1.O Garnizé e a Galinha d`angola

Estavam lá, no terreiro do galinheiro, as galinhas gordas e pomposas com seus pintinhos. Enquanto ciscavam cacarejavam uma conversinha boba:

- Milho, milho... só tem milho!Uns bichinhos seria bom, para variar.

- Nem me fale, amiga.Essa dieta vegetariana está me matando!E se não comermos as pedrinhas então, aí sim a coisa toda complica. Ai, como é duro ser galinha!

Foi quando o galinho garnisé entrou na conversa.

- Quando eu crescer, vou ter toda a comida que eu quiser.Isto aqui vai ser o paraíso!

No mesmo instante, o galinheiro inteiro gargalhou.

- Crescer? Ora, não nos faça rir demais porque atrapalha a digestão. Disse a galinha Cremilda, fazendo chacota. Já inventaram o esticador de frango?

O galinheiro todo ria. Até o Nestor que guardava o galinheiro do lado de fora, riu tanto que ficou com a língua de fora de tão cansado.

Pobre galinho...juntou as asas no corpo, baixou a cabeça e foi andando sem olhar pra trás, chutando uma pedrinha e outra enquanto tentava segurar as lágrimas.

Foi para o cantinho, onde costuma passar horas pensando na vida e fazendo planos, perto da cerca, de onde se via um riacho, as flores e a grama verdinha. Quando chegou lá, ficou quietinho por uns instantes, só olhando tudo lá fora. Lembrou-se de como chegara até o galinheiro, ainda pintinho.levado como brinde .Aquilo lhe martelava o pensamento.Talvez eu não seja tão bom assim, fui dado como brinde...Que valor eu posso ter? Ele não sabia, mas seu valor não estava em seu tamanho, mas em quanto poderia lutar para realizar seus sonhos.

Ficou ali pensando, chorando, pensando, chorando, pensando, pensando...

- Oras... Que pensem o que quiserem! Quando eu for adulto, crescendo ou não, isso aqui vai ser o paraíso! – Foi para seu canto no galinheiro dormir.

Na manhã seguinte, logo que o galo cantou, o galinho já estava no terreiro. As galinhas velhas e gordas vinham com seus pintinhos e as franguinhas de pescoço fino e crista curta desfilavam. Ninguém mais se lembrava do ocorrido até que o velho e pulguento Nestor encostasse na cerca:

- Bom dia, galinho. E então, descobriu a fórmula do crescimento?

- Ah, Nestor... Não me amola! Estou ocupado apreciando o dia, que está tão lindo e vem você com isso de novo?

- Bem, é que descobri uma coisa que pode te interessar e...

- Se for fazer piada, melhor parar por aí.

- Não, não.É que o patrão vai fazer outro galinheiro.

- Jura?

- É. Talvez seja para colocar os galinhos nanicos.

Nestor riu, mas o galinho não deu importância ao riso. Se for verdade que será construído outro galinheiro, qual seria o motivo, pensou ele. Ficou o dia todo pensando nisso e a noitinha, ao invés de se recolher para dormir, ficou lá, pertinho da cerca olhando a lua refletida no riacho.De repente, começou ouvir uma voz sussurrando:

- Psiu, hei você aí!

Olhou ao redor e não viu ninguém.

- Psiu...Tô fraco! Tô fraco! Tô fraco!

- Quem está fraco? Onde está você?Preciso te ver, senão como posso ajudá-lo?

- Não seja bobo menino...Digo que tô fraco mas, não tô. Disse a galinha d’angola saindo do mato.É meu charme...

- Sei. Mas quem é você?Melhor, o que é você?

- Uma galinha, oras...

Zeca, o galinho, ficou olhando, olhando...É, tem bico, duas asas, uma crista, dois pés...Deve ser uma galinha mesmo, pensou.

- Olha dona galinha, olhando assim essas bolinhas brancas e o seu jeito confesso que não percebi o parentesco, desculpe.

- Tudo bem garoto. Tô fraco!

- Mas porque me chamou?Perguntou Zeca.

E Nana d’angola desembestou a falar:

- Moro aqui perto na mata e sempre venho aqui. Tenho te visto desde novinho nesse galinheiro e te acho uma graça! Não me leve a mal, mas é que você é tão valente, esperto, inteligente e tão sensível...Já vi muita coisa nessa vida, mas um galinho como você, nunca!

Garnizeca, sentiu um calor no rosto e respondeu cabisbaixo:

- Não é o que pensam por aqui... Mas eu não me importo!Disse levantando a cabeça, procurando o olhar de Nana.

-Viu?É disso que to falando.Valentia!

-Preciso ir agora. Já é tarde e não convém andar por aí sozinha a noite, mas precisava dizer o quanto te admiro.Acenou com uma asa e Nana foi se metendo mato adentro.

Zeca, agora era outro galinho.Estava mais confiante.Uma palavra amiga tem esse poder.

Alguns dias depois, já dava para ver o novo galinheiro, que foi construído mais perto do riacho.Era lindo, embora a liberdade fosse mais. Dava para ver as casinhas pintadas de azul e um enorme bebedouro de barro que até filtragem da água tinha.A comida não seria mais jogada no chão.Dava para ver os “comedouros” limpíssimos, só faltava conhecer o cardápio para ser perfeito.Os olhos do galinho brilharam. É o paraíso!

As galinhas, em seus rituais diários nem perceberam, mas a explosão de alegria do galinho ao ver aquilo, chamou a atenção de todas, inclusive do galo.

-Olhem!Olhem! Está lá, o paraíso!

Todas correram até a cerca e ficaram boquiabertas com o que viam.

- Eu não disse? Eu não disse?

- Olha aqui garoto, pode ser o paraíso para você, mas já lhe ocorreu que com esse tamanho e sendo nós, muito maior que você, tudo aquilo seja pra nós?

- É então...pra nós. Disse o galinho confuso com a emoção.

- Eu disse nós, galinhas de verdade e não você projeto de galináceo!

Mal acabou de falar e o dono do galinheiro apareceu. Abriu o portão e começou a pegar as galinhas, uma a uma e levar para o novo viveiro. Zeca corria pra perto dele, na esperança de que ele o pegasse também, mas era enxotado pra longe. Desistiu quando uma das galinhas ao ser agarrada gritou: O paraíso é pra quem merece Garnizeca!

O garnizé, estava triste porque não iria para aquele paraíso, contudo, estava feliz porque sabia que o lugar que ele sonhou poderia existir. Desejou boa sorte às galinhas e que elas pudessem ser tão feliz quanto ele achou que seria naquele lugar, porque um paraíso é onde se pode ser feliz e só assim o lugar sonhado estaria realmente concretizado, ainda que não fosse para ele. Já sem nada mais que quisesse ver, Zeca foi pro seu canto feliz de onde poderia ver o riacho passar tranqüilo.

Terminada a tarefa de transferir as galinhas, o homem procurava o galinho.

- tititititi... tititititi... galinho, onde está você? Chamou assim algumas vezes.

O galinho, ouvindo-o foi encontrá-lo sem cerimônia.Caminhou para as mãos do homem que estavam estendidas, achando que seria levado ao paraíso. Nana d’angola estava numa moita escondida e Nestor, ao lado do dono latia sem parar. O homem então, mandou que Nestor se calasse e foi caminhando em direção ao riacho.Já próximo, abaixou-se, passou a mão na cabeça de Zeca e disse:

- És muito pequeno para estar aqui. Disse isso e jogou-o nos braços da liberdade, virou-se, pegou o cão pela coleira e foi embora.

- Nana! Nana!Onde está você? Estou livre...Livre!

De trás de uma moita alta, Nana veio ciscando e dizendo:

-Você sempre esteve querido... Sempre esteve...

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" A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inenarrável é não se poder estar sozinho."- Dostoiévski

Elicia Dock Holtz
Enviado por Elicia Dock Holtz em 29/06/2011
Reeditado em 08/08/2012
Código do texto: T3065281
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