ESCREVENDO EM TEMPO REAL
EM UM OUTRO MUNDO
Na minha infância eu ficava observando as trilhas que as formigas saúvas faziam no roçado para transportar seus alimentos até o formigueiro, imaginava que aquela trilha era uma estrada onde passavam minúsculos carrinhos dirigidos por pessoas ainda menores. Era maravilhosa aquela imaginação.
Ontem revivi num lindo sonho aquelas fantasias.
UM SONHO
Sonhei que estava andando com uma garota pelas ruas de uma cidade desconhecida, localizada no sopé de uma enorme montanha.
- Você mora aqui, indaguei à acompanhante.
- Não, minha morada fica numa chapada sobre esta montanha, um lugar muito alto, mas fascinante. Você vai lá comigo?
Aceitei o convite e fomos para aquele lugar. Subimos, então, por uma enorme escadaria até chegarmos num descampado onde havia uma outra cidade meio que encantada. Era um lugar muito alto mesmo. Ali tudo era magnífico, as pessoas e as coisas eram muito bonitas. Havia lá uma praça com um pé de árvore de folhas largas, e ao lado, uma construção semelhando uma igreja com três andares, ostentava uma arquitetura que permitia as cabras passearem na fachada do prédio pastoreando sobre marquises gramadas, marquises estas que adentravam pela fachada irregular do prédio, isso ocorrendo em toda a construção de cor suave e vidraças verdes.
Lá no alto, havia uma região plana rodeada de enormes montanhas. Via-se nas escarpas dos fundos uma cachoeira cujas águas apareciam entre duas pedras que se alongavam nuvem adentro como chifres de cabras.
Nós havíamos chegado há pouco ali naquela encantadora cidade cuja praça principal era o primeiro acesso de quem deparava com aquele novo mundo.
Fui levado pela minha amiga, que se chamava Luciene, da praça para uma casa bem ampla com algumas salas e uma enorme recepção. Adentrei um de seus cômodos em que havia umas dezenas de pessoas minúsculas que cabiam na palma da mão, apanhei um senhor já calvo e, o mantendo em uma das mãos, conversei alguma coisa com ele, em seguida o coloquei de volta no tapete onde todos estavam, pareciam estar em um ato de oração. Apanhei depois uma moça, também minúscula, e ficamos a conversar, esta falava português, o que não era comum entre aquela dezena de homens e mulheres pequeninos.
- Qual o seu nome? Indaguei.
- Inês.
- Que bom que você fala português. Aquele senhor que apanhei primeiro, falava não sei quê, e eu não no entendia...
(Minha companheira que havia me levado ali ficava me observando a uma distância).
Ao encontrar aquele grupo de humanos em miniatura, lembrei-me de minha filha; ela adoraria tê-los em sua casa para brincar e conversar. Fui insinuar para Inês a minha intenção:
- Desculpe-me, Inês... Que criança não sonharia em pegar vocês nas mãos, assim na palma da mão, e conversar, e rir...
- As crianças não podem nos pegar, disse ela.
Inês parecia ter se afeiçoado comigo, porque ficamos umas horas juntos lá naquele lugar alto e bonito conversando, ela sentada na palma de minha mão esquerda, e eu passeando com ela vendo aquele lugar cheio de encanto. A praça fazia um polígono: começava em um lado do patamar da escadaria e fechava no outro lado. Havia muitas casas rodeando a praça, todas com uma arquitetura estranha para mim, porém, belas.
Inês, você viu Luciene?
- Ela foi tomar banho, daqui a pouco estará de volta.
- Você sempre morou aqui?
- Na verdade nós, com estatura de até dez centímetros, moramos um pouco mais no alto, aqui moram nossos irmãos e parentes que cresceram como você. Eles não podem viver lá no nosso mundo porque pisam em nós, não cabem em nossas casas, pisam nos animais que lá existem... Onde moro, um bebê é um gigante que pode destruir nossas casinhas pensando que é um brinquedo. Lá se um bebê apanha um de nós num aperto de mão, nos mata, como se mata um beija-flor apertando-se a mão. Crianças lá, não entram.
- Eu posso entrar?
- Se você for comigo...Falarei com a guarda.
- Guarda?
- É! Lá temos um Reino.
Olhava-a agora como uma pessoa adulta, e tomado por uma curiosidade, pedi a ela que desse uma voltinha para ver se ela era igual às mulheres grandes...
- Nós somos iguais às pessoas grandes, nosso povo, nossas ruas, tudo é igual. Só que lá as coisas são pequenas, mas todas muito belas. Precisa conhecer a nossa cidade. A nossa praça caberia em um quintal, talvez. Você não vai pisotear nossa praça, vai?
- Eu não. Mas como andarei naquela cidade?
- Crianças não podem ir lá porque não obedecem às regras. Quebram tudo. Pegam-nos e até nos matam brincando. Crianças não podem. Você vai conhecer aquele lugar, e quando chegar lá vai saber como andar, e vai deliciar-se com aquelas montanhas floridas. Ali há muitos animais, todos em miniatura. A natureza lá convive em sua plenitude, há uma enorme harmonia entre tudo e todos... Você gosta de mel?
- Gosto muito.
- Onde vivemos o nosso alimento predileto é o mel, há muito mel por toda parte.
- Não tem árvores?
- Claro que tem, arvores frutífera... Há muitas frutas deliciosas que não existem por aqui.
Era já muito tarde e ainda estávamos a conversar na praça dos adultos. A lua vinha sobre uma enorme montanha de granito coroada por uma nevoa luminosa. As cabras já ruminavam nas marquises do templo e havia muitos casais passeando pela praça. Inês queria dormir. Levei-a até aquela casa misteriosa onde a encontrei. Não havia mais nenhum daqueles coleguinhas dela ali.
- Foram todos para Passargada, retrucou ela.
- Passargada?
-Passargada é o nome do meu país.
- É o país de Manual Bandeira!
- Isso mesmo, Bandeira sonhava em ir lá, mas nunca foi. Talvez tenha vindo aqui em cima onde você está.
Andei pela casa olhando bem para o chão para não pisotear algum pequenino.
- É naquele quarto que dormimos quando vimos aqui, disse-me Inês.
Entrei naquele quanto pequeno ainda com a mocinha na palma da mão, era assim que ela preferia ser carregada. Não gostava de ser presa como se pega uma banana. Concordo com ela. Isso pode amassar sua roupinha, sem contar que não se deve esconder uma criatura tão bonita.
No quarto havia muitas caminhas todas bem arrumadas