AVENTURA DE CRIANÇA
Chagaspires
A mata causava fascínio. Havíamos deixado o arruado para traz, já fazia algum tempo. Saímos de casa as escondidas.
Eu e meu primo pretendíamos atravessar a mata para colhermos frutos nas granjas que ficavam do outro lado.
A trilha íngreme e úmida corria por entre o arvoredo denso de copas altas. Os nossos pés velozes voavam por sobre a trilha, parecendo pássaros ligeiros aguçados pelo vento.
A magia enchia o ar de mistério.
Tudo causava espanto; o barulho de um galho quebrado, o cantar sonoro de um pássaro, a lembrança das estórias contadas pelos mais velhos. Diziam eles que na mata, os caçadores, e pescadores, constantemente se perdiam e só reencontravam o caminho da volta, quando deixavam aos pés de um tronco de árvore, fumo de rolo ou cigarro de palha, como oferenda, para a comadre florzinha, e que muitas vezes, ouviam-se os cachorros que os acompanhavam latirem desesperados. Eram açoitados e não se sabiam de onde partiam os açoites; diziam que eram os cabelos longos e fortes da indiazinha chamada de comadre florzinha.
Todas estas coisas pairavam no ar fazendo nossos pensamentos voarem.
O brilho faiscante do sol produzia raios dourados entre a folhagem. Pareciam pedras preciosas, esparramadas sobre o tapete macio de folhas secas do chão.
O rio, logo abaixo, emprestava à paisagem um ar de mistério e de inquietação.
De repente ouviu-se um assovio prolongado e insistente, como se fosse um grito lancinante.
Nossas pernas, jovens e fortes, dispararam em desabalada carreira, consumindo o restante do caminho em curto espaço de tempo.
Aquele som explodiu em nossos ouvidos, como um alerta.
As pessoas falavam que se tratava do aviso da comadre florzinha, para anunciar sua chegada. Quando menos esperávamos, a claridade se fez presente. Havíamos chegado do outro lado da mata.
Com os corações em descompasso, fomos abraçados pelo calor aconchegante dos raios solares, que desfizeram o temor causado pelo ocorrido, fazendo-nos voltar ao normal.
Os cajueiros viçosos estavam cheios de frutos maduros, apenas a cerca de arame farpado, nos separava do nosso objetivo. Era só pular, subir e finalmente estaríamos de posse do tão almejado tesouro.
Quando subíamos nos primeiros galhos, ouvimos os gritos persistentes do vigia, que em disparada corria para o nosso lado enraivecido.
Descemos rapidamente e corremos de volta para mata. Quando desembocamos na trilha, uma figura peçonhenta nos fez parar repentinamente. Lá estava à cobra, que com a nossa aproximação preparousse para dar seu bote. Parecia um ser das mil e uma noites.
De um lado, a cobra, do outro lado o vigia armado de espingarda.
A maneira que encontramos para resolver o impasse foi pular a cobra. Recuamos alguns passos e zás..., voamos por sobre ela.
Da mesma maneira que chegamos até ali, voltamos sem nos dar conta da rapidez desenvolvida.
Só paramos para respirar quando já estávamos próximo ao arruado da vila, onde morávamos.
Hoje, depois do tempo passado, meu coração ainda bate forte ao recordar aquele episódio.
Só sei dizer que foram momentos impactantes e os mistérios contidos naquele dia continuam envoltos na magia criada pela imaginação fértil e bela da infância, e pela curiosidade ingênua de uma adolescência sadia e inconseqüente.