A Aranha Matilde

Quando as aranhas põem ovos, eles vêm em grande quantidade, dentro de um saquinho. Mas, as aranhas, fazem coisas que parecem estranhas para nós: botam seus ovos e vão embora. As arainhas quando nascem, têm que se virar sozinhas.

Um dia, Dona Aranha estava sozinha em sua teia, quando um casulo começou a se mexer num galho bem perto de onde ela estava. Ficou a observá-lo e viu que, lentamente, foi saindo algo de dentro dele. Ao sair completamente, abriu suas lindas asas coloridas e depois saiu voando, suavemente, pelo bosque. Presenciar o nascimento de uma linda borboleta, afetou profundamente Dona Aranha.

O tempo passou e novamente chegou a época de Dona Aranha botar seus ovos.

Mas, desta vez, ela não agiu como era o normal no mundo das aranhas. Após botar seus ovos, ela construiu sua teia ali perto e começou a morar bem próximo do saco de ovos. Uma intensa curiosidade se apossou dela. Ela queria ver as arainhas nascerem.

No dia em que todas aquelas arainhas começaram a sair do saco, Dona Aranha ficou maravilhada. Era um espetáculo inesquecível. As pequeninas iam nascendo e partiam destemidas, cada uma para seu caminho.

De todas aquelas pequenas aranhas, havia uma que se destacava pela sua beleza. O vermelho de suas costas era mais vivo, o dourado de suas patas mais profundo. Ah, Mãe Natureza!... Uma vez rompidos alguns laços, quem pode saber onde vamos parar... E foi assim que, naquele dia, aconteceu algo que nunca tinha acontecido na mata. Dona Aranha não resistiu ao encanto de ver aquela pequena aranha, aproximou-se e colocou-a em suas costas, e saiu a procura de um lugar para morar.

Já no primeiro momento, ao chegarem à nova casa de Dona Aranha, esta notou algo estranho.Quando abaixou para que a pequena filha saísse de suas costas, esta não se mexeu, continuou tranqüilamente deitada. A mamãe aranha delicadamente desceu sua filha e disse-lhe: _ Você ficará comigo por um tempo. Depois terá que partir. Enquanto isso eu vou chamá-la de Matilde.

O tempo passou. Matilde cresceu, tornando-se cada vez mais bela. Sua mãe que, no princípio, planejou ficar pouco tempo com Matilde, foi adiando cada vez mais a separação. E não cansava de admirar-lhe a beleza. Mas, infelizmente, quanto mais bela Matilde ficava, mais vaidosa e preguiçosa tornava-se. Dona Aranha, desde muito cedo, tentara ensinar à arainha como tecer sua teia. Porém a filha sempre arrumava um jeito de escapulir.

A primeira vez que sua mãe a chamou para tecer, começou a chorar tanto, que Dona Aranha até pensou que ela estivesse doente. Tempos depois, começou a dizer que suas patinhas eram muito pequenas para aquele trabalho. À medida que foi crescendo, esta desculpa não lhe servia mais. Então, ficava tão irada quando sua mãe a chamava para tecer, que lhe dizia as maiores grosserias: _ Você me trouxe para esta casa para que eu seja sua escrava. Por isto quer que eu aprenda isto, aprenda aquilo. Para que depois você possa ficar sem fazer nada e eu trabalhe para você. Você não vê que eu tenho coisas mais importantes para fazer do que perder meu precioso tempo com teias de aranha?

O fato é que Matilde não aceitava nem subir em uma teia e só comia porque sua mãe, com medo dela morrer de fome, caçava para ela, dando-lhe a comida praticamente na boca.

Numa bela manhã, veio morar uma arainha marrom perto de onde morava Matilde e sua mãe. Ela não era tão grande nem tão bela quanto Matilde. Na realidade, ela era pequena e feia. Mas era das mais espertas. Sabia sempre o melhor local para tecer sua teia, capturando facilmente toda a alimentação necessária para sobreviver.

Nos primeiros dias, Matilde nem prestou atenção naquela pequena e feia aranha. Mas, quando começou a perceber a independência e a capacidade de sua nova vizinha, irritou-se profundamente. Resolveu aproximar-se para abalar a auto-confiança daquela intrometida.

Certa vez, estava a arainha marrom tecendo uma linda teia, quando viu Matilde, toda arrogante, aproximar-se e falar: _ Olá, nanica! Você é marrom mesmo ou está suja de terra?

_ Eu não estou suja de terra, esta é minha cor natural. Às vezes, pode ser uma excelente camuflagem.

Matilde não sabia o que era camuflagem, mas não estava disposta a assumir sua ignorância perante a outra. Portanto, foi logo dizendo: _ Excelente camuflagem nada... Esta sua cor é tão feia que, se você estiver na terra, a gente nem vai ver o que é terra e o que é aranha.

Rindo muito a arainha falou: _ Quanto mais esperta você tenta ser, mais tola você se torna. Camuflagem é justamente a capacidade de se confundir com o lugar em que você está . Você, por exemplo, é uma linda aranha, mas é facilmente vista, porque suas cores laranja e vermelha se destacam muito.

Sentindo um arrepio de medo, Matilde nada mais disse para aquela desprezível criatura. Saiu direto para sua casa, onde ficou o dia inteiro encolhida e cabisbaixa.

Um dia, Matilde surpreendeu sua mãe observando com admiração a pequena aranha fazer sua teia. Controlou sua fúria, chegou perto da mãe e perguntou: _ O que você está fazendo?

Sua mãe, não percebendo o ciúme da filha, disse-lhe: _ Veja que trabalho perfeito! Esta arainha é uma mestra na arte de tecer uma teia.

Totalmente furiosa, Matilde começou a gritar com sua mãe: _ E você, sua incompetente? Como tem coragem de admitir que uma aranha mais nova possa fazer as coisas melhores do que você? Não tem vergonha não?

A mãe de Matilde ficou olhando espantada para a filha, que saiu dali furiosa.

Passados alguns dias, Matilde aproximou-se da arainha e perguntou-lhe: _ Qual o seu nome?

_ Eu não tenho nome, Matilde.

_ Por que?

_ Porque, ao contrário de você, eu não tive mãe que me criasse. Foi Dona Aranha quem lhe deu o seu nome.

_ Sua mãe não quis ficar com você porque achou-a feia demais?

_ Não, Matilde. Mãe aranha nenhuma fica com as filhas. Você é o único caso que eu conheço.

Matilde inflamou-se de raiva e gritou: _ Mentira! Sua mentirosa! Só você que é sozinha, porque ninguém a quis.

A pequena aranha balançou todas as pernas, como a dizer que não se importava com tamanha bobagem. Isto deixou Matilde mais furiosa. A arainha, calmamente, disse-lhe: Eu não a entendo. Se você se acha tão melhor do que eu , por que se dá ao trabalho de vir aqui e discutir comigo?

_ Você tem razão. Não vou continuar perdendo o meu tempo conversando com você.

_ Perdendo o seu tempo você já está, e não é por estar conversando comigo.

Esquecendo-se da promessa que acabara de fazer, Matilde gritou furiosa: _ O que você quer dizer com isto? Não me venha com indiretas sua ... sua ... sua sem nome! Se você tem coragem, fale na minha cara o que está querendo dizer com estas indiretas.

A aranha marrom que era muito menor que Matilde, estranhamente parecia não ter nenhum medo dela. Disse-lhe, então: _ Você tem certeza de que quer mesmo ouvir?

_ É claro, sua besta! Se não eu já teria partido a sua cara.

_ Pois bem, Dona Matilde, você esta perdendo o seu tempo porque...

Mas a pequena aranha não completou sua resposta. Parou um instante, e, em seguida, gritou para Matilde: _ Esconda-se!

E saiu correndo para se esconder.

A bela aranha ficou toda satisfeita. Disse para si mesma: _ Então ela teve medo de apanhar de mim e saiu correndo, heim?

Não lhe passou pela cabeça considerar o aviso que lhe fora dado com tanta urgência. Isto quase custou-lhe a vida, se não fosse sua mãe ter chegado, arrastando-a, desesperadamente para debaixo de uma pedra. Matilde, que não estava acostumada com este tipo de tratamento tão brusco, reclamou: _ Você está me machucando!

_ Calada! _ disse a mãe, ao mesmo tempo em que se ouvia o zumbido de vespa.

Talvez por não saber que a comida preferida daquelas vespas fosse aranhas. Ou talvez, por achar-se tão bela, e acreditar, portanto, que nenhum animal teria coragem de atacá-la, Matilde ainda tentou falar. Porém, sua mãe já prevendo este louco ato da filha, rapidamente, teceu poderosos fios de teia em sua boca, impedindo-a de continuar falando.

A vespa parou em cima da pedra... Mãe e filha encolheram-se, tornando-se dois pontinhos no fundo da terra. Aquele não era o melhor dos esconderijos, mas por sorte, pelo menos desta vez, foi o bastante para salvá-las. A vespa voltou a bater asas e, com seu possante zumbido, voou para longe.

Ficaram um bom tempo debaixo da pedra, até que a mãe aranha concluiu que não havia mais perigo. Retirou a mordaça da filha e, saindo do buraco, chamou-a: _ Venha Matilde, o perigo já passou, não há mais vespas. Mas a filha nada respondeu e nem a acompanhou. Dona aranha percebeu então que sua filha estava paralisada de medo. Olhando-a naquele estado, entendeu tudo: no momento em que a filha viu que a vespa estava tão próxima, finalmente percebeu que o risco de morte era real. Foi aí que toda sua valentia desabou e ela ficou naquele estado lamentável. Dona Aranha teve de praticamente arrastar sua filha para fora do esconderijo. Disse-lhe então:

_ Fale alguma coisa Matilde.

_ ....

_ Você está bem?

_ ...

Como nada fazia a bela aranha falar, sua mãe desistiu. Achou que o tempo seria o melhor remédio para sua filha recuperar-se. Pensou até que, aquele terrível susto pudesse ajudar sua filha a perceber a necessidade de mudar. Dona Aranha desejava ardentemente que sua filha aceitasse fazer suas próprias teias e aprendesse a ficar mais atenta. Afinal de contas, elas não iriam ficar juntas para sempre.

Quanto ao fato de voltar a falar, a mãe de Matilde acertou: no outro dia, a bela aranha voltou a falar. Mas foi apenas uma doce ilusão achar que ela iria aprender alguma coisa com a experiência. A mãe ouviu sua filha conversando com a arainha marrom:

_ E então, sua medrosa? Ontem você só ameaçou falar e saiu correndo com medo de mim.

A arainha bateu as pernas de tanto rir e, ao se acalmar, falou: _ Correndo de você?! Você não notou que eu estava correndo era da vespa?

_ Continua sendo medrosa. Enquanto você, covardemente, fugia daquela vespinha, eu me preparei para enfrentá-la. Mas a boba de minha mãe arrastou-me para debaixo de uma pedra. Eu não me conformei e comecei a chamar a vespa para lutar. Mas, novamente, a intrometida de minha mãe não deixou. Você não vai acreditar, mas minha mãe teve a audácia de amordaçar minha linda e corajosa boquinha.

A arainha ria como se estivesse ouvindo uma grande piada. Matilde, irritada, perguntou-lhe:

_ Por que você ri tanto? Qual é a piada?

_ Eu acho que o erro de sua mãe foi ter retirado a mordaça. Porque se você ainda estivesse amordaçada, não falaria tanta bobagem.

_ Como ousa falar assim comigo, sua feiosa! Você está duvidando de que eu iria enfrentar aquela vespa?

_ Matilde, estou começando a desconfiar que sua mãe ficou com você porque pressentiu que serias a aranha mais incompetente que já passou por esta floresta. Onde já se viu uma aranha querer atacar uma vespa?!

Aquilo foi demais. Dona Aranha, que tudo observava, viu o alaranjado das patas de sua filha arder como o sol, e o vermelho de suas costas parecia querer sangue. Sua filha estava pronta para atacar a arainha. Resolveu, então, intervir, separar aquelas duas briguentas. Pulou entre ambas e, de costas para a arainha, disse para Matilde, com certa urgência na voz: _ Venha! Precisamos conversar.

A aranha marrom saiu, calmamente, para sua teia, deixando mãe e filha a sós. Então, Matilde descarregou toda sua raiva em sua mãe, gritando: _ Eu não quero conversar com você! Por que tem que se intrometer sempre em minhas coisas? Por que não me deixou bater naquela atrevida? Você acha que eu esqueci que você me amordaçou? Você tem é inveja da minha beleza e da minha juventude!

_ Matilde, eu só estou protegendo você e tentando ensinar-lhe, disse Dona Aranha, muito triste.

_ Você acha que eu sou boba! Se está querendo ensinar-me alguma coisa, é para quando você for velha e fraca, eu poder cuidar de você. Pois vá esperando, viu, sua interesseira.

Sempre que Matilde acusava Dona Aranha, esta acabava cedendo em tudo que a filha queria. Mas, desta vez, Dona Aranha não recuou e disse-lhe: Cale-se! Quero que me escute pela primeira vez na sua vida.

A filha calou-se, pois nunca ouvira a mãe falar com tamanha autoridade.

Dona Aranha continuou: _ Primeiro: eu separei a briga, não para proteger a aranha marrom, mas para proteger você. Ela é uma aranha cuspideira. Além disto, o veneno dela é terrivelmente mortal, e o nosso, não.

_ E o que é uma aranha cuspideira? _ perguntou Matilde, ainda meio descrente.

_ Ela é capaz de lançar a teia, imobilizando completamente a adversária. Será que você nunca percebeu que ela não sentia medo algum, quando vocês discutiam?

Matilde estava boba, totalmente pasmada com aquela revelação. Aquilo significava que a feiosa arainha era mais poderosa, mais forte do que ela. Sem saber bem o porquê, ela sempre achara que por ser mais bela era, portanto, mais poderosa.

Matilde nem havia se recuperado daquela primeira revelação e Dona Aranha soltou a segunda bomba: _ Minha filha, temos mais alguns dias para que eu lhe ensine a caçar e construir, da melhor forma, sua teia. Depois terei que partir sozinha, para botar meus ovos.

A filha olhou para mãe sem acreditar no que estava ouvindo e falou: _ Você vai me abandonar?

_ Tenho que partir. Não sei quando volto. Talvez eu nem volte. É importante que você aprenda a sobreviver sozinha. Como eu sempre tentei dizer-lhe, não posso ajudá-la para sempre.

_ Aprender pra quê?! A qualquer momento pode aparecer uma vespa, uma ridícula aranha cuspideira, ou, simplesmente, posso ser pisada por um animal maior. Eu não quero aprender nada. Não vale a pena.

Naqueles últimos dias em que estavam juntas, a mãe de Matilde bem que tentou ensinar alguma coisa à filha. Mas foi em vão. Parecia que toda a força de sua filha estava concentrada em sua teimosia. Nos primeiros dias, simplesmente recusou-se a acreditar no que sua mãe lhe havia dito. Mas, percebendo que a barriga da mãe aumentava de tamanho, ficou impossível negar que ela estava para pôr ovos. Um dia, questionou Dona Aranha: _ Por que você não põe estes ovos por aqui mesmo? Aí poderemos viver todas juntas, eu, você e minhas futuras irmãzinhas.

_ Não, Matilde. Eu não vou cometer este erro novamente.

Indignada e chorosa, a filha disse para a mãe: _ Quer dizer que você acha que foi um erro ficar comigo?

_ É claro que foi. Eu fui egoísta e a prejudiquei. Errei mais ainda ao tentar compensar isto, dando- lhe tudo e fazendo todas as suas vontades.

_ Pois se você é a culpada, então deve-me. Tem a obrigação de continuar cuidando de mim.

_ Não, minha filha, isto já passou. Agora eu sei que a única coisa a fazer é deixar que você busque a sua independência, o seu caminho.

_ Pois eu lhe digo o que vai acontecer: não vou buscar nada destas bobagens que você esta falando. É seu dever cuidar de mim!

A partir daquele dia, Matilde começou a chorar muito e reclamar mais ainda. Pedia à sua mãe que não a abandonasse, que tivesse pena dela, uma pobre aranha indefesa. Quando viu que mesmo assim sua mãe não mudava de opinião, atacou-a violentamente, chamando-a de covarde, sem coração, mãe malvada, que só pensava nas novas filhinhas que iriam nascer. Quando tudo falhou, Matilde tornou-se muito boazinha com a mãe, tratando-a como nunca havia feito. No entanto, sua mãe avisou-a de que, mesmo assim, iria embora. Infelizmente, a bela aranha não acreditou e se recusou a aprender qualquer coisa.

Um dia, quando a aranha Matilde acordou, não viu sua mãe por perto. Imediatamente pressentiu o pior. Começou a gritar pela sua mãe e, quanto mais chamava, mais desesperada ficava. Gritou até ficar rouca. Depois começou a chorar. Sabia que sua mãe fora embora. Chorou por longo tempo. Só então percebeu que jamais acreditara que sua mãe teria coragem de ir embora. Mesmo agora, teimava em não acreditar, imaginando que, a qualquer momento, sua mãe apareceria para salvá-la. Ficou deitada no fundo de um buraco um dia e uma noite. Talvez tivesse ficado lá para sempre, se não fosse pelo seguinte acontecimento: Na outra manhã, foi acordada com uma linda canção. Saiu até a porta de seu buraco e viu a pequena arainha tecendo a mais bela teia que ela já vira. Ficou a observar aquele lindo trabalho e tão encantada estava, que nem percebeu que a arainha havia parado e a estava observando . Quando Matilde percebeu que a outra a observava, ficou muito sem graça e começou a olhar para outras coisas, fingindo interesse em tudo que a cercava. A aranha marrom a cumprimentou: _ Olá, Matilde. Você estava admirando o meu trabalho?

_ Você está louca? A gente nem pode sair de casa e olhar ao redor, que vem logo uma convencida achar que estamos é olhando para ela!

_ É bom ver você tão bem disposta. Quando fiquei sabendo que sua mãe tinha ido embora, cheguei até a imaginar que você fosse desistir. Fico feliz de ver que você está se sentindo tão poderosa, como sempre se sentiu. Por um instante pensei que você ia se sentir tão incompetente e indefesa que não iria nem tentar lutar pela sua sobrevivência.

_ Mas como você está preocupada com minha vida, hem! Pois saiba que eu sei cuidar muito bem de mim e não preciso de suas preocupações.

_ Bom, dizem que falar é fácil. Mas será que você não está falando isto só para ganhar a discussão Ou você vai pelo menos tentar

_ Tentar!...Tentar! Eu não vou tentar coisa nenhuma, sua feiosa. Vou caçar melhor do que qualquer aranha deste bosque.

_ Está aí uma coisa que eu gostaria de ver. _ disse a arainha marrom, rindo.

Os próximos dias foram terríveis. Pela primeira vez na vida, a bela aranha sentiu as garras da fome. Tentou, de forma desajeitada, pegar alguns insetos, mas não conseguiu. Ela nem tentou fazer a teia, pois tinha muito medo de não conseguir e todos rirem dela. Conseguiu sobreviver comendo restos de comida, deixados por outros animais. Buscava estes restos à noite, para não passar pela humilhação de ser vista comendo o que sobrou.

Estranhamente, quem sumiu naqueles dias foi a arainha marrom. Mas era perto das teias dela que Matilde mais conseguia restos de comida. Apesar do risco de ser vista, a bela aranha de barriga vazia não podia rejeitar aqueles restos que lhe saciavam um pouco a fome.

Matilde já estava ficando fraca. Antes de dormir, ficava imaginando uma suculenta e gostosa comida. Acabava sempre sonhando que estava saboreando uma enorme mosca. Pode nos parecer estranho, mas é assim no mundo das aranhas: uma mosca é o manjar dos manjares. Era essa a situação da infeliz aranha quando, certa manhã, ao sair da pequena toca onde dormira, viu algo que a paralisou: Uma linda teia de aranha, salpicada de pequenas gotas de orvalho, e, bem no centro dela, uma maravilhosa e enorme mosca verde, brilhando à luz do sol. Aquilo foi demais! Matilde sabia quem era a dona daquela teia: a arainha marrom. Mas ela não estava por perto. Aliás, felizmente fazia algum tempo que aquela intrometida sumira. Quase sem pensar, a bela aranha aproximou-se da teia. Sabia que não era certo o que estava fazendo, mas a fome é capaz de acabar com qualquer pensamento. E lá se foi Matilde atrás daquela mosca verde. Ela começou a entrar na teia. Por incrível que pareça, aquela aranha nunca, em toda sua vida, havia pisado numa teia. Foi entrando... entrando... e pronto! A grande surpresa! Estava presa na teia! Não conseguia mover-se. Ficou a poucos centímetros daquela maravilhosa mosca, mas não conseguia mover-se nem um milímetro. Aquela foi a pior situação que Matilde já vivera: com fome, a poucos milímetros de uma mosca. E mais: a humilhação de ser, provavelmente, a primeira aranha a ficar presa numa teia. Ficou ali, naquela situação ridícula,o que, para ela, pareceu ser uma eternidade. Quando a pequena arainha chegou, Matilde não sabia se sentia alívio ou vergonha. A arainha riu muito, deitando-se no chão, balançado as perninhas para cima. Depois que se acalmou, disse: _ Você já estava sendo chamada de aranha urubu, porque comia os restos dos outros. Mas agora acho que você vai ser chamada aranha mosca, ou aranha ladra.Estou vendo que você não sabe a coisa mais simples sobre as teias. Elas sempre tem dois tipos de fios: os que grudam e os que não grudam. Nós, aranhas, sempre andamos pelas teias, pisando nos fios que não grudam.

O corpo de Matilde ardia de raiva e vergonha. Estava um espetáculo bonito de se ver: ela e a mosca brilhando na teia. Foi nesse momento que Matilde falou, mas falou o que não devia: _ Eu não estou interessada no que você tem a me ensinar. Tire-me daqui e cale a boca!

A aranhinha, silenciosamente, subiu na teia e, na frente da bela e faminta aranha, sugou, por longo tempo, a deliciosa mosca. Matilde teve que se controlar muito para não chorar de desespero. Era terrível, com a fome que estava, ver a outra se fartar daquela forma. Quando viu a pequena aranha, calmamente descer da teia, indo embora, apavorada, gritou: _ Você vai me deixar aqui, sua covarde?

_ Sim, Matilde, eu vou.

_ Mas você não pode fazer isto!

_ Por que não? Você mesma acabou de dizer que não precisa de mim.

A bela aranha ficou muda. Sabia que a pequena aranha seria capaz de deixá-la ali até a morte, mas não estava nem um pouco disposta a se humilhar, reconhecendo que a outra tinha total poder da situação. Aquela era a decisão mais importante de sua vida e ela tinha poucos segundos para tomá-la. Então, gritou para a aranhinha: _ Esta bem, eu admito! Estou precisando de você. Tire-me daqui.

A pequena aranha ficou imóvel, olhando para ela, como se não tivesse entendido nada do que fora falado. Matilde voltou a repetir: _ Você não está entendendo? Eu estou dizendo que admito, que preciso de sua ajuda. Tire-me daqui!

_ Eu entendi sim, Matilde. Só que eu não ouvi você pedir “por favor”.

_ Ah, então é assim! A pequena e humilde aranhinha agora está por cima e resolveu pisar na pobre e indefesa Matilde.

_ Eu não a estou humilhando, Matilde. Só que já passou da hora de você aprender que ninguém tem obrigação de ajudá-la.

_ Então você resolveu que vai ser minha professora?

_ Só se você quiser_ disse a aranhinha, sem nenhuma expectativa na voz.

Matilde teve medo ao ver que a pequena aranha não sentia pena dela. Disse, então, para a aranhinha: _ Você não pode simplesmente tirar-me daqui e depois cada uma segue o seu caminho?

_ Não, Matilde. Como você já deveria saber, na floresta, não é costume um animal salvar outro de um apuro qualquer. A não ser que sejam da mesma família ou do mesmo bando.

_ Você tem medo de quebrar as regras?

_ É claro que sim! Só um tolo não teria. Bem... A situação é a seguinte: se eu tirar você desta teia, torno-me responsável por você. E eu só vou aceitar isto na condição de você me obedecer totalmente, sem nenhuma reclamação ou ataques de raiva.

Aquela situação era totalmente nova para a bela aranha. Matilde nunca havia pedido nada a ninguém. Por alguma razão que nem ela mesma sabia explicar, achava que todos tinham o dever de servi-la. Portanto, pedir um favor era, para ela, motivo de humilhação. Mas o desejo de viver foi mais forte do que tudo e Matilde, finalmente, disse: _ Tire-me desta teia... Por favor...

Satisfeita com aquela resposta, a aranhinha rapidamente cortou alguns fios da teia, que veio abaixo, e, junto, a bela aranha. Depois de livrá-la da teia, a aranhinha falou: _ Se você quiser deixar esta pose de que é a melhor, só por medo de ser a pior, eu acredito que possa ensinar-lhe algumas coisas. Você aceita?

_ Se você vai me ensinar, então quer dizer que pensa que é melhor do que eu.

_ Todos nós precisamos dos outros, Matilde. Mas o que você tem feito é usar o outro, sem aprender nada.

_ Por que você está fazendo isto por mim? Só pelo prazer de mandar?

_ O que eu ganho não interessa. Mas você ganhará a possibilidade de continuar vivendo.

_ Está bem, eu aceito._ disse Matilde, resignada.

_ Lembre-se: se você quebrar nosso trato, eu mesma a picarei.

Matilde estremeceu, pois, de alguma forma, sabia que aquela aranhinha seria capaz de fazer aquilo.

Assim, a aranhinha ensinou para Matilde a arte de tecer uma bela teia. Se o aperto faz o sapo pular, também faz o teimoso aprender. Era um espanto o quanto a bela aranha aprendeu naqueles dias! Na verdade, mostrou-se uma verdadeira artista, ao tecer suas teias. Espantada com sua própria mudança, disse para a aranha marrom:

_ Há algo que não entendo.Como pôde acontecer isto? Alguns dias atrás, tudo era extremamente difícil para mim. E agora, estou conseguindo fazer as coisas tão bem...

_ Antes, Matilde, você achava que era desaforo fazer as coisas, porque acreditava que sua mãe a estava obrigando. Você achava que ser independente era não fazer nada que sua mãe tentava ensinar-lhe. Agora você já sabe que a única forma de sobrevivermos por mais tempo, neste bosque, é aprendendo. Você tomou a decisão de aprender. E aí tudo fica mais fácil.

Um dia, já bem alimentada e feliz com sua nova situação, Matilde perguntou para a aranhinha: _ Por favor, diga-me: porque me ajudou? Eu sempre a tratei tão mal! Nós brigávamos tanto! Eu não consigo entender por que você me salvou.

_ Eu não a salvei, Matilde. Eu apenas a ajudei. Isto só foi possível porque você quis mudar.

_ Você está fugindo da minha pergunta. Mas eu sou muito curiosa. Por favor, responda-me: por que me ajudou?

_ Eu sou uma aranha muito temida em toda floresta, meu veneno é potentíssimo. Até os grandes animais evitam-me. Por isto mesmo sempre fui muito sozinha. Conversar com

você foi o que eu tive mais próximo de amizade. Sua mãe percebeu isto e deixou que nos aproximássemos, na esperança de que eu a ajudasse.

_ Mas você não ficava com raiva?

_ Não, eu nunca levei você a sério. Eu me divertia com sua ingenuidade e sua vaidade.

Depois comecei a perceber que você era orgulhosa por achar tão importante ser a mais bonita e eu, era orgulhosa por me importar tanto em ser a mais poderosa. De certa forma você me ajudou.

_ Acho que não gostei nada, nada desta explicação.

Rindo, a aranha marrom disse para Matilde: _ Houve ainda outro motivo.

_ Qual? _ perguntou a bela aranha, já meio ressabiada.

_ Antes de ir embora, sua mãe pediu-me que tentasse ajudá-la.

Ao ouvir isto, Matilde chorou. Mas este foi um choro diferente. Pela primeira vez, chorou sem ser de dó de si mesma. Desejou, do fundo do coração, que sua mãezinha estivesse bem.

Muito emocionada, Matilde disse para a pequena aranha: _ Sou profundamente grata a tudo que você fez por mim, e serei sempre sua melhor amiga. Mas ainda tem uma coisa que me faz coçar de tanta curiosidade...

_ Que coisa, Matilde?

_ Naquele dia, em que eu fiquei presa na teia... Você deixou aquela deliciosa mosca na teia de propósito?

_ É claro que foi, Matilde.

A bela aranha olhou para a outra e ambas começaram a rir.

E assim, as duas aranhas se tornaram grandes amigas. Matilde aprendeu a entregar-se totalmente ao prazer de tecer suas teias. E passou muitos e deliciosos momentos com sua amiga.

Luis Carlos T Ferreira
Enviado por Luis Carlos T Ferreira em 23/10/2010
Código do texto: T2573643
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