A MENINA E O PAPÃO EM VERSOS

A MENINA E O PAPÃO I (10 mai 11)

William Lagos

(sobre um conto popular chinês)

A MENINA E O PAPÃO I (10 mai 11)

Havia uma menina chamada Meiling,

que um dia resolveu fugir de casa.

Varrer não queria, cozinhar não gostava,

lavar roupa era ruim, costurar detestava.

Não queria fazer nenhum trabalho, enfim.

Meiling era uma linda chinesinha

e nesse tempo, ninguém ia ao colégio,

mas com as bonecas já enjoara de brincar

e era novinha demais para casar:

queria só ser a princesa da casinha...

E como a mãe trabalhar a obrigava,

juntou suas roupas num paninho azul,

penduradas na ponta de uma vara

e, numa noite em que a Lua estava clara,

saiu sozinha para a estrada que a esperava.

Ficou cansada, mas era uma aventura...

Já de manhã, chegou em uma cidade.

A sua presença chamou muita atenção

e logo apareceu um batalhão

de gente cheia de curiosidade pura.

Quase em seguida, arrumou um protetor,

que lhe arranjou uma casa pra morar.

Mais outros seis cuidaram de Meiling,

chamados Tchang, Tcheng e Tching,

Tchong, Tchung, Tchiang e Tchieng, por amor.

Cada um ficou com um dia da semana

para visitar Meiling e cuidar dela...

Trouxeram móveis, roupa e cobertor,

fogão e comida do melhor sabor...

Da boa sorte Meiling logo se ufana...

A MENINA E O PAPÃO II

Mas logo viu que não era bem assim:

já não podia bancar a princesinha...

Para comer, precisava cozinhar,

tinha de a casa varrer e até espanar:

desiludiu-se a pobre da Meiling!

E como era menina bem limpinha,

logo suas roupas precisou lavar...

Depois ganhou um ferro de passar,

aos poucos, aprendeu a costurar:

o resultado de ir morar sozinha!

Era obrigada a preparar o almoço,

pois descobriu que nada vem de graça...

Quando os amigos a vinham visitar,

traziam roupas para ela costurar...

para lavar, ia tirar água do poço!...

No fim, ao invés de somente obedecer

ao pai e à mãe, obedecia a sete!...

Eles eram gentis e delicados,

mas insistiam em receber os seus cuidados

e Meiling começou a se arrepender...

Em casa, só atendia à mãe e ao pai,

que lhe faziam todas as vontades.

A mãe só lhe ensinava o treinamento

de que iria precisar no casamento...

Pode custar, mas no fim, a ficha cai!

Assim, Meiling já cozinhava bem;

acostumou-se com as domésticas tarefas

e então pensou que estaria bem melhor

na casa de seus pais, onde menor

seria o trabalho a realizar também!...

A MENINA E O PAPÃO III

Assim, assou um bolo delicioso

e o enrolou no seu paninho azul.

Dos sete amigos, cada um assume

cuidar da casa nos dias de costume

e se mostrou cada qual mais generoso.

Mesmo assim, deixou a casa bem trancada,

com medo que viesse algum ladrão.

Os seus amigos visitavam só de dia

e desse modo, alguém até podia

roubar sua casa e não lhe deixar nada!...

Depois de quatro horas de jornada,

sentiu o bolo ficando mais pesado...

Estava só no meio do caminho

e resolver sentar, só um pouquinho,

porque já estava, de fato, bem cansada...

De ter visto aquela pedra não lembrava...

Estava bem quentinha, sob o sol...

Até dava a impressão de ser macia

essa pedra que a luz não refletia...

Logo Meiling largou o bolo e descansava...

Ela sabia que não podia dormir,

caso contrário, não chegaria em casa...

Mas apenas recostou-se, cochilou...

De repente, com um susto, despertou,

quando uma voz muito rouca fez-se ouvir:

"Ah, menina, eu quero essa comida!"

Meiling olhou em volta, mas ninguém

havia por perto. "Será que eu sonhei...?"

"Sonhaste nada, fui eu que falei!..."

tornou a voz, perfeitamente ouvida.

A MENINA E O PAPÃO IV

Então Meiling se levantou de um salto!

A voz surgia bem debaixo dela!

Na própria pedra abria-se uma fenda:

Meiling recuou depressa para a senda,

agarrando seu bolo, em sobressalto!...

A fenda era uma boca bem vermelha,

cheia de dentes amarelos e pontudos,

a língua projetada qual serpente,

dois olhos verdes se abriram, de repente:

a uma cabeça a pedra se assemelha!...

"Eu quero essa comida e quero já!"

Surgiram braços e depois dois pés.

Meiling estava a ponto de correr,

mas viu que o monstro custava a se mexer.

"Me dá esse pacote que aí está!..."

A menina estava até bem assustada,

mas viu que a pedra nem saía do lugar

e protestou, bastante corajosa:

"O bolo é de meus pais, sua feiosa!

Não é para qualquer pedra abobada!..."

"Pois então, vou te agarrar e te comer!"

"Você vai ter de me pegar primeiro!

Se nem consegue sair desse lugar,

de que jeito poderá vir me pegar?

Nenhuma pedra conseguirá correr!..."

"Mas acontece que não sou pedra nenhuma!

Sou o grande Papão Tereng Ganu!

E agora, já não tem medo de mim!?...

Fique sabendo que não vai ficar assim:

de mim nunca escapou criança alguma!..."

A MENINA E O PAPÃO V

"Não tenho medo de você, que mal se mexe!"

"Eu só pareço pedra, mas não sou...

Durante a noite é que eu me movimento:

pois vou atrás de ti e, num momento,

derrubo qualquer porta que se feche!..."

"De dia, até que tenho pouca fome

e aí me contentava com o teu bolo...

Mas de noite, depois que a Lua sai,

eu como a ti, como tua mãe e teu pai

e até a tua casa na minha goela some!..."

"Mas os meus pais moram bem longe daqui,"

falou Meiling, desafiadoramente.

"Moram na Aldeia do Poço Furado:

sei muito bem onde é, acostumado

com qualquer coisa que exista por aqui..."

Meiling saiu correndo para casa,

com o bolo balançando nas suas costas.

"Não adianta fugir de mim agora!

Sei muito bem onde é que você mora,

lá na cidade de Lagoa Rasa!..."

"Vou te pegar esta noite, sua atrevida!

Engulo a casa até, contigo dentro!"

A menina nem ouvia, o coração

batia muito alto, de emoção,

quase sem fôlego, na veloz corrida...

Mas enquanto corria, ela pensava:

"Será verdade tudo o que ele disse?

Se for assim, como é que vou escapar?

Para onde eu for, o bicho vai pegar!..."

E a voz do monstro, lá de longe, se escutava...

A MENINA E O PAPÃO VI

Ela parou um pouquinho, a descansar,

sem se atrever a sentar em outra pedra!

E então um homem veio pela estrada:

trazia nas costas uma vara atravessada,

com dois cestinhos lentamente a balançar...

Usava o homem sandálias de madeira

e um chapéu de aba larga na cabeça,,,

Tinha uma trança longa, olhos puxados,

o rosto e os braços meio amarelados,

descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

Reconheceu o seu amigo, Tchang!

Meiling correu em direção a ele.

"Mas o que faz aqui, minha querida?"

disse Tchang, numa voz bem surpreendida.

"Ai, meu amigo, estou quase sem sangue!"

"Numa pedra do caminho, eu me sentei

e era o papão feroz, Tereng Ganu!

E ele disse que pretende me comer!...

A minha casa, ele disse conhecer!

Fiquei louca de medo e me escapei!..."

"Ai, Tchang, posso ir dormir hoje contigo?"

Mas o amigo respondeu, meio assustado:

"Tenho mulher e seis filhos, queridinha...

Minha casa é bem pequena, pequeninha,

não há lugar para te dar abrigo!..."

"Mas eu trabalho com lascas de bambu...

Pega uma dúzia, toma estas aqui...

Amarra firme contra o teu portão,

quando tentar abrir, esse papão

se corta todo, sei que ele anda meio nu..."

A MENINA E O PAPÃO VII

"Mas para quê?" Meiling estava duvidosa

"É que esse monstro vai ficar com tanta dor

que vai fugir aos berros... Tem cuidado,

não vai ficar com algum dedo cortado,

nem machucar tua mãozinha tão formosa..."

Disse Tchang, ao lhe entregar um pacotinho,

e desejou-lhe muito boa sorte.

"Amanhã eu vou te ver, ao meio-dia..."

E bem depressa o amigo lhe fugia,

quase correndo ao longo do caminho...

Ela abriu o pacotinho, devagar:

e eram lascas de bambu, bem afiadas,

mas não acreditou que isso bastasse

e que o terrível monstro se espantasse

somente por nos dedos se cortar!...

Meiling recomeçou a caminhar,

com as lascas e o bolo na trouxinha

e continuava muito preocupada,

até que viu outro homem pela estrada:

era Tcheng, que acabara de chegar!

Usava o homem sandálias de madeira

e um chapéu de aba larga na cabeça,,,

Tinha uma trança longa, olhos puxados,

o rosto e os braços meio amarelados,

descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

"Ai, que bom que te encontrei, querido Tcheng!

Posso ir dormir hoje à noite na tua casa?"

Contou depressa toda a história do Papão.

"Ah, não dá, moro com a mãe e meu irmão

e mais a minha vovó, que está com dengue..."

A MENINA E O PAPÃO VIII

"Mas o Papão vai me achar e me comer!...

Por favor, Tcheng, só por esta noite!...

As lascas de bambu não vão bastar,

Tereng Ganu meu portão vai derrubar

e eu sou pequena demais para morrer!..."

"Ah, mas isso não vai acontecer!

Eu vou te dar agulhas bem pontudas...

Enterra no caminho, bem cravadas,

o Papão tem as patas bem pesadas:

vão entrar fundo na carne e vai doer!..."

"Ele vai desistir de tanta dor

e fugir, capengueando, meio aos prantos..."

Tcheng pôs em sua mão o pacotinho

e seguiu mais que depressa o seu caminho,

porque ele do Papão tinha pavor!...

"O que é que eu faço?" imaginou Meiling,

só com agulhas e lascas de bambu?

Aquele bicho tem a pele muito dura!

Só uma dúzia de furinhos não o segura!

Vai me pegar e me comer no fim!..."

Chegou outro homem, com sandálias de madeira

e um chapéu de aba larga na cabeça,,,

Tinha uma trança longa, olhos puxados,

o rosto e os braços meio amarelados,

descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

O seu amigo Tching era gordinho,

porém em tudo parecido com os demais...

Ela correu para ele, bem depressa

e lhe contou o motivo de sua pressa.

Tching escutou, silencioso e bem quietinho...

A MENINA E O PAPÃO IX

Tching falou bem lentamente, então:

"Ah, Meiling, que coisa mais horrível!..."

"Tchang me deu umas lascas afiadas,

Tcheng me deu umas agulhas aguçadas,

mas eu acho que não vai adiantar, não..."

"Acho que tens razão, infelizmente,"

disse Tching, abanando sua cabeça.

"Mas tu sabes que eu ainda sou solteiro

e meu quartinho fica sobre o galinheiro:

é um cheiro horrível e não há quem aguente..."

"Mas, Tching, eu não me importo com o fedor..."

"Escute, eu vendo a titica como adubo...

Toma um pacote com cocô de galinha:

esfrega na tua porta essa pastinha,

que o Papão vai se encostar de tanta dor..."

"Nos seus talhos, a titica vai arder,"

continuou Tching, com voz bem convincente.

"E ele vai sentir ainda mais dor;

ficar meio sufocado com esse odor

e pela estrada bem depressa irá correr..."

E Tching se escapou, devagarinho...

Os olhos de Meiling se encheram d'água...

Os seus amigos todos iam embora

quando mais precisava, nessa hora...

E então mais um surgiu pelo caminho.

Usava o homem sandálias de madeira

e um chapéu de aba larga na cabeça,,,

Tinha uma trança longa, olhos puxados,

o rosto e os braços meio amarelados,

descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

A MENINA E O PAPÃO X

"Ai, Tchong, como é bom eu te encontrar!"

"Meiling, minha bela garotinha!

Você não estava na casa de seus pais?

Como é que eu te encontro, uma vez mais...?"

Falou o rapaz, sem vontade de parar...

"Tchong, querido, me escuta, por favor!

Eu encontrei o monstro Tereng Ganu

e ele vai hoje de noite me pegar!...

Ele falou que não adianta eu me encerrar:

estou com medo, louca de pavor!..."

"Ora, que pena! Vou sentir falta de ti..."

"Tchang me deu umas lascas de bambu;

Tcheng me deu um pacote de agulhinhas;

Tching me deu a titica das galinhas,

mas eu não posso passar a noite ali!..."

"Deixa eu dormir em tua casa, por favor!"

Tchong hesitou e falou, embaraçado:

"Olha, Meiling, querer até eu queria,

mas eu não tenho casa... A moradia

é um barraco, sem conforto, nem calor..."

"É apertado demais, meu coração,

fica junto do laguinho dos meus peixes...

Mas escuta, toma aqui esta latinha:

são peixes vivos, põe na tua cozinha,

numa panela, em cima do fogão..."

"Quando o Papão se sujar todo, vai querer

se lavar nessa água da panela...

Aí os peixes vão lhe morder a mão

e depois de mais esta confusão,

ele vai sair aos berros e a correr!..."

A MENINA E O PAPÃO XI

Mas quem muito depressa já corria

foi o Tchong! E sem perder mais tempo!

Meiling chorou igual que uma criança,

mas logo viu renascer-lhe a esperança,

que um quinto homem na estrada aparecia...

"Ai, Tchung, por favor, não vá embora!"

"Meiling, como é bom eu ver você!..."

"É que eu tive um encontro tenebroso:

no caminho, havia um bicho pavoroso,

que queria me comer na mesma hora!..."

"Ele falou que era o feroz Bicho Papão

e que sabia a casa em que eu morava!

Ele vai hoje de noite me pegar,

vai rebentar a porta e me matar

e eu já estou quase morrendo de emoção!"

"Os outros só fingiram me ajudar:

Tchang me deu umas lascas de bambu,

Tcheng me deu um pacote de agulhinhas,

Tching me deu o cocô de suas galinhas,

Tchong uma lata de peixes quis me dar..."

"Mas depois, todos quatro se escaparam...

Deixa eu dormir hoje contigo, por favor!..."

Tchung falou: "É que eu estou saindo de viagem,

mas eu sei que és menina de coragem,

é uma pena que os demais não te ajudaram..."

"Mas eu tenho do problema a solução:

põe estes ovos na cinza do borralho!...

Para estancar o sangue das mordidas,

ele vai enfiar as mãos feridas,

nessa cinza, que fica embaixo do fogão!..."

A MENINA E O PAPÃO XII

"É que eu só volto daqui a cinco dias...

Mas as cascas vão cravar sob suas unhas...

A dor é horrível e nenhum papão resiste,

nem Tereng Ganu, o mais feroz que existe...

Tenho certeza que do perigo te alivias..."

E Tchung deu dois beijos na menina

e se tocou depressa em seu caminho...

Meiling ficou os ovos agarrando,

com medo que acabassem se quebrando...

Mas outro homem viu dobrar a esquina!

Também usava sandálias de madeira

e um chapéu de aba larga na cabeça,,,

Tinha uma trança longa, olhos puxados,

o rosto e os braços meio amarelados,

descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

"Ai, Tchiang, que bom que te encontrei!..."

Esse era um homem alto e muito magro.

Ela contou-lhe sua história, em arrancos,

interrompidos por lágrimas e prantos:

"Ah, meu querido, o que fazer não sei!..."

"Nem as lascas de bambu que deu o Tchang,

nem as agulhas que me deu o Tcheng,

nem a titica que foi o Tching que me deu,

nem os peixes que o Tchong ofereceu

e nem os ovos, que ao estancar o sangue,

"vão entrar sob as unhas do Papão,

conforme me ensinou a fazer Tchung,

vão conseguir esse monstro afugentar,

ele ainda mais furioso vai ficar:

vai me matar depois de muita judiação!..."

A MENINA E O PAPÃO XIII

"Ora, ora, acho que só isso não adianta...

Mas os peixinhos estão vivos, com certeza...

Será que o Papão fica mesmo satisfeito

só de comer esses bichinhos? Não tem jeito,

não vai chegar para entupir a sua garganta..."

"Escuta, para menos se perder,

melhor é que você deixe a porta aberta,

ou ele quebra tudo quanto tinhas,

mesmo porque tem umas quantas coisas minhas,

que eu vou pegar, depois que ele te comer..."

"Ai, Tchiang, não brinca assim comigo!...

Deixa eu passar a noite na tua casa!..."

"Minha querida, que casa? Moro no lixo,

no ferro-velho, igual que nem um bicho,

com umas latas empilhadas como abrigo..."

"Mas eu não quero que o Papão me coma!..."

"Ora, ora, vamos ver o que eu tenho aqui...

Pega esta corda e esta peça de metal,

pendura bem no teto e, no final,

larga na cabeça dele!... Anda, toma!..."

"Você fica escondida atrás da cama

e assim que ele entrar, solta esse ferro

direto em cima da cabeça do malvado!

O ferro mata o monstro, bem matado:

É bem pesado, vê se não reclama..."

"Obrigada, Tchiang, mas não sei..."

"É só largares no momento certo...

Muito melhor que toda essa bobagem

que te deram... Mostra toda a tua coragem...

E agora, vou-me embora, me atrasei..."

A MENINA E O PAPÃO XIV

Meiling ficou parada no caminho,

fazendo força para agarrar o ferro...

Pensou que até servia como arma,

se sua coragem vencesse seu alarma...

Mas então, viu outro homem, bem pertinho...

Também usava sandálias de madeira

e um chapéu de aba larga na cabeça,,,

Tinha uma trança longa, olhos puxados,

o rosto e os braços meio amarelados,

descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

Reconheceu Tchieng, bem depressa...

"Ai, meu amigo, que bom foi te encontrar!"

"Mas quem será você, minha garotinha?"

"Sou a Meiling, eu sou tua amiguinha..."

"Ah, é mesmo! Que coisa a minha cabeça..."

"Bem, estou indo para minha caçada...

"Espera, me aconteceu coisa horrorosa!"

"Ah, comigo houve uma coisa parecida:

não achava as minhas flechas na saída,

tinha deixado a aljava pendurada..."

"Tchieng, me escuta!... O Papão quer me comer!

Tchang me deu umas lascas de bambu,

Tcheng me deu um pacote de agulhinhas,

Tching me deu o cocô das suas galinhas,

Tchong uns peixinhos quis me oferecer..."

"Tchung me deu ovos podres de montão

e Tchieng este ferro tão pesado,

mas eu acho que não vai adiantar nada!

E eu não quero ser hoje devorada!

Estou com medo, vê como bate o coração!..."

A MENINA E O PAPÃO XV

"Tchieng, deixa eu dormir hoje contigo!..."

"Mas, queridinha, eu saí para caçar

e minha casa fica dentro do curtume,

tem um cheiro que não há quem se acostume,

às vezes, até eu mesmo não consigo!..."

"Eu não me importo com o cheiro que tiver!..."

"Tudo bem... Ah, que coisa, me esqueci,

estou indo caçar, o curtume está trancado..."

"Me empresta a chave, então, Tchieng amado!..."

"Tudo bem, se é o que você quer..."

Mas Tchieng por toda a parte procurou

e não achou, nem dentro do chapéu!...

Nem nos cestos balançando de sua vara

e nem nos bolsos da camisa clara,

sem se lembrar de onde a chave ele deixou!...

"Ai, Tchieng, e agora, o que é que eu faço?"

"Olha, eu vou é te emprestar minha faca

de esfolar coelhos, que está bem afiada...

Cortas a corda de uma só talhada

e faz o mesmo que eu, sempre que caço..."

"Chego no bicho e corto-lhe a garganta!...

Se ele estiver tonto, aí ele morre...

Mas eu tenho de seguir para a caçada,

preciso chegar antes da alvorada:

quando o Sol nasce, toda a caça espanta..."

E Tchieng saiu trotando pela estrada...

A pobrezinha ficou a faca segurando,

sozinha uma outra vez, pois cada amigo

tivera medo de lhe dar abrigo

e Meiling ficou ali, desesperada!...

A MENINA E O PAPÃO XVI

Meiling não podia ir à casa de seus pais,

ainda mais com o monstro no caminho...

Assim, como não tinha alternativa,

foi para casa e se manteve ativa,

prendendo a corda e o ferro e as demais

armadilhas destinadas ao Papão.

Deixou a faca junto à cabeceira,

pôs os ovos sob as cinzas do fogão,

os peixes na panela e, no portão,

prendeu as lascas para lhe cortar a mão!

No caminho, todas as agulhas enterrou

e esfregou a porta inteira com titica...

Nem conseguiu fazer a refeição,

de tanto que lhe batia o coração:

trancou a porta e, depois, se colocou

atrás da cama, como Tchiang lhe dissera,

o ferro firme contra o teto pela corda

e a faca bem segura na sua mão,

procurando controlar toda a emoção,

porque tudo o que podia, já fizera...

O tempo foi passando, devagar...

De um cochilo se acordou, em sobressalto,

ouvindo passos pesados no caminho...

E se encolheu ainda mais no seu cantinho,

sem saber se poderia se escapar...

Chegara a meia-noite e as passadas

pararam diante do portão de sua casinha!

"É melhor abrir a porta, garotinha...

Não vai escapar de mim, atrevidinha!..."

disse a voz rouca, por entre duas risadas...

A MENINA E O PAPÃO XVII

"Já que não vai abrir, eu vou entrar...

Mas o que é isso? Me cortei, que dor!

Há lascas de bambu nesse portão!

Lastimei os meus dedos, maldição!...

Pois simplesmente o portão vou arrancar!"

A seguir, ela escutou o som das patas,

pisando firme na areia de sua entrada

e logo um outro grito: "Ai, um espinho!...

Ai, tem mais outros por todo esse caminho!

Mas não vai ser com isso que me matas!..."

Tereng Ganu na porta se encostou

e logo o ouviu recuar, com mais um berro:

"Ai, as minhas mãos ardendo agora estão!

O que você esfregou aqui, então?

Que cheiro ruim!... Foi titica que passou!..."

Porém o monstro a porta já arrombou,

entre berros de rancor e de ameaça!...

Pois foi correndo à panela no fogão,

para lavar os dedos. Foi então

que cada peixe uma dentada lhe arrancou!

"Ah, sem-vergonha, o que foi que me fizeste?

Fica sabendo que agora eu vou judiar

o mais que posso e só depois vou te comer!...

Não adianta nada, que na cinza vou meter

os dedos e estancar o sangue, peste!..."

E logo mais um grito se escutou:

"Sua bandida, aqui tem ovos podres!...

Cascas de ovos me entram pelas unhas,

ai, que dor! São afiadas como cunhas!...

Sua bandida!... Mas você se desgraçou!..."

A MENINA E O PAPÃO XVIII

"Por tudo o que me fez, vai me pagar!

Em que buraco foi que se meteu?

Ah, claro, está no quarto! Estou chegando!"

disse o Papão, a porta atravessando

com as ventas farejando, a procurar...

Olhando em volta, um pouco desconfiado...

Meiling só conseguia era pensar:

"Seu bandido, dá só mais um passinho!..."

E ele deu!... E chegou, devagarinho,

bem no lugar do ferro pendurado!...

Meiling respirou fundo e, com a faca,

cortou a corda, com um único golpe!

O ferro despencou-se, lá de cima

e caiu justamente sobre a crina

desse malvado que a menina ataca!...

Tereng Ganu caiu sem dar um ai!...

Mas agora, vinha a parte mais difícil...

Meiling saiu de trás da cabeceira,

deu-lhe um talho na garganta, bem certeira

e logo em sangue o monstro já se esvai!

Por um instante, ela pensou só na sujeira

do mal-cheiroso sangue verde pelo chão...

Ela ia ter de fazer toda a limpeza!...

E só então, adquiriu plena certeza

de ter vencido, na hora derradeira!...

Ouviu o rápido bater do coração:

só então notou que nem estava respirando...

Encheu os pulmões, em profunda aspiração

e só depois que recobrou a respiração,

pôs-se a chorar, cheia de alívio e de emoção!...

A MENINA E O PAPÃO XIX

Meiling chorou até adormecer...

Quando acordou, já era madrugada.

Acendeu as lamparinas, devagar,

depois o monstro começou a esfolar

e só parou depois de amanhecer...

A pele estava em muito bom estado,

menos as patas e um buraco na cabeça...

Cortou a carne em um monte de pedaços,

tirou os ossos e amarrou em maços,

buscou água no poço e deixou tudo lavado...

E aí, trocou de roupa e tomou banho.

Colocou tudo dentro de um carrinho,

com a pele por cima e foi à feira.

A história toda já correra, bem certeira

e o espanto de todos foi tamanho!...

Mas logo todo mundo quis comprar

a carne do Papão e até os ossos!...

Era remédio, conforme acreditavam...

Mas era a pele que todos disputavam:

Meiling esperou até o preço aumentar...

Foi então que chegou o intendente

do Mandarim, com cinquenta taéis,

em moedas de brilhante e puro ouro.

Meiling vendeu então o grande couro:

uma fortuna para aquela gente!...

Comprou logo uma charrete e roupas ricas

e foi depressa para a casa de seus pais.

O bolo não levou, mas mil presentes

e seus pais a receberam, bem contentes,

que ao ver os filhos, sempre alegre ficas!...

A MENINA E O PAPÃO XX

Até fingiram que nem tinha fugido

(porque o dinheiro apaga muitas faltas!)

Comprou-lhes uma casa bem maior,

passaram a viver muito melhor

e já pensavam em lhe arranjar marido!...

Seis dos amigos logo se apresentaram

(até o casado prometeu se divorciar!)

A ambição lhes brilhava no olhar nu...

Meiling a Tchang deu as lascas de bambu

e a Tcheng as agulhas que sobraram!

Para Tching, deu titica de galinha!

Para Tchong, uma lata de peixinhos...

Para Tchung, ovos podres devolveu,

Mas a Tchiang um bom preço ela lhe deu

pelo ferro e aquela corda bem fininha...

Mas depois, ela mandou irem passear...

(Bonita ajuda que vocês me deram!)

Eles se foram, bem desapontados,

pois pretendiam já sair casados,

sem nada conseguirem arranjar!...

Até que Tchieng também apareceu

e comentou que seu presente era o melhor...

Que até a faca fizera falta em sua caçada,

que nenhum dos outros a ajudara em nada...

Tanto falou, que até a convenceu!...

E Meiling concordou em se casar

com Tchieng, o dono do curtume...

Viveram muito tempo, apaixonados,

seus filhos todos muito bem educados

e aqui a história tenho de acabar!...

Entrou pela porta e saiu pela janela:

quem quiser outra, que tire da costela!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 14/05/2011
Código do texto: T2969269
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