Maria Miquelina de Jesus
Acontecia assim: ela deitava na rede esperando o cuscuz ficar
pronto, mas como o cansaço era grande, quando ela fechava
os olhos as almas balançavam a rede e diziam – Maria Miquelina
de Jesus, fazedeira de cuscuz. Acorda! E assim era todo dia. Até
os meninos crescerem e ela parar de fazer cuscuz.
Como já falei a casa da minha bisa eram caminho certo. E das
muitas histórias (verídicas?) que ela contava esta me
ficou na lembrança pela força de sobrevivência que mostrou
ter aquela mulher frágil, criada para ser esposa e mãe,
sem nunca ter ido a escola ou ter a responsabilidade
com o seu sustento ou dos que dela vieram a nascer.
No sexta gestação ficou sozinha com a responsabilidade de
criar e educar os filhos amados. O que fazer? O
marido, lavrador que era, não deixou muita coisa. Ela
nunca tinha trabalhado. Mas e daí? Diziam que o seu
cuscuz era bom, tinham um gosto especial.
Feito com o fubá do milho e ensopado no leite de coco.
Além disso, tinha o segredo, que ela tinha aprendido com a mãe.
Só era sair logo cedo com o tabuleiro anunciando pela rua
- “cuscuz bondade”! - e com certeza o pessoal iria comprar.
Com o aumento das vendas é que veio a história. Ela tinha
que passar a noite toda a fazer cuscuz para atender a freguesia
e ai contou com a ajuda das almas, da quais era devota.
Para não dormir precisava que alguém a acordasse e nada melhor
do que suas companheiras constantes, segundo ela, foi uma parceria
e tanto e diga-se a bem da verdade que durou a vida inteira, mesmo
quando bem velhinha as almas ainda balançava os punhos de sua rede
dizendo: Maria Miquelina de Jesus, acorda!!!!.