A PRINCESA DO MAR

A PRINCESA DO MAR

(Conto de fadas russo, recontado por William Lagos.)

A PRINCESA DO MAR I (22 jun 11)

Em Novgorod vivia antigamente

um talentoso mas pobre menestrel,

que vivia de compor e de cantar...

Dificilmente conseguia alimentar

sua esposa Lyubova, cujo anel

tivera de empenhar, continuamente,

para comprar para os dois o que comer!

Por sorte Sadko, o pobre menestrel,

de um modo ou de outro conseguia resgatar

a sua aliança e de novo colocar

nos longos dedos da esposa tão fiel,

cujo amor nunca vira fenecer...

Nijni-Novgorod era cidade rica,

construída junto a um lago, alimentado

pelo degelo das neves... Mercadores

armavam tendas em seus arrededores,

vendendo o seu estoque, transportado

por longo tempo, pois tal burgo fica

separado do mar, pois nem um rio

o percorria e não havia estrada.

Ficava cara tal mercadoria...

Mas muita gente das estepes ia

para comprar a seda fabricada

no Extremo Oriente, sem temor do frio...

A PRINCESA DO MAR II

Os estrangeiros assim enriqueciam,

porém gastavam em seu luxo na cidade.

Com os habitantes sua riqueza partilhavam,

mas grande lucro para si guardavam.

E passavam a viver na ociosidade,

depois que lojas por ali estabeleciam...

O povo os respeitava, certamente:

davam emprego para muita gente,

compravam lã, minérios e carvão,

que em caravanas transportavam no verão.

Peles também e trigo era frequente

que adquirissem em tal comércio ingente.

Também ali se encontravam marinheiros,

que atravessavam em todos os sentidos

esse mar interior e negociavam

com os lapônios do norte e lhes compravam

carne salgada e mais chifres compridos

das renas que criavam seus arrieiros.

Ainda compravam grandes lotes de madeira

dos carélios e das tribos mais selvagens.

Da Rússia vinham outros comerciantes,

traziam de vinho os odres transbordantes.

E da Ucrânia, após longas viagens,

chegava azeite, que vendiam na feira...

A PRINCESA DO MAR III

Assim Sadko cantava nos festins:

ganhava em troca algumas moedinhas...

Tocava o gusli, de formato triangular,

com cinco cordas para se afinar,

enquanto salmodiava ladainhas

sobre batalhas, guerreiros e fortins...

Chegou um dia à cidade outro guslar,

com grande habilidade no instrumento,

oriundo de Kiev, então a capital,

quando Moscou não passava de arraial,

com voz tão bela de causar portento,

que o pobre Sadko chegou a superar.

Nazhata se chamava esse cantor,

que se tornou dos banquetes favorito.

Sadko foi desprezado pelos nobres

e reduzido a cantar só para os pobres,

que o honravam, qual cantor bendito,

mas nada lhe pagavam de valor...

Uma noite, foi banquete celebrado

na residência de um rico mercador.

Naturalmente, Nazhata foi chamado,

mas o dono da casa, já cansado

de ouvir elogios em seu louvor,

mandou que Sadko fosse convocado.

A PRINCESA DO MAR IV

Chegou o guslar, um tanto esfarrapado,

trazia consigo seu instrumento velho.

Porém Nazhata se vestia ricamente,

seu gusli rebrilhava de imponente,

sua madeira reluzia como espelho,

em cada acorde melodioso e compassado.

Fizeram troça de Sadko, no começo,

enquanto as cordas tangeu e afinou.

Mas sua voz mostrava um timbre delicado...

Assim Nazhata se sentiu ameaçado

e para um duelo de canções o desafiou,

a fim de ver quem merecia mais apreço.

Como de Sadko fosse a voz melhor

e no instrumento mais habilidoso,

os partidários de Nazhata começaram

a troçar dele e tanto o apuparam

que Sadko ofendeu-se e, corajoso,

decidiu-se a abordar tema maior.

E assim cantou que mais prosperidade

teria Novgorod, caso ao Oceano

tivesse acesso, pois muito mais riquezas

poderia alcançar, pelas proezas

de cem barcos lançados a cada ano,

que lhe trariam um tesouro de verdade...

A PRINCESA DO MAR V

Entretanto, aos comerciantes ofendeu.

"Que direito tinha esse cantorzinho

de pôr em dúvida a sua habilidade?

De desprezar assim a sua cidade?"

Lançaram Sadko ao meio do caminho:

por seu esforço ele nada recebeu...

Enquanto ao estrangeiro proclamaram

como o melhor cantor que conheciam...

Sadko ergueu-se. Por sorte, o instrumento

não se quebrara nesse ruim momento.

Mas negro era o futuro que anteviam,

depois que do salão os expulsaram...

Assim Sadko foi andando até a praia

e se deitou a dormir, do lago à beira,

até que despertou, à meia-noite...

Batia a areia em seu rosto como açoite.

Pensou cantar sozinho a derradeira

canção, já sem se expor a qualquer vaia...

E enquanto ele cantava, aproximaram-se

sete donzelas de irreal beleza

e se assentaram em círculo, a escutar...

Ele cantou de novo sobre o mar,

como traria à cidade mais riqueza

e as sete jovens rápido alegraram-se.

A PRINCESA DO MAR VI

E quando sua canção foi terminada,

todas sete o aplaudiram com calor

e disse dentre elas a mais bela:

"Eu sou Volkhova, a filha de uma estrela

com o Rei do Mar, no mais sincero amor

e agora estou por ti apaixonada..."

"Cantaste muito bem sobre o Oceano,

canta-me agora da terra e sobre o amor!..."

Sadko em tudo a atendeu, envaidecido.

Seis das donzelas haviam desaparecido.

Volkhova o abraçou, mas seu calor

julgou sonhar, compensando o desengano.

E quanto finalmente rompe a aurora,

Volkhova prometeu-lhe seu destino

mudar profundamente doravante.

"Todo obstáculo levarás por diante,

se tão somente creres qual menino,

no que direi, antes de ir-me embora."

"Pescarás amanhã três peixes de ouro

e se souberes aproveitar a oportunidade,

irás fazer pelo mar longa viagem

e novamente, se agires com coragem

e comerciares com grande habilidade,

a Novgorod trarás grande tesouro..."

A PRINCESA DO MAR VII

"Três anos em viagem gastarás

e terás sempre minha proteção,

mas à minha mãe terás de conquistar

e a meu pai a cada dia louvar.

Assim, alcançarás satisfação

e longa vida em meus braços gozarás."

"Porém agora, eu tenho de partir.

Lembra de tudo o que te aconselhei."

Dizendo isso, Volkhova caminhou

até o lago e nas águas mergulhou,

para encontrar de novo o pai e rei,

cuja graça e boa vontade iria pedir.

Deitou-se Sadko e voltou a adormecer,

julgando tudo não passar de um sonho.

Mas Lyubova, sua esposa, o procurou

e quando nas areias o encontrou,

iluminou-se seu olhar tristonho,

para com beijos e abraços o acolher...

Sadko voltou com ela para casa,

dizendo à sua esposa como a amava.

Tomou um banho, fez ligeira refeição,

voltou-lhe muito clara sua visão

e logo ao porto, ligeiro, caminhava.

Breve retorno com Lyubova apraza.

A PRINCESA DO MAR VIII

Chegado ao porto, Nazhata viu cantando

e até os pobres lhe davam atenção...

O rival foi o primeiro que o enxergou

e com versos sarcásticos o saudou,

sob a galhofa de toda a multidão.

Sadko magoou-se e foi logo jurando

que pescaria do lago peixes de ouro!...

Caíram em gargalhadas... e apostou

que os pescaria logo essa manhã.

Os mercadores disseram que era vã

a sua pretensão, mas declarou

que os venderia, em troca de um tesouro.

Fizeram troça e, por pura zombaria,

o que ele desejava perguntaram.

"Dez mil rublos de cada mercador!..."

"Mas tu não tens coisa alguma de valor!

O que darás em troca?"lhe indagaram,

"ao fracassares em tua fantasia...?"

Afirmou Sadko que apostava sua cabeça!

Indecisos se entreolharam os mercadores.

Porem Nazhata, para assistir seu mal,

instou com eles que aceitassem, afinal:

"Será escravo de vocês, senhores!...

Ou lhe empalhem a cabeça como peça!..."

A PRINCESA DO MAR IX

Dez mercadores a aposta confirmaram,

perante as vistas de toda a multidão.

Pediu Sadko que uma rede lhe emprestassem

e que até certa distância o transportassem.

Lançou a rede, sem hesitação:

logo três peixes dentro dela se lançaram!...

Erguida a rede, eram mesmo peixes de ouro!

Maravilhados, seus amigos pescadores,

que até esse momento o lamentavam,

alegremente até a praia o transportaram,

para que fosse mostrar aos mercadores

como agora lhe deviam seu tesouro!...

Os mercadores juntaram, a contragosto,

os cem mil rublos que Sadko ganhara,

dizendo ser mal ganhos. Comerciantes

perfazem lucros com esforços extenuantes,

enquanto ele, só por sorte, conquistara

esse dinheiro que na aposta haviam deposto!

E como olhassem para Nazhata, contrafeitos

por se terem dobrado à sua insistência,

ele se pôs a cantar de um rouxinol

que se tornara comerciante no arrebol...

Essa canção despertou-lhe a impaciência

e quis Sadko justificar os seus direitos.

A PRINCESA DO MAR X

"Pois então, também serei um comerciante!

Os cem mil rublos de vocês não vou tomar!

Iniciarei uma grande expedição,

que me fará mais rico que hoje são

todos vocês!... Quem irá me acompanhar?"

Três marinheiros avançaram nesse instante.

Um era Viking, o outro Veneziano,

mas o terceiro viera do Industão.

"Não tenho emprego, portanto, irei contigo."

"Eu te acompanho, por ser teu amigo."

"Eu seguirei, porque me manda o coração."

Cada um deles lhe disse, sem engano.

O menestrel os três peixes foi lançar

de volta ao lago e cada um virou um navio!

Puderam o canto de Volkhova então ouvir:

mercadorias viram do lago assim subir,

e vendo os barcos cheios, mastro ao lio,

todos agora o queriam acompanhar!...

Ele nomeou os três primeiros marinheiros

de cada um dos barcos capitão.

E para espanto daqueles comerciantes,

sob os aplausos das gentes delirantes,

sobem os barcos à praia, num trovão,

navegando sobre a terra, bem ligeiros!...

A PRINCESA DO MAR XI

Sadko mandou mil rublos entregar

à sua esposa e encarregou de a proteger

o povo inteiro de tão bela cidade.

Tomou nove mil rublos, na verdade,

para as despesas de viagem atender

e tudo o mais entregou, sem hesitar.

Montou um cavalo então e alcançou

das três galeras a mais importante.

E os barcos continuaram a vogar

por sobre a terra, até chegar ao mar,

numa visão para todos estonteante,

por toda a parte que a flotilha atravessou!

Do veneziano aceitou a sugestão

e fez a volta por todo o continente,

comerciando em cada porto do caminho.

Habilidoso, conversando de mansinho,

foi recebido em paz por toda a gente.

Tinha do mar e da estrela a proteção...

Após Veneza, para a Índia ele partiu,

seus três barcos navegando no deserto.

Fez bons negócios e muito prosperou,

cruzou o mundo inteiro e retornou

até a Escandinávia, o peito aberto,

nessa alegria que tanto usufruiu!...

A PRINCESA DO MAR XII

Mas após ter comerciado também lá,

deixou as águas afinal do Mar do Norte

e entrou no Báltico... Contudo, se esquecera

de louvar o Tzar do Mar, qual prometera,

que, de repente, transformou-lhe a sorte

e que o vento parasse ordenou já!...

Por três semanas os barcos não moveram.

Preces tardias fizeram ao Rei Oceano,

lançando às águas ouro e pedrarias,

depois fardos de preciosas iguarias,

porém vazio das velas fica o pano

e toda a água a bordo eles beberam!...

Lançaram kevels, os dados, para ver

qual o culpado, consoante seu costume.

Caiu a sorte sobre o comerciante...

Confessou Sadko sua culpa nesse instante:

"O Rei do Mar é só a mim que pune...

Lancem-me às águas e tudo irá se resolver!"

Ele era amado e os marinheiros não queriam.

Severamente, porém, os comandou

e jogaram-no então, pela amurada,

entre lamentos de toda a marujada.

E quando a água sobre ele se fechou,

surgiu o vento e os barcos já seguiam!...

A PRINCESA DO MAR XIII

O menestrel nesse instante desmaiou.

Estava num palácio, ao se acordar...

O Tzar do Mar em um trono se assentava,

porém Volkhova algas do mar fiava.

"Fizeste mal em me desafiar!..."

O poderoso rei lhe disse. E então, falou:

"Não sei o que minha filha viu em ti!...

És um homem comum e sem valor...

Fala agora por que me desprezaste

e nunca em tua viagem me louvaste,

depois de te mostrar tanto favor,

pois os caminhos do mar todos te abri!"

"Minha filha está cumprindo seu castigo!

Porém vejo que trouxeste o instrumento...

Toca e canta para nós, talvez entenda

porque Volkhova tolice tão tremenda

cometeu, contra meu próprio julgamento.

Depois decido o que fazer contigo!..."

Então Sadko afinou seu instrumento

e cantou da forma mais encantadora.

Toda a corte o escutou, embevecida,

até a rainha mostrou-se comovida

e murmurou uma prece redentora

aos ouvidos do rei nesse momento...

A PRINCESA DO MAR XIV

"De minha esposa eu escutei as preces,"

falou o Rei do Mar, em tom bondoso.

"Eu te darei a minha filha em casamento,

mas terás de comprovar teu sentimento.

Para mostrar que lhe serás um bom esposo,

entre outras cem quero ver se a reconheces!"

Volkhova ergueu-se então de seu tear...

Logo depois de ser a ordem proferida,

formou-se longa fila de donzelas,

usando véus sobre as túnicas mais belas.

E após ser a longa fila percorrida,

escolheu Sadko, sem mais hesitar!

"A última da fila é a minha princesa!..."

Perguntou-lhe o Rei do Mar se tinha certeza.

E embora lhe pulasse o coração,

repetiu Sadko, sem qualquer hesitação.

De novo o rei lhe provocou uma incerteza.

"Majestade, é a que tem maior beleza!..."

Tirou-lhe o véu e viu que não errara.

As outras todas saíram, dando risos...

O rei mandou celebrar o matrimônio.

"Como dote, já ganhaste um patrimônio!"

A rainha os beijou, entre sorrisos

e ele beijou a noiva que o esperara...

A PRINCESA DO MAR XV

Então a sala dissolveu-se, a espumejar.

Prendeu-se Sadko nos braços da princesa.

Sobre uma concha viajaram, abraçados,

foram às margens do Ilmen transportados.

Dormiu Sadko, embriagado de beleza,

Volkhova um acalanto a murmurar...

Mas a princesa não adormeceu,

pois lentos passos sobre a areia ouviu.

Era Lyubova, chamando seu marido,

que para sempre receava ter perdido.

O coração de Volkhova se partiu

e em seu amor traído, ela gemeu...

Sendo uma fada, logo percebera

a profundeza do amor de Lyubova.

Já não podia ao oceano retornar...

Contudo, Sadko não iria disputar!...

Porém do amor que tinha, última prova,

resolveu dar ao homem que escolhera.

E nadando para a margem mais ao norte,

desfez-se em água, então, completamente.

Abriu um canal até o lago Ladoga

e nele as lágrimas, uma a uma, afoga...

No rio Volkhov transformou-se inteiramente,

a seu amor dedicando a inteira sorte...

A PRINCESA DO MAR XVI

Assim o Ilmen até hoje está ligado,

pelo Volkhov, até o lago Ladoga,

que pelo rio Neva corre até o mar.

Foi assim que Volkhova quis provar

seu grande amor, que no Báltico se afoga.

E por seu rio todo o comércio é transportado.

Lyubova outra vez achou o marido,

na mesma praia, ao lado do instrumento.

Ele acordou, com profundo olhar tristonho

e disse à esposa que tivera um lindo sonho,

imerso num profundo encantamento,

que corpo e mente lhe haviam seduzido...

"Passei a noite inteira nesse sonho!...

Só resta agora compor nova canção..."

Mas Lyubova lhe afirmou que ele partira

três anos antes e só agora surgira...

"Seus três navios no cais do porto estão..."

Ergueu-se Sadko, então, com ar risonho,

de braços dados com Lyubova caminhou,

ao longo da arenosa e mansa praia,

até o porto rumoroso da cidade,

Lyubova a derramar felicidade,

enquanto o vento lhe agitava a saia,

pois seu amor, enfim, recuperou!...

A PRINCESA DO MAR XVII

Ao chegarem ao porto, toda a gente

comentava a chegada dos navios,

pois afirmavam ter chegado de alto-mar

os capitães e a tripulação a confirmar,

passando por um lago e por dois rios,

um dos quais não existia, certamente...

Foi Sadko pelos marinheiros aplaudido

e lhe contaram então os oficiais

que bem depressa se dissipara o nevoeiro

e ao rio Neva tinham chegado bem ligeiro;

e após o Ladoga, abriram-se canais,

em direção ao sul, que haviam seguido.

Foram ao norte do lago os mercadores:

maravilhados as notícias confirmaram!...

"Seu nome é Volkhov," Sadko afirmou.

Ninguém tal nome contestar ousou.

Pagou-lhes Sadko a soma inteira que emprestaram,

com juros muito acima dos pendores.

E após outras expedições ter dirigido,

tornou-se o homem mais rico da cidade.

Mas no fundo da mente ele sabia

qual a origem do rio que assim surgia...

Tinha Lyubova, que o amava de verdade,

mas um amor muito maior havia perdido!...

EPÍLOGO

Porém Nazhata retirou-se, envergonhado

e nunca mais a Novgorod retornou...

Dizem alguns que foi cantar para o Sultão;

outros afirmam, talvez com mais razão,

que para a terra da Finlândia se mudou

e que lá, a tocar gusli havia ensinado...

Viveu Sadko feliz por muitos anos

e cem barcos a fortuna lhe traziam.

No rio Volkhov, às vezes. se banhava

e o grande amor de Volkhova recordava...

Mas nunca mais viu seus olhos que luziam,

com muito mais amor que o dos humanos...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 24/06/2011
Código do texto: T3054898
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