Os Pirralhos do Caribe
O navio ancorou na praia e todos correram para recebê-lo. Porém, logo o costumeiro clima de festa, cedeu lugar à apreensão: o mastro estava quebrado, havia buracos no casco e, no convés, apenas poucos homens acenavam. Ao desembarcarem, o quadro era lastimável. Vários feridos, apoiando-se uns nos outros. O capitão Malibu chegou inconsciente, e isso foi um choque para todos. Afinal, ele era um grande herói para eles e também era homem justo e bom, um grande líder, tanto na terra quando no mar. Apesar de ser conhecido como um pirata sanguinário, era incapaz de fazer mal a um inocente.
Os homens contavam a quem perguntava:
– Fomos atacados pela marinha espanhola.
– O navio deles era muito melhor que o nosso!
– Só estamos aqui graças ao capitão!
O imediato então lhes contou como o capitão havia conseguido surpreender os espanhóis com manobras geniais, até quase afundar seu navio. Ainda assim, durante a batalha, foram atingidos muitas vezes e por pouco não naufragaram também.
– E o capitão? – todos queriam saber.
– Está muito ferido. Não sabemos se conseguirá...
Calou-se ao ver que parado, ali na sua frente, estava o pequeno Klein, filho do capitão. O menino chorava, mas, quando percebeu que olhavam para ele, gritou, zangado:
– Meu pai vai conseguir, sim!
E, como ninguém dissesse nada, ordenou, já mostrando ter nas veias o sangue guerreiro do pai:
– Vamos! Precisamos consertar o navio para quando meu pai acordar!
Todos se entreolharam, em dúvidas se deviam dar ouvidos ao fedelho, mesmo sendo ele o filho do capitão, mas o imediato colocou-se ao seu lado e confirmou suas palavras:
– Sim! Se ele acordar a tempo, precisará do navio pronto para o grande golpe.
Foi o que bastou para que todos se movessem. Sabiam que o capitão planejava, há algumas semanas, um ataque à cidade de Cartagena das Índias, grande porto espanhol na Colômbia, de onde eram embarcados para a Europa os tesouros extraídos do continente.
Embora parecesse loucura, o capitão acreditava que um ataque inteligente à cidade fortificada teria muito mais chances de sucesso do que a abordagem a um dos navios espanhóis carregados de ouro e sempre muito bem armados. Aproveitariam a visita do rei de Espanha, Carlos IV, quando a cidade ganharia um ar festivo e muitos eventos seriam realizados por artistas e dançarinos vindos de várias partes do mundo. Com um bom disfarce, o capitão e seus homens poderiam entrar na cidade e chegar ao castelo onde o ouro era mantido.
Assim, todos estavam empenhados em recuperar o navio. Mas os dias iam se passando e o capitão não apresentava sinais de melhora:
– Acho que não vai adiantar nada. – disse Klein aos seus amigos.
– O importante é que você tentou... – tentou consolá-lo Fred, filho do imediato.
– Sim! Papai terá orgulho de você! – disse-lhe Maribel, sua querida irmã.
– Queria que ele despertasse! – Klein lamentou-se – Eu não sei mais o que fazer!
– Por que não damos uma olhada nos papéis dele? – sugeriu Doggy, filho do cozinheiro do navio, gordinho e manhoso, mas muito inteligente.
Klein e Maribel não gostaram da idéia de mexer nos papéis do pai, mas a turminha ficou tão entusiasmada que eles concordaram e trouxeram o diário do capitão, repleto de desenhos da cidade e do caminho entre o porto e o tesouro, guardado no interior do Castelo de San Felipe.
– Seu pai é mesmo um gênio! – admirou-se um dos meninos! – Como ele conseguiu essas plantas?
– Um espião na cidade.
Os meninos estudaram tudo, cada detalhe dos projetos. No início do ano, o navio ficou pronto, alguns dias depois da chegada do rei a Cartagena. Como seu pai ainda estivesse inconsciente, Klein convocou os piratas e lhes propôs seguirem os planos, mas ninguém queria enfrentar uma missão dessas, sem a liderança do capitão. E, quando o menino disse que ele mesmo iria liderá-los, todos riram.
– Sabemos que você é um menino corajoso, mas é só um menino. – disse-lhe o imediato. – Quando seu pai estiver bom, pensaremos em outros saques.
Klein ainda tentou argumentar, mas os homens foram embora. Os meninos o cercaram, desanimados.
– E agora?
– Agora, seguiremos o plano de meu pai! Quem está comigo?
– Eu! – todos responderam.
– Roubaremos o tesouro espanhol!
– Viva o capitão Klein! – um dos garotos gritou.
– Viva!
– Então, capitão? O que fazemos agora?
– Vamos abastecer o navio. E, amanhã, zarpamos.
– E os disfarces?
– Podemos nos fantasiar de mulheres... – disse Doggy.
Todos riram. Mas Klein viu que ele tinha razão. Não tinham altura nem feições para se passar por homens adultos, mas certamente, enganariam bem como moças.
– Poderíamos ser dançarinas de Flamenco. – disse uma das meninas, chamada Silvana – Nós costumávamos dançar lá em Granada.
– E onde conseguiremos as roupas?
– Precisaremos de sapatos e maquiagem!
– Isso não é problema. Nos saques, meu pai sempre conseguia roupas e outras coisas de mulher. – disse Maribel. – Sei onde conseguir.
– E a bandeira?
– Usaremos uma de Granada, ué!
Zarparam antes do nascer do sol e a viagem foi bem tranqüila. As meninas aproveitaram a calma dos ventos e das marés para ensinar uns passos de dança aos meninos, além de vesti-los e pintá-los.
A cada um que aparecia pronto, os outros caíam na gargalhada. Era incrível como pareciam mesmo belas mocinhas. Quando, enfim chegaram ao porto de Cartagena, o navio foi logo cercado por soldados e revistado, em busca de bandidos e armas. Não encontrando nada além de garotas, deixaram-nos desembarcar.
– Formosa! – disse um dos soldados, dando uma palmada no traseiro do Klein que, por pouco, não se voltou para brigar.
Foi impedido pela irmã:
– Deixe disso, mana! É só um grosseirão! A família real saberá nos tratar melhor.
Dali, seguiram em direção ao castelo. Onde andavam, com seus vestidos vistosos e os rostos muito pintados, os meninos chamavam a atenção. Muitos homens acercavam-se deles fazendo gracejos e pedindo uma apresentação especial de dança. As meninas controlavam os meninos para que não pusessem tudo a perder, respondendo com desaforos às provocações.
Elas sorriam e distribuíam beijos ao vento:
– Venham nos ver mais tarde! Faremos uma apresentação no pátio do Mosteiro de Santa Cruz, ao entardecer.... – diziam, esbanjando charme.
Quando chegaram perto do castelo, entraram por uma ruela. Ao final dela havia um buraco de escoamento de água, protegido por uma pequena grade. Eles a arrancaram com facilidade, pois já estava serrada pelo espião, e entraram por ali. Logo chegaram a uma galeria cheia de tubos. Sobre um deles, havia um pequeno talho na pedra. Livraram-se das roupas e entraram no tubo marcado. Num determinado ponto o tubo se dividia em outros bem menores.
– Qual deles seguir?
– Não tem marca?
– Não... Mas acho que este é o único que nos cabe... – disse Fred apontando o maior deles.
Ainda assim, precisaram engatinhar para atravessá-los. Enfim, chegaram a uma outra galeria onde desembocavam vários canos. Uma escada levava a uma grade de ferro que dava para um corredor escuro. Eles apalparam os tijolos até encontrarem um solto. Atrás dele, havia um buraco onde estavam escondidas uma lamparina, uma espada e uma chave. Com ela abriram a porta.
– Nheeeeeeeeeeec!
O barulho ecoou muito forte. Eles estavam certos de que foram ouvidos e tornaram a fechá-la, escondendo-se nos tubos. Ouviram vozes lá em cima, como se houvesse alguém procurando a origem do som. Depois, silêncio.. Esperaram um pouco mais e, então, resolveram prosseguir. Voltaram até a grade e derramaram nas dobradiças um pouco do óleo da lamparina. Com isso, ela não fez mais nenhuma barulho quando eles a abriram. Eles entraram pelo corredor e foram caminhando, esgueirando-se pelas paredes úmidas. De repente, começaram a ouvir um som ritmado. Klein estacou, empurrando todos contra a parede.
– Shhhiu! Passos! – explicou.
Todos apuraram os ouvidos, os olhinhos aflitos, tentando enxergar no escuro. Foi quando perceberam. O som vinha de detrás deles. Klein pegou a lamparina e empunhou a espada, voltando pelo corredor de onde vinham. Encontrou Doggy, tentando alcançá-los, de cima de seu sapato de Flamenco!
– Doggy! – exclamou. – O que pensa que está fazendo? Quer que nos descubram?
– O chão estava muito frio, não agüentei e voltei para buscar os sapatos.
– Tira isso!
O menino obedeceu, resmungando que ia pegar uma gripe.
Eles prosseguiram pelos corredores até chegarem a um salão.
– É aqui! – disse Klein.
Empurraram as luminárias, uma a uma e nada.
– E agora? Onde está a alavanca?
– Talvez tenhamos que empurrar mais forte.
Tentaram novamente, desta vez com mais força, até que ouviram um clic e um pedaço falso da parede recuou. Com um empurrão, ela abriu-se, mostrando um fantástico tesouro no interior de uma grande câmara, sem janelas.
– Vamos! Não temos muito tempo! – disse Klein.
Cada um pegava o máximo de moedas que podia carregar, guardando-as em grandes sacos. De repente, ouviram um barulho. Alguém estava chegando. Fecharam a passagem e esconderam-se dentro de uns grandes baús, na sala do tesouro.
Alguns segundos depois, o rei entrou, acompanhado de dois homens. Escolheu alguns objetos e virou-se para sair.
De repente voltou.
– Ouviu isso? – perguntou a um de seus acompanhantes.
Os meninos encolheram-se mais em seus esconderijos.
– Senhor? – o homem tentou ouvir.
– Isso! Este som! Como uma respiração...
– Ah! Isso é somente o fole que faz a troca de ar no ambiente, já que não há janelas.
Satisfeito com a explicação. E saiu.
Os dois homens o seguiram, fechando a porta atrás de si.
– Ufa! – disse Fred, saindo do baú.
– Essa foi por pouco.
– Mas, e agora? Como saímos daqui? Só sei abrir a passagem de fora para dentro.
Tentaram de tudo. Cada luminária, tijolo ou argola foi testado, pressionado para cima e para baixo... Nada! A passagem não se movia.
– Estamos perdidos!
Quando disseram isso, a porta se abriu novamente, mal tiveram tempo de se esconder.
– Vocês estão aí? – perguntou uma vozinha conhecida.
– Doggy! – exclamaram felizes. – Onde você estava?
– Estava com fome. Senti cheiro de biscoitos e fui seguindo, até chegar numa cozinha. Roubei alguns para vocês. – disse ele, orgulhoso.
Desta vez, ninguém riu do amigo guloso. Aceitaram os biscoitos e voltaram ao trabalho. Tão logo encheram as sacolas, tomaram o caminho de volta, lembrando-se de recolocarem as vestidos, sob os quais esconderam o ouro.
Quando chegaram à rua, já era tarde da noite. Não havia quase ninguém por ali.
– Ainda devem estar esperando as dançarinas lá no pátio do mosteiro... – riu Silvana.
No porto, soldados de guarda. Como combinado, as meninas foram até eles, conversaram um pouco e ofereceram-lhes vinho. Eles aceitaram e elas lhes serviram o líquido de um barril que buscaram no navio. Logo eles dormiam como bebês, com o calmante que elas haviam dissolvido na bebida.
Sem dificuldade, embarcaram o tesouro e zarparam.
Ao chegarem à ilha, todos estavam à espera deles, apreensivos. Inclusive o capitão Malibu que havia recuperado a consciência e apoiava-se numa bengala. Klein desembarcou e correu ao seu encontro, feliz por vê-lo ali. O capitão também ficou aliviado ao ver seus dois filhos bem, mas os adultos não gostaram nada da travessura dos meninos e já iam lhes dar uns safanões, quando eles lhes mostraram o ouro roubado. Foi uma festa!
A história correu mundo e logo a fortaleza que era Cartagena das Índias estava desmoralizada. Construída para evitar os mais violentos ataques dos famigerados piratas do Caribe, não resistiu a um bando de moleques sob o comando do pequeno, ops!, do grande capitão Klein.
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Texto escrito para o 7° Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Categoria Infantil - Etapa 3.
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Para aumentar a ansiedade dos amigos, irei publicar os textos em ordem crescente de avaliação. Este foi o pior avaliado.