Uma Grande Lição
Era um belo domingo, manhã de sol com uma brisa levando o frescor e o perfume da primavera. Próximo à sua toca, encontrava-se o Sr. Cobra conversando com um coelhinho, ameaçando-o:
- Porque você passa por esse caminho? Sabe que eu moro logo ali... Você não tem medo? E veja, posso te comer agora, e seria muito gostoso comer um coelhinho tão fofinho. Pena que não para de tremer.
Mal o Sr. Cobra terminou de falar e o Papai Coelho já havia se aproximado e logo foi dizendo:
- Sr. Cobra, tenha piedade! Ele é só um bebezinho, ainda não conhece os riscos do bosque e nem o quanto o Sr. é poderoso. Deixe-o ir, por favor...
- E eu com isso? – disse o Sr. Cobra com toda arrogância – Apesar de já ter comido ontem, acho que vou fazer mais essa boquinha, afinal ele é tão pequenininho que não vai me fazer mal.
O Papai Coelho em desespero, vendo que a qualquer momento seu filhotinho poderia ser comido por aquele ser tão insensível, pulou na frente do filhote e disse:
- Pois coma a mim então, Sr. Cobra, que já sou mais velho e deixe meu filho viver.
A coragem do Papai Coelho fez o Sr. Cobra assustar-se e, medroso como era, não se arriscaria a comer um coelho grande e correr o risco de passar mal, o que fez com que saísse rastejando em direção à toca sem perder a pose e gritando:
- Não pense que isso vai ficar assim Sr. Coelho! Da próxima vez comerei você e ele.
E assim foi entrando em sua toca e somente aí lembrou que havia algo errado, mas não se lembrava o que era.
Na toca, Dona Cobra estava impaciente e aflita. Uma preocupação tomava conta do ambiente, pois já passara da hora de nascer seus filhotes e os ovos ainda estavam lá, inteiros. O Sr. e a Sra. Cobra formavam um casal interessante, afinal, o que Dona Cobra tinha de doce, atenciosa, prestativa para com todos, o Sr. Cobra era mais arrogante, prepotente, mas medroso, muito medroso, precisando às vezes do apoio de Dona Cobra, quando a situação ficava mais complicada. “Detesto correr riscos”, dizia sempre o Sr. Cobra, acabando por se esconder atrás de sua doce, meiga, mas decidida e corajosa esposa, que só fazia uso de sua força quando seu instinto determinava, para alimentar a si, a seus filhos e às vezes ao Sr. Cobra também.
Mas voltando ao nascimento dos bebês cobras, Dona Cobra havia chamado sua mãe, já idosa, para lhe aconselhar e é exatamente nesse instante que começa a se desenrolar um fato muito interessante...
- Mãe! – disse Dona Cobra – o que posso fazer para que meus bebês nasçam?
A velha, diante de sua sabedoria, que só a idade nos traz, respondeu suavemente:
- Filha, peça a seu marido que vá buscar na beira do riacho uma margarida. Essa bela flor tem grandes mistérios e uma energia imensa, podendo suas pétalas ajudar no nascimento de meus netos.
Dito e feito. Não se passaram 2 minutos e já saía da toca o Sr. Cobra reclamando: - Não sei de onde essa velha caduca tirou uma idéia maluca dessa! Só pra me dar trabalho... praguejou o Sr. Cobra enquanto se arrastava em direção à beira do riacho.
Na verdade o que estava acontecendo era que o Sr. Cobra já sabia da presença de uma moradora da encosta, que também estava com filhotes a nascer e ficava voando ao redor de seu ninho... Era Dona Águia. Uma verdadeira fera. Rápida em seu vôo, certeira nos seus ataques, e sem muito o que conversar com ninguém, afinal, ela era uma Águia e todos a respeitavam e a temiam, enquanto ela só temia os humanos da região.
Tomando seus cuidados e com o coração na boca, o Sr.Cobra foi se arrastando cada vez mais distante de sua toca e percebendo que nada havia no caminho que pudesse lhe servir de esconderijo.
Ia cada vez mais aumentando sua velocidade até que de repente uma sombra enorme se formou e enquanto escutava um enorme ruído... ZÁZ... sentiu-se sendo levado aos ares enquanto gritava: - Nossa Senhora!! Que isso? E agora?
Quando percebeu estava nas garras de Dona Águia, já em direção ao ninho. Medroso como era não sabia se gritava socorro, se chorava ou se fazia xixi, e quando viu já tava fazendo as três coisas.
Dona Águia pousou soberana em seu ninho e ao olhar para o Sr. Cobra disse:
- Ora, ora! Não é o Sr. Valentão? Dessa vez então vou matar minha fome e resolver o problema social aqui do bosque ao mesmo tempo...
O Sr. Cobra que de valente já não tinha nada, pois o que não perdeu no grito ou no choro, saiu pelo xixi, agora se borrava de medo e com a voz baixa e serena disse:
- Dona Águia, tenha piedade! Sei que não tenho sido muito bom para meus vizinhos e que minha esposa, Dona Cobra é uma pessoa muito querida por todos.
E sem parar um segundo sequer para respirar emendou:
- Sei também que a Sra. precisa se alimentar e agora posso perceber o quanto agia errado, pois até a Sra. que não precisa se preocupar com nada e com ninguém lá do bosque sabe que eles não gostam de mim e o porquê não gostam de mim.
- Sim! Disse Dona Águia já se preparando para dar a primeira bicada – E agora vamos ao meu banquete. Finalizou...
- NÃO!!! Gritou o Sr. Cobra – Por favor, não faça isso...
- Espere Dona Águia deixa eu te explicar! Gritou mais uma vez.
- Explicar o quê? Estou com fome e preciso comer – falou Dona Águia.
- Por favor! Eu explico. – suplicou o Sr. Cobra.
- Eu saí de minha toca para pegar uma margarida na beira do riacho, porque meus bebês ainda não nasceram e está passando da hora. Estamos com medo de perdê-los. Minha sogra disse que a margarida é uma flor muito poderosa e que suas pétalas podiam salvar a vida de meus bebês e por isso estava tentando chegar até o riacho com tanta pressa.
Apesar de não acreditar muita no poder da margarida, afinal, o Sr. Cobra não tinha fama de mentiroso e sim de medroso, coisa que ela já havia visto e sentido o cheiro de seu enorme medo.
Ao refletir sobre a história do Sr.Cobra, Dona Águia olhou para seus dois lindos ovos que brilhavam à luz do sol e sentiu uma emoção até então nunca experimentada por um ser tão supremo quanto ela se achava, a COMPAIXÃO...
As lágrimas teimaram e acabaram caindo de seus olhos de forma suave e serena como nunca e essa sensação lhe trouxe um sopro ao coração que mais brando bateu como se não quisesse mais amedrontar ninguém com suas fortes batidas.
Mais rápida do que chegou ao ninho, Dona Águia em um vôo veloz e certeiro deposita o Sr. Cobra à beira do riacho e lhe colhe uma margarida. Ao entregá-la na boca do Sr. Cobra, viu uma ratazana passando na beira do riacho e mais que depressa pegou-a e levou-a para o ninho para fazer seu banquete.
Enquanto voava dizia:
- Desculpe Dona Ratazana, mas terei que comê-la. Meus filhos vão nascer e eu preciso estar forte para cuidar deles.
Lá no bosque o Sr. Cobra voltava a toda velocidade para sua toca com a margarida colhida pela nova Dona Águia.
Ao chegar, vê que sua toca estava cheia de animais com semblantes preocupados, aflitos com o que acontecia lá dentro da toca e já foi logo gritando:
- O que estão fazendo aí? Perderam o respeito? Esqueceram quem mora aí? Sou eu!!! Querem ser comidos agora, é?
Ninguém entendeu quase nada, pois com a margarida na boca não conseguiu falar direito, mas todos sabiam que era mais uma grosseria do Sr. Cobra e com certeza, o que ele estava falando não era coisa boa.
Ao escutar a gritaria e reconhecer o destempero do marido Dona Cobra chega na porta da toca pedindo licença aos animais que estavam ali torcendo pelo nascimento dos filhotes dela e diz:
- Venha depressa! Traga essa margarida que o pessoal tá aqui pra ajudar a gente!
Envergonhado, o Sr. Cobra segue rápido em direção ao interior da toca sem coragem de olhar nos olhos dos outros animais que ali estavam, que juntamente com Dona Águia iriam transformar sua vida por completo dali por diante...
* Esta fábula eu dedico a meu querido AMIGO Marcos Lima, meu colega de Mestrado, meu irmão de coração.