SENHORA DONA CATACRESE

Mamãe eu quero saber:

O alho tem dente, ele morde?

O fogão tem boca, ele come?

A mesa tem perna, ela anda?

Diga-me, também, sem ficar brava,

A xícara tem asa, ela voa?

Filho, isso é coisa de dona Catacrese,

A distinta figura de linguagem

Do nosso rico idioma.

Ela brinca de fazer comparação

De objetos com partes do corpo humano,

Dos bichos e das aves também.

Ela ganhou vida depois do apagamento

Da etimologia da palavra,

Fazendo-a semelhante à metáfora,

Mas desprovida de poética. Coitada!

Veja menino, em hipótese alguma,

Tente dar alfafa aos cavalos do motor

Do carro zero quilômetro

Lá na garagem do seu avô.

Não quero que me pergunte

Se tendo cabeça o prego pensa,

Nem se o coração da floresta

Bate descompassado.

Nariz de avião não sofre de resfriado,

Olho de furacão não precisa óculos,

Louco é quem se atreve

A coçar as costas da cadeira.

Não diga nunca a ninguém

Que o piano abana a cauda

Lá na sala de música

Nem que cabeleireiro

Penteia o cabelo do milho.

Se pensa que pode ganhar

Dos braços da poltrona um abraço,

Pode esquecer seu sapeca,

Nada de televisão!

Você entendeu o que eu disse?

Abra o livro e estude

Porque no peito do pé eu sinto

Um formigamento estranho

Por ficar em pé falando

De tão importante figura.

Veja lá meu garotinho,

Quando nos falta um termo específico

Para designar um conceito

Tomamos outro por empréstimo.

Mamãe, foi tão boa a nossa conversa,

Você sabe de tudo um pouco

Agora, diga-me o que tem pra comer

Porque a barriga da minha perna

Está roncando de fome. Ahahahaha!

14/10/06.