O Tigre Tanus
Um dia, nasceu na floresta um filhote de tigre tão lindo e forte, como jamais se vira até então. Seu pai, se chamava Titan, e sua mãe Taila, deram-lhe o nome de Tanus. Aquele pequeno logo se fez notar por sua coragem e curiosidade. Todos previam que ele se tornaria um grande caçador, capaz de alimentar facilmente a si e a seus filhotes. Era um excelente aprendiz de todos os ensinamentos que lhe eram passados pelos mais velhos. O tempo passou. Tanus deixou de ser um filhote. Seu pai viu que era hora dele praticar sozinho o que lhe fora ensinado.
Numa bela manhã de primavera, Titan chamou seu filho para conversarem: _ Meu filho, tenho observado seu treinamento. Percebo que você não terá problemas em obter a sua caça. Mas é chegada a hora de você aprender os detalhes finais. O que você sabe sobre a arte da caça?
_ Sei que devo me aproximar lentamente da presa, arrastando-me até chegar bem perto e... dar o salto final.
_ Muito bem, meu filho. Arraste-se lentamente pelo mato. Não faça barulho. Avance sempre contra o vento, para que a caça não sinta seu cheiro. E, finalmente, ataque sempre pelas costas. Desta forma, sua presa não terá nenhuma condição de reagir.
Tanus, que até então concordou e balançou a cabeça em silêncio, deu um urro ao ouvir a orientação final. Seu pai sobressaltou-se e perguntou: _ O que foi? Algum problema?
_ Nós não somos os animais mais fortes da floresta?
_ Sim, nós somos.
_ Então, qual a razão de atacarmos por trás, como se temêssemos uma reação de nossa presa?
_ Acontece que nós, realmente, não queremos que nossa presa tenha qualquer reação. Quanto mais rápido e surpreendente o ataque, menos risco para nós.
Tanus olhou seu pai, entre espantado e indignado. Finalmente, com a voz bem alta, disse, agressivamente: _ Pois eu lhe digo, meu pai, não vou participar disto. Vou atacar minhas caças de frente. Se elas reagirem, que vença o melhor.
_ Mas você não entende, Tanus, pode acontecer de você vencer, mas você poderá também se machucar. Para que correr riscos desnecessários?
_ Eu prefiro correr riscos a agir como um medroso.
Desta vez quem deu um urro foi Titan. Olhou de forma severa para o filho, dizendo-lhe:
_ Eu cumpri o meu dever ensinando-lhe o que me foi ensinado. Você não concorda comigo e eu não concordo com a sua opinião. Como você já tem idade para tomar suas decisões, só me resta desejar-lhe boa sorte.
_ Posso garantir, meu pai, que seja qual for a forma como eu cace, sempre o respeitarei e serei muito grato.
E assim, pai e filho voltaram para casa, onde Taila, a mãe de Tanus, os aguardava. Todos eles sabiam que aquela seria sua última noite juntos. O jovem tigre partiria ao amanhecer para viver sozinho e formar sua própria família. Passaram aquela noite olhando as estrelas, próximos, mas sem muita conversa.
Ao amanhecer, Tanus despediu-se de seus pais e, de forma altiva e decidida, caminhou em busca de um lugar para morar. Ao vê-lo partir daquela forma sua mãe disse:
_ Ele será um grande caçador!
Mas ao virar para Titan, Taila notou que ele estava pensativo e perguntou-lhe:
_ O que está acontecendo? Você parece preocupado.
_ Bem, eu não ia contar-lhe. Mas já que perguntou, eu também não vou mentir. Ontem quando saímos, eu dei as instruções finais de caça para Tanus. Ele discordou de uma parte e disse que vai fazer do jeito dele.
_ Que parte? _ perguntou Taila, apreensiva.
_ De que a melhor forma de ataque é pegando a presa pelas costas.
_ Mas você explicou para ele as razões desta forma de atacar?
_ É claro.
Taila não disse mais nada, mas ela também ficou um pouco apreensiva.
O tempo passou e o jovem Tanus se tornou um grande tigre caçador. Sua forma de caçar era única: avançar ferozmente para a caça. Isto muitas vezes tinha o efeito de paralisar a presa, que era abatida facilmente pelo poderoso tigre. Outros animais até tentavam fugir, mas o tempo que perdiam, olhando entre surpresos, apavorados e até maravilhados com o avanço determinado daquele animal, era fatal. Todos pereciam diante do terrível ataque frontal do grande caçador Tanus.
Quanto mais aumentava a fama de Tanus na floresta, mais divisões de opiniões aconteciam entre os tigres. Os mais novos questionavam os velhos métodos. Os mais velhos, por sua vez, estavam mais cautelosos.
Foi combinado, então, uma reunião na qual o grande tigre não poderia participar, pois estas eram as regras.Quando comunicaram a Tanus a razão do encontro ele disse: _ Isto pouco me interessa. Eu sei que estou certo.
Quando começou a reunião, havia grande agitação entre os presentes. Foi dada a palavra ao representante dos mais novos. Ele se chamava Revor e foi logo dizendo: _Temos muito respeito por tudo que nos foi ensinado por nossos antepassados. Mas até mesmo os mais velhos, concordarão comigo que temos que ser práticos. Se um novo método de caça é melhor, temos o dever de aceitá-lo. Tanus já provou que sua forma de caçar é a melhor, portanto, eu proponho que ela seja aceita como o melhor para todos.
Quem falou em nome dos mais velhos foi o próprio Titan: _ A nossa opinião é que devemos esperar mais um pouco. A forma de caçar de Tanus é diferente, e isto lhe dá a vantagem do inesperado. Como todos aqui sabem muito bem, a surpresa pode nos garantir momentos preciosos em nossa caça. Mas, e se todos começarem a caçar assim? Alguém poderá garantir que esta continuará sendo a melhor forma de caçar?
Revor falou com ironia: _ Você não estaria com inveja por ser seu filho, e não você, quem inventou o novo método de caça?
Mas Titan não se alterou com aquela provocação. Respondeu, calmamente:
_ Talvez, se você chegar a minha idade, entenderá que, para um pai, não há maior orgulho do que ter um filho que é um grande caçador. Mas esta reunião não é para decidir o que é melhor para mim, e sim, o que é melhor para todos.
Nesse momento, Exper, o mais velho dos tigres, disse: _ Sempre cacei atacando os animais pelas costas, e, como vocês podem ver, sobrevivi. Vi outros animais usarem excelentes formas de caçar em bando, mas os tigres não fazem isto. Somos animais solitários. Por isto não vejo razão para esta reunião. Acho que cada um deve caçar como bem quiser. Diversificar o ataque é até melhor. Quanto menos a presa prever nossos movimentos, melhor. Portanto, minha proposta é que cada um ataque da maneira que achar melhor no momento.
Enquanto Exper falava, um lindo veado foi se aproximando, bem devagarzinho, todo trêmulo. Todos os tigres espantaram-se com a ousadia daquele animal. Revor rugiu preparando-se para atacá-lo, mas Titan gritou: _ Espere! Vamos ouvir o que este animal tem a dizer.
_ Senhores tigres, trago uma mensagem de todos os animais que vocês chamam de presas. Para nós a visão de um tigre é como a visão da própria morte. Então vocês podem imaginar como me sinto aqui, neste momento.
_ Vamos! Desembucha logo! _ falou Revor.
_Bem... Senhores tigres, sou portador do seguinte pedido de todas suas presas: não deixem que os ataques frontais continuem. Como já lhes disse, para nós, a visão de um tigre é como a visão da própria morte. O medo de ver um tigre avançando diretamente para nós está deixando todos os animais agitados. Apesar de tudo, achamos que o rápido ataque pelas costas é menos terrível. Poupa-nos segundos de puro terror.
_ Essa é boa! _ falou Revor _ Ele veio pedir a forma como quer ser morto.
Alguns tigres riram, mas não todos. Havia aqueles que tinham maior consciência do que estava acontecendo ali. Aquele animal estava dizendo que o comportamento de todos os animais estava mudando. Ninguém poderia dizer, com certeza, aonde aquilo poderia parar.
Titan disse para o veado: _ Pode ir. Nós já ouvimos o que tinha a dizer.
Muito mais rápido do que tinha chegado, o veado partiu.
Revor voltou a falar: _ Estão vendo! Se eles nos pedem para continuar a caçar da forma como sempre caçamos é porque sabem que suas chances agora são mínimas.
Exper falou: _ Meu jovem, este valente animal não veio aqui somente por ele. Veio por todos nós. Uma vez quebradas determinadas regras, tudo muda. Mas, da minha parte, acredito que, já que se quebrou a tradição, não há mais como proibir o ataque frontal.
Revor era tempestuoso e audaz, mas não entendia o que Exper falava. Mesmo assim, gritou para o velho: _ Você fala com duas línguas. Afinal de que lado você está?
_ Como aquele veado, estou tentando ficar do lado do bem comum. No entanto, acho que você só vê um lado: o seu. Você disse que Titan inveja Tanus. No entanto, eu percebo que quem inveja Tanus é Revor. Você acha que ele está levando vantagem caçando mais e sendo mais famoso.
Revor mostrou os dentes e ameaçou de atacar o velho tigre, mas os outros tigres levantaram-se ameaçadoramente, e o jovem tigre conteve-se e sentou-se.
Vamos ser práticos- falou Titan- A questão é simples: libera-se ou não o ataque frontal?
Todos votaram e a grande maioria dos tigres optou por não liberar o ataque frontal. Esta decisão automaticamente tornaria Tanus um renegado, caso não a aceitasse. Conhecendo bem o seu filho, Titan ficou triste, pois sabia que ele não a acataria.
Os tigres são animais solitários. Mas um renegado é totalmente isolado. Recebe o desprezo ou é temido por todos de sua espécie. Todos evitam conversar com ele.
Dos mais velhos, apenas Exper votou pelo ataque duplo. Muitos dos mais novos, com medo das presas ficarem muito nervosas e até fugirem para outra região, acabaram mudando de posição e votaram contra o ataque frontal.
De certa forma, quem determinou o desfecho da reunião foi o corajoso veado, embaixador dos temerosos animais.
Ao se encontrar com o filho Titan, disse-lhe:- O conselho decidiu proibir o ataque frontal. Há o medo das presas entrarem em pânico e fugirem.
-Então os poderosos tigres resolveram que agora quem comanda a situação é a caça e não o caçador. Você já deve saber que eu não acatarei esta decisão.
- Você sabe as conseqüências que não acatar a decisão traz para você?
- Sim meu pai, eu sei.
Tanus estava agradecido aos pais por não terem pedido que ele desistisse do ataque frontal. Passou um último dia com eles e depois se despediu, partindo para o seu exílio. Não houve choros nem lamentações. Os tigres são animais que aceitam o sofrimento como parte do seu destino.
A partir daquele dia, Tanus foi se tornando cada vez mais temido e isolado. Aquela contínua solidão obrigou o felino a chegar aos limites da eficiência. Qualquer erro seria fatal. Nessas condições, cada ato tem que ser bem planejado e praticado com total entrega. Um dia, quando estava caçando, Tanus avistou, no meio da floresta, cinco animais que ele nunca tinha visto. Andavam sobre duas patas traseiras e carregavam estranhos objetos nas patas dianteiras. Ele concluiu que aqueles deveriam ser o bicho homem. Seu pai já lhe havia avisado que esse é o mais perigoso dos animais. O tigre olhou para aqueles bichos e ficou a pensar como eles poderiam ser mais perigosos do que ele mesmo. Achou-os fracos e podia sentir o cheiro forte de medo que eles exalavam. Tanus sabia que atacar animais desconhecidos e que estão em bando deve ser evitado. Mas o cheiro de medo era tão forte, os animais pareciam ser tão fracos e indefesos, que o tigre resolveu atacá-los.
Quando avançou rugindo, viu que eles ficaram paralisados de medo. Mas de dentro do objeto que seguravam saiu algo que o acertou. Tanus sentiu como se tivesse levado uma picada de abelha na sua pata esquerda. Aquilo atrapalhou seus movimentos. Para sua surpresa, apesar do medo que percebia nos olhos daqueles animais, eles não fugiram, mas apontaram os objetos que carregavam para ele. Sentiu várias picadas pelo corpo, suas vistas começaram a escurecer e caiu no chão. Soube então que cometera um erro fatal, por isto estava morrendo.
Na verdade, aqueles homens que Tanus atacou eram cientistas. Eles estavam pesquisando, justamente, sobre os tigres. Por isto estavam todos armados de rifles com tranqüilizantes. O que primeiro lhe acertara fora o guia dos cientistas. Mas, por causa do medo que sentiram todos acabaram atirando. Isto fez com que o tigre recebesse uma carga maciça de calmante, que o fez dormir um dia inteiro.
Alguns animais viram quando o tigre caiu e foi rodeado pelos homens. Imediatamente começou a esparramar a notícia de que o poderoso Tanus havia morrido. Os seus pais ao saberem da notícia muito se entristeceram. O que os consolava era o fato do filho ter sido um grande caçador. Portanto, fora para o reino das caças eternas.
Ao chegarem ao local onde o filho estava, Titan e Táila viram que muitos tigres estavam presentes observando de longe e com respeito, o grande caçador. Seu pai se aproximou e notou algo estranho: seu filho parecia estar dormindo e não morto. Além disto, não havia marcas de ferimentos.
Aos poucos os animais foram se dispersando, mas Tália e Titan resolveram ficar de vigília. Eles sabiam que, enquanto ficassem por ali, nenhum comedor de carniça ousaria aproximar-se. As horas passavam. Os dois tigres ficaram ali observando o corpo de seu filho. Estavam a ponto de deixá-lo, quando Táila percebeu um leve movimento na pata do filho. Aproximaram-se do corpo e viram que uma leve respiração tornava-se evidente. Aos poucos pequenos movimentos foram voltando ao corpo de Tanus. Até que, para alegria de seus pais, sua respiração voltou ao normal. Apesar de felizes, resolveram deixar o filho sozinho.
Quando Tanus abriu os olhos e olhou à sua volta, ficou muito triste. Viu que não estava no reino das caças eternas e sim no mundo dos vivos. Chegou à conclusão de que não fora aceito naquele reino e ficaria vagando como fantasma. Ainda tonto, saiu andando pela floresta. Estava com uma sede terrível. Isto era estranho, pois ele achava, até então, que fantasmas não sentiam sede nem fome. Mesmo assim, foi até o riacho e bebeu com satisfação a deliciosa e fresca água corrente.
Após saciar sua sede, o tigre saiu caminhando pela floresta. O espanto com que os animais o olhavam reforçou sua convicção de que era um fantasma. Vagando pela floresta, acabou chegando na casa de seus pais. Estes não se assustaram com sua presença. Ao contrário, trataram-no com muito carinho. Sua mãe, ao vê-lo, foi logo perguntando: - Como você está se sentindo, meu filho?
- Você está me vendo?
- É claro, meu filho!
- Vocês não percebem que eu estou morto?
Seus pais trocaram um olhar de preocupação. O pai virando-se para ele disse: - Conte-me como foi o seu encontro com os homens?
Tanus relatou-lhes tudo: seu ataque frontal, os paus apontados para ele, as picadas que sentiu no corpo e depois, a escuridão.
Titan, novamente observou o corpo do filho. Ele já tinha visto alguns tigres que, apesar de atingidos pelos paus de fogo, conseguiram fugir do bicho homem. Mas sempre ficava buracos, sangue, marcas. Era estranho... Seu filho não tinha nada disto.
Os tigres são animais práticos. Como Taila e Titan não conseguiram desvendar aquele mistério, chegaram a conclusão de que era melhor deixar aquele assunto de lado.
Taila perguntou ao filho: - Você está com fome?
- Isto que é estranho... Estou morto e estou com fome.
- Como? Você está morto de fome?
- Não é isto. Eu estou achando estranho ser um fantasma que tem fome.
Seu pai deu-lhe um forte esbarrão quase derrubando o filho.
-Por que está fazendo isto?
- Estou verificando se você é mesmo um espírito. Nunca vi um fantasma com o corpo tão forte. Você está é muito vivo.
- Talvez meu corpo ainda esteja forte porque tem pouco tempo que eu morri.
Sua mãe, muito triste, pediu-lhe: _ Tanus, pare com esta bobagem.
Apesar dos seus sentimentos, Tanus resolveu comer, e se serviu fartamente da caça de seus pais. Depois dormiu um sono profundo.
Titan, preocupado, olhou para Taila e falou-lhe: _ Infelizmente, a imensa solidão a que nosso filho foi submetido parece que o está afetando de forma terrível.
_ Ele é jovem, forte e orgulhoso. Queria que todos o reconhecessem como um grande líder. Ao invés disso, foi condenado a se afastar de tudo. Temos que aguardar para ver o que vai acontecer.
Nos dias seguintes, Tanus virou a atração da floresta. Todos queriam ver o tigre que levou um tiro e não saiu ferido. Chegavam, ficavam olhando para Tanus, ali deitado no chão, cochilando e perguntavam: _ Por que ele está assim?
O pai respondia: _ Não sabemos, depois do acontecido, ele foi ficando cada vez mais calado, e agora não conversa com mais ninguém.
No começo, o respeito fazia com que todos o olhassem de longe. Mas, aos poucos, aquele jeitão paradão e dorminhoco, começou a incomodar a todos, principalmente aos mais jovens. _ Como é que pode? Um grande herói se comportar deste jeito...
Os decepcionados tigres queriam vê-lo correndo pela mata, rugindo, caçando. Mas não! Ele ficava ali, deitado. E pior, aceitando a caça que seu pai e sua mãe lhe traziam. Parecia um morto vivo. Alguns achavam até que seria melhor se ele estivesse realmente morto.
Certo dia, Titan disse ao seu filho: _ As coisas não podem continuar assim. Você tem que aceitar que está vivo, meu filho.
Tanus o olhou com os olhos anuviados. Era como se ele estivesse em outro mundo. Baixou a cabeça e nada respondeu. Mas os problemas não pararam por aí. O conselho resolveu que, como Tanus havia sido banido, não lhe seria permitido que ele continuasse a viver na casa dos pais. Ao receber a notícia Taila reclamou: _ Mas ele está doente.
Revor que havia levado a notícia, respondeu de forma áspera: _ Doente! Que doença seu querido filho tem?
_ Ele não quer mais viver. _ Disse a tigresa com lágrimas nos olhos.
_ Pois que morra longe de nossa floresta. Ele é um mau exemplo para os nossos jovens tigres.
_ Surpreende-me você falar assim, Revor. Logo você, que tanto o admirava.
_ Admirava. Agora, eu sinto é desprezo pelo seu filho, por mostrar-se tão fraco.
Taila esperou Titan chegar e contou sobre a visita de Revor.
_ Eu já esperava por isto, Taila. Eles estão fazendo o que é certo.
_ Como o que é certo! Você não vê que, no estado em que ele está, se ficar sozinho, vai morrer?
_ Talvez, Taila. Mas não podemos continuar caçando para ele. Não é digno. Ele é um caçador e não um bebê.
_ E se ele morrer?
_ Espero que, antes dele morrer, volte a ser o grande tigre que era antes.
Os pais de Tanus conversavam tudo isto muito próximo ao filho. Como este nunca falava, esqueceram-se de que poderia ouvi-los.
Ao tomar consciência dos problemas que estava trazendo aos pais, Tanus resolveu se retirar e esperar pela chegada da morte em algum lugar isolado da floresta. Esperou os pais saírem e partiu sem se despedir. Caminhou a noite toda. Ao encontrar um recanto tranqüilo, deitou-se. Estava até calmo, pois já resolvera o que fazer. Ficaria deitado sem comer, só bebendo água de um regato que passava por ali. Em determinado momento, dormiria e nunca mais acordaria. Ficou uns dois dias, praticamente só dormindo, mas um grupo de macacos que passou por ali o descobriu. Alguns dos mais ousados daquele bando resolveram mandar frutas naquele que antes fora um poderoso tigre. Tanus foi acordado de sua letargia quando arrebentou em sua cara uma tremenda mamãozada. O Tigre deu um pulo de susto. Isto apavorou os macacos, que fugiram em disparada.
As fêmeas do bando de macacos muito elogiaram os seus heróis, que tiveram a coragem de atacar o grande Tanus. O mais festejado foi aquele que conseguira acertar a cara do tigre. Todos os outros machos também festejaram o pequeno herói, mas com uma ponta de inveja que era impossível disfarçar.
No outro dia, lá foi o bando de macacos mandar frutas no tigre. Este recebeu tudo tão passivamente, que eles acharam que Tanus havia morrido. Um jovem macaco desceu das árvores e, numa extrema ousadia, foi aproximando-se do tigre. Ao chegar junto deste, deu-lhe uma mordida na orelha. O tigre deu um urro, e isto foi o bastante para os macaquinhos fugirem assustados.
À noite, no bando de macacos, a notícia de que um jovem macaquinho tivera a coragem de morder o grande tigre o transformou no novo herói. Aquilo já se transformara numa competição maluca, de quem era capaz de incomodar mais o tigre.
No dia seguinte, vários bandos de macacos foram azucrinar o passivo tigre. Ele foi mordido, chutado, apedrejado. Ele aceitava tudo aquilo, como uma prova final para que ingressasse no mundo das caças eternas. Mas aí, um macaco fez algo que nunca deveria ter nem pensado em fazer: tentou arrancar os olhos do tigre.
Na crença dos tigres, se você for cegado na hora de morrer, vagará eternamente no reino das sombras. Quando Tanus sentiu o macaco apertando seus olhos, tentando arrancá-los, deu uma patada e o matou. E levado pelo impulso inicial, começou a rugir e distribuir patadas nos surpresos e paralisados macacos. A fúria liberada a cada golpe, era como uma represa que se rompe. A água até então contida e calma, acorda de repente, indiferente e devastadora. Quando Tanus parou, os poucos macacos que sobraram nos altos das árvores olhavam em silêncio, um desesperado tigre que voltava à vida. Tanus começou a satisfazer a fome de dias, comendo os inúmeros macacos que matara.
A notícia do “massacre dos pobres macaquinhos”, rapidamente se espalhou na floresta. Todos agora tinham conhecimento da fúria e do terror que poderia espalhar o tigre renegado. Um conselho dos tigres foi convocado. Ao estarem todos reunidos, Revor era o mais agitado. Foi logo se confrontando com Titan, dizendo-lhe: _ Você tem que tomar uma providência. Afinal, este renegado é seu filho. As caças estão agitadas com esta notícia de que temos um tigre louco. Deste jeito vão acabar fugindo para regiões distantes da floresta.
_ Eu não estou entendo você, Revor. Você sabe muito bem que, entre nós tigres, um pai não dá ordens para um filho adulto. Quanto a se preocupar com o que as caças vão achar, se me lembro bem, quando aquele veado veio à nossa reunião, quem mais riu dele foi você.
Revor olhou para Titan com muita raiva. _ O que eu estou dizendo, meu caro, é que se você não pará-lo, isto terá que ser feito de outra forma.
_ Quem vai detê-lo? Você, Revor?
_ Se for necessário, teremos que tomar as providências.
_ Você o está desafiando?
_ Não. Eu não vejo nenhuma bravura em lutar contra um louco. Mas se for necessário, eu proponho fazermos um grupo de extermínio.
_ Grupo de extermínio... Eu já entendi. O que você está querendo dizer com estas palavras bonitas é que tem medo de desafiá-lo e que vai se juntar a outros para poder enfrentá-lo com menos medo.
Revor e vários outros jovens tigres rugiram, ameaçadoramente, para Titan. Ele então, compreendeu que seu filho estava condenado.
Tanus começou a viver sua nova vida. Uma indiferença se apossou do seu espírito. Ele não mais desejava morrer, mas tampouco tinha medo da morte. A única coisa que buscava era ser um caçador cada vez mais eficiente, para poder entrar no reino das caças eternas. Com o passar do tempo, tornou-se um profundo conhecedor de todos os hábitos de suas caças. De certa forma, ele as conhecia melhor do que elas mesmas. Conhecia todos os cheiros no ar, sabia prever as mudanças do vento. Calculava a ação em todos os seus detalhes, mas ao agir, entregava-se totalmente ao ato. Cada momento era precioso. Cada instante único. Sabia a hora de aparecer e a hora de se esconder. Era capaz de ouvir sons com uma clareza extrema. Em alguns momentos, conseguia até pressentir a chegada de algum animal. Tudo isto fez dele um animal muito esquivo e temido. Por mais que Revor e seus companheiros o procurassem, não conseguiam encontrá-lo. Por fim, desistiram. Mesmo porque, não houve mais nenhum “massacre”. O motivo que os levou a ficar por mais tempo atrás de Tanus foi à insistência de Revor em caçá-lo. Mas aos poucos, um a um, os membros do grupo de extinção foram desistindo e voltaram para sua vida normal. Até que só sobraram Revor e Adam, o mais jovem dos tigres, que admirava Revor com fervor. Quanto a Tanus, parecia ter incorporado totalmente sua solidão. Ninguém se aproximava dele. Ele também não desejava estar com ninguém. Desde o início evitara um confronto direto com o grupo de extinção. Mas, percebendo a tenacidade de Revor de procurá-lo, resolveu que era hora de encontrar-se com aquele tigre.
Um dia, quando Revor e Adam desceram um pequeno barranco para beber água num riacho, Tanus lhes surpreendeu, aparecendo no alto do barranco, e lhes falando: _ Por que vocês me procuram?
Revor e Adam levaram um susto, e se voltaram para Tanus, que os observava. O sol atrás do grande tigre cegava-os parcialmente. Revor não pôde deixar de admirar a precisão de Tanus: eles estavam contra o sol, tinham que atacar subindo o barranco e, às suas costas, tinham o riacho que lhes tolhia os movimentos. Apesar de estarem em dois, todos os fatores favoreciam o grande caçador.
Adam era muito valente, mas inexperiente. Ameaçou atacar, mas Revor rosnou um imperioso “quieto”.
Virou-se para Tanus e falou: _ O conselho nos enviou.
_ Para quê? O que tenho eu a ver com o conselho.?
_ Você está assustando as caças, e isto irritou os outros tigres.
_ Isto não é verdade. De toda forma, vocês não precisam se preocupar comigo. Estou para partir desta região da floresta.
Esta declaração deixou Revor tremendamente frustado. Tanus ainda falou: _ Bem, vocês me acharam. O que querem comigo?
Revor não respondeu, mas Adam, inocentemente, falou: _ Fazemos parte de um grupo criado para exterminá-lo.
Aparentemente Tanus já percebera que era esta a função daquele grupo e não reagiu à declaração. Mas Revor ficou com muita raiva do jovem tigre. Foi neste momento que ele teve uma terrível idéia: instigar Adam contra Tanus, que o mataria facilmente. Aí ficaria fácil reorganizar um novo grupo de extermínio. Sem pensar duas vezes gritou: -ATACAR!
Adam saltou para frente, subindo o barranco, e, ao se aproximar de Tanus, levou uma tremenda patada, caindo barranco abaixo.
Revor imóvel, apenas observara, satisfeito, o rapidíssimo combate. Tanus desaparecera antes mesmo que Adam acabasse de rolar o barranco. Revor nem pensou em segui-lo. Mas ao olhar o corpo do jovem tigre, viu que não havia sangue e ele ainda respirava. Revor então percebeu o que acontecera: Tanus não usara as garras. Apenas afastara o jovem tigre e foi embora.
Adam acordou e com os olhos tristes encarou Revor. Este lhe perguntou: - Por que você está me olhando assim?
_ Você não atacou.
_ É claro que não. Você caiu tão rápido que eu nem tive tempo de atacar. _ mentiu Revor.
_ Você sabia que eu não tinha nenhuma chance. Usou-me para distraí-lo e ter uma oportunidade de o pegar desprevenido. Ele não quis me matar. Apesar de não ser meu companheiro, ele teve mais consideração comigo que você.
_ Pare de reclamar como um pequeno filhote, Adam. Você cresceu. Um tigre, quando ataca, não se preocupa mais se vai viver ou morrer. Ele apenas luta, corajosamente.
_ É por isto que você nem atacou, não é Revor? Você não estava disposto a este tipo de luta. Você só tem coragem de enfrentá-lo em bando. Pois eu digo que o grupo de extinção do tigre Tanus acaba aqui. Eu, na minha inexperiência, fui o último a perceber que você é um covarde.
Revor rugiu furioso. Sabia que aquele mísero tigre iria contar aquilo para todos no bando. Que, além de não ter mais nenhuma possibilidade de caçar o odiado Tanus, todos o veriam como covarde. Para não deixar que isto acontecesse tomou então uma decisão, e disse para Adam: _ Não, meu caro. O grupo de extinção não vai acabar. Ao contrário, você vai me ajudar a reorganizá-lo mais forte do que nunca.
_ EU?! Você ficou louco!
_ Não, acho que não.
E dizendo isto, Revor liberou suas garras e deu uma patada no pescoço de Adam, matando-o imediatamente. O jovem tigre morreu olhando com espanto para Revor. Este saiu rápido daquele lugar. Por mais que aquele olhar insistisse em ficar em sua memória, ele dizia para si mesmo que Adam teve o que merecera, pois iria acusá-lo de covarde. E mais, ele morrera por uma boa causa.
Quando encontrou com os outros tigres, Revor começou a dar sua versão do acontecido. Viu-se contando, entristecido, para todos, como o pobre Adam fora morto, num desnecessário e cruel ataque de Tanus.
Os tigres mais novos ficaram muito indignados e rugiam por vingança. Mas Exper, que ouvira em silêncio a história, chamou Titan e ambos saíram sem nada comentar.
Revor desta vez nem pediu reunião para decidir alguma coisa. Ele mesmo reuniu alguns valentes jovens, montando assim, um novo grupo de extermínio. Estavam dispostos, mais do que nunca, a não descansar, enquanto não liquidassem o temível tigre Tanus. E realmente não descansaram: procuraram, procuraram... Mas nada encontraram. A opinião geral era que o grande tigre fora caçar em outra floresta. Isto não impediu que o grupo de tigres atacasse outros animais apenas para descarregar sua frustração. Este fato na floresta era algo inusitado. Uma nova reunião entre os tigres foi convocada.
Quando a reunião começou, a postura de Revor e seu bando era de total desprezo pelos tigres mais velhos. Talvez, só aceitassem estar participando daquilo porque “ainda” eram minoria.
Revor pediu a palavra e informou que o covarde Tanus, depois de matar o pobre Adam, havia fugido. Que até o momento, ele e seus seguidores, não haviam conseguido encontrar o renegado. _Mas eu prometo a vocês que nós vamos encontrá-lo e matá-lo.
Exper, então, pediu a palavra e fez uma pergunta a Revor: _ Na sua opinião, por que Tanus matou Adam?
_ Ele é louco, não precisa de motivos para matar.
_ Acontece que eu fui ao local onde Adam morreu, logo após você ter nos contado sua história, Revor. Tem uma coisa que eu gostaria que você me explicasse.
_ O quê?
_ Pois bem, é o seguinte: as pegadas de Tanus são bem características, pois nenhum tigre se iguala ao seu tamanho. Gostaria que você me explicasse como ele pôde matar Adam, se o sangue mostrava que este foi atingido na parte de baixo do barranco, e as pegadas do grande tigre mostravam que ele não desceu o barranco.
Todos na assembléia começaram a murmurar. Revor, com os olhos num fogo de fúria, respondeu ao velho tigre: _ Já que você é tão bom rastreador, deve ter visto que Adam subiu no barranco quando tentou atacar o renegado.
_ Interessante, primeiro você nos diz que Tanus atacou sem motivo algum. Agora nos diz que Adam “sozinho”, o atacou primeiro.
_ Isto não interessa, velho. O que é importante é que aquele louco matou um jovem tigre.
_ Você poderia nos explicar, Revor, por que Adam tinha uma marca na cara, como se tivesse levado uma forte patada, mas que não foi mortal?
_ Está bem, eu lhe digo. O que sei é que você é amigo do pai de Tanus e está inventando esta estória para que aquele assassino não seja morto.
_ Todos sabem que eu só sobrevivi até hoje porque sempre fui o melhor rastreador. Então vou dizer a todos o que vi pelos rastros: _ Vi que o jovem Adam atacou sozinho Tanus, enquanto o “valente” Revor ficou parado. Adam levou uma bofetada e rolou barranco abaixo. Ao se levantar, foi morto por quem ficou imóvel o tempo todo, ou seja, Revor.
A assembléia virou um tumulto. Todos começaram a falar ao mesmo tempo. Como Titan havia previsto, Revor tentou atacar Exper, mas vários tigres já prevenidos por Titan, se colocaram entre eles. Revor ameaçou Exper: _ Eu te mato, velho maldito.
_ Assim como você matou Adam?
A situação estava começando a ficar perigosa. Vários tigres discutiam, e estavam a ponto de começar uma luta, quando um poderoso rugido fez todos se calarem. Ao olharem para o lugar de onde veio aquele formidável rugido, viram em cima de uma grande pedra, observando-os com os olhos ferozes e frios, o grande tigre Tanus.
O silêncio era mortal. O feroz tigre falou: _ Fiquei sabendo, Revor, que você está me acusando de ter matado um tigre. Eu não pretendo discutir com você e pelo que eu estou vendo, vocês não estão chegando a nada nesta reunião. Então, eu lhe faço um desafio que não é usada há muitos anos: vamos fazer a “caminhada final”.
Houve um murmúrio geral. Alguns tigres mais jovens nem sabiam o que era aquilo e pediam explicações. Os mais velhos explicaram o que era: Fazia-se uma fila de tigres, todos lado a lado, olhando o horizonte. Os dois adversários se colocariam na frente desta fila e caminhariam, lentamente, em direção ao horizonte. A fileira de tigres os acompanharia três passos atrás. Os que achassem que o réu era culpado, atacariam-no. O réu não poderia reagir. Caso o golpe não fosse mortal, continuaria caminhando. Quando os tigres da fileira achassem que não havia culpado, deviam parar. Quando todos da fileira parassem, aquele que sobrevivesse à caminhada final estaria absolvido.
Revor, até então, estivera paralisado, observando Tanus. Os que o observavam diriam até que transparecia uma admiração no seu olhar. De repente, como que sacudido pela situação, ele estremeceu e falou: _ Isto é um absurdo. Todos sabem que há anos a caminhada final não é realizada.
Atos, um tigre que raramente se manifestava, mas que era respeitado por todos, disse: _ A caminhada faz parte de uma tradição que reverenciamos. Ela nunca foi abolida. Se ela é proposta, as opções são: participar, ou ser morto pelo conselho. Sugiro que vocês se retirem e, sozinhos, aguardem a escolha, pelo conselho, dos participantes da fileira que os acompanhará.
Revor percebeu que não tinha como escapar. Tentou ganhar tempo e talvez até influenciar na escolha dos tigres a serem escolhidos. _ Vamos fazer esta caminhada daqui a alguns dias, para que possamos escolher com mais calma os participantes da fileira.
_ Esta escolha não é a de seus melhores amigos, Revor, -disse-lhe Exper – é a escolha daqueles considerados os melhores e mais sábios guerreiros.
_ Então, com certeza, você não será um dos escolhidos, velho. E você, Tanus, que dia prefere que aconteça esta cerimônia?
_ Se o conselho quiser fazer a escolha agora, eu me retirarei e aguardarei até que me chamem. A tarde já está no meio, e poderemos fazer a caminhada como manda a tradição: no final da tarde, quando o sol se despede da Terra.
Ao ouvir estas palavras, o sangue de Revor gelou. Disse então, impulsivamente: _ Você está louco, pra que tanta pressa?
Revor viu que muitos tigres o fixavam com olhos frios. Até os jovens tigres que o seguiram fielmente, começaram a demonstrar dúvida no olhar. Percebeu que não tinha como fugir, nem adiar aquele desvairado desafio. O medo ameaçou vir, num leve tremor, mas Revor lutou contra ele. Demonstrar medo agora seria um risco mortal. Resolveu mudar a estratégia e falou: _ Está bem, eu aceito seu desafio. Talvez este seja o único meio de acertar as contas com você, já que insiste em fugir de um combate direto.
_ Você esta me propondo um combate direto, Revor?
_ Infelizmente eu não posso. Pois como você deve saber, a tradição diz que, uma vez proposta à última caminhada, não há como recusar e nem propor outra coisa.
_ É isto mesmo. Então, já que estamos de acordo, que se inicie a escolha dos guerreiros. E como é permitido a cada guerreiro, eu vou me retirar para ficar só.
_ Não vá fugir desta vez, heim.
Tanus não respondeu à provocação, apenas o encarou com olhos frios e brilhantes. Um olhar poderoso que pareceu fazer Revor se encolher. Depois, o grande tigre retirou-se, silenciosamente.
Revor também retirou-se para um lugar sossegado. Ficou pensando qual seria a melhor maneira de agir. Agitado, ficou procurando uma forma de sair vitorioso daquela situação. Ainda estava a pensar, quando Atos anunciou que era chegada a hora. Revor assustou-se, o tempo passara rápido demais, o dia estava chegando ao fim.
Tanus voltou, os tigres começaram a enfileirar-se. Revor aproximou-se de Tanus e, na esperança de abalar o adversário,disse-lhe: _ Há muito tempo você deseja a morte. Hoje você a encontrará.
_ Eu não desejo mais a morte. Mas também não mais a temo, como você a teme. Depois que fui banido, ela se tornou minha única companheira.
Revor não entendeu o que aquele maluco dizia, mas assim mesmo sentiu seu sangue gelar.
Caminharam ambos para frente da fileira. O final do dia estava lindo. Algumas nuvens cobriam parcialmente o sol. Feixes de luzes atravessavam por entre as nuvens. Tudo colorido por um alaranjado brilhante. Longe ao norte, a noite já avançava. Tanus olhou para o céu e sentiu como era maravilhosa aquela lenta e irreversível mudança: luz-escuridão. Agradeceu aos deuses por terem permitido que ele vivesse neste mundo maravilhoso. Lentamente, começou a caminhar rumo ao pôr-do- sol. Perdeu a noção do tempo. Viu que a noite chegava bela e serena. A estrelas brilhavam cada vez mais. Não olhou para trás, em momento algum. Não viu o respeito com que cada tigre o olhava. Não viu como os próprios companheiros de Revor o atacaram e o mataram, ao perceber o temor em sua caminhada. Caminhou longo tempo, depois de deixar todos os tigres para trás. Com a consciência clara do seu corpo, sentindo o prazer de, simplesmente, caminhar.
Os outros tigres, olhando ao longe, viram um grande tigre fundir-se à noite, como se nunca tivesse existido.
FIM