ovo está a guardar..."

"Como assim?" continuando o cafuné,

perguntou a princesa. "Na pomba está o ovo

e a pomba dentro de um diamante novo

e o diamante enrolado num boné...

E o boné está dentro de uma arca...

A arca se acha lá no mar profundo!..."

(E tudo isso escutava o bom Raimundo.)

"É protegida pelo mar que a abarca...

É por isso que ninguém pode me matar!

Eles me furam e cortam e eu me curo...

Eles me queimam com fogo e óleo puro

e novamente eu consigo levantar!..."

O MONSTRO DO CASTELO XXV

"Mas tudo isso eu só posso lhe contar

porque se encontra aqui acorrentada...

E mesmo que me fosse raptada,

quem poderia meu baú ir encontrar?"

Raimundo já escutara o suficiente.

Teleportou-se até a praia do mar,

pegou a escama e logo foi chamar

o Rei dos Peixes, que veio incontinênti.

Ele pediu que a arca lhe trouxessem.

Daí a pouco sobre a areia estava...

Com a chave mágica depressa a desvendava

e do diamante os brilhos transparecem...

E tirou o boné que o recobria:

ficou com o brilho refulgente quase cego...

Pegou o chumaço de lã com todo o apego

e logo ao Rei dos Carneiros já pedia

que o ajudasse naquela situação.

Vieram cem carneiros, marraram o diamante,

até que se quebrou. No mesmo instante,

uma pombinha voou pela amplidão...

E o Manjaléu falou: "Ai, minha cabeça!

O que está fazendo, minha princesa?"

"É apenas cafuné... Tenha certeza

que só lhe faço aquilo que me peça..."

O MONSTRO DO CASTELO XXVI

O monstro meio e meio se acalmou,

porém puxou uma faca da cintura.

"Princesa, se minha vida não perdura,

primeiro corto o seu pescoço!" ele afirmou.

Enquanto isso, Raimundo ergueu a pena

e ao Rei dos Gaviões pediu ajuda...

Em revoada, com sua vista aguda,

logo caçaram a pomba, sem ter pena...

Trouxeram-na ao rapaz, que a espremeu

e um ovo grande saiu de dentro dela...

Quebrou-lhe a casca e apareceu a vela,

ainda acesa, após tudo o que ocorreu!...

Foi o monstro matar Leonor nesse momento,

porém Raimundo soprou a vela, bem depressa.

Ela apagou-se e com ela, a vida cessa

do Manjaléu, morto em grande sofrimento.

Raimundo foi depressa até a caverna.

Morto o monstro, a corrente se soltou.

Ele agarrou Leonor e a bota os transportou

para o castelo e a felicidade eterna...

Os reis vieram à celebração,

com as três irmãs de nosso herói, Raimundo.

E até seus pais, com seu amor profundo,

foram trazidos para essa ocasião...

EPÍLOGO

E assim Raimundo se tornou rei de Castela

e firmou com seus cunhados aliança...

E até o ponto em que a memória alcança,

todos gozaram de vida longa e bela...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 08/07/2011
Código do texto: T3082177
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