Maria Miquelina de Jesus

Acontecia assim: ela deitava na rede esperando o cuscuz ficar

pronto, mas como o cansaço era grande, quando ela fechava

os olhos as almas balançavam a rede e diziam – Maria Miquelina

de Jesus, fazedeira de cuscuz. Acorda! E assim era todo dia. Até

os meninos crescerem e ela parar de fazer cuscuz.

Como já falei a casa da minha bisa eram caminho certo. E das

muitas histórias (verídicas?) que ela contava esta me

ficou na lembrança pela força de sobrevivência que mostrou

ter aquela mulher frágil, criada para ser esposa e mãe,

sem nunca ter ido a escola ou ter a responsabilidade

com o seu sustento ou dos que dela vieram a nascer.

No sexta gestação ficou sozinha com a responsabilidade de

criar e educar os filhos amados. O que fazer? O

marido, lavrador que era, não deixou muita coisa. Ela

nunca tinha trabalhado. Mas e daí? Diziam que o seu

cuscuz era bom, tinham um gosto especial.

Feito com o fubá do milho e ensopado no leite de coco.

Além disso, tinha o segredo, que ela tinha aprendido com a mãe.

Só era sair logo cedo com o tabuleiro anunciando pela rua

- “cuscuz bondade”! - e com certeza o pessoal iria comprar.

Com o aumento das vendas é que veio a história. Ela tinha

que passar a noite toda a fazer cuscuz para atender a freguesia

e ai contou com a ajuda das almas, da quais era devota.

Para não dormir precisava que alguém a acordasse e nada melhor

do que suas companheiras constantes, segundo ela, foi uma parceria

e tanto e diga-se a bem da verdade que durou a vida inteira, mesmo

quando bem velhinha as almas ainda balançava os punhos de sua rede

dizendo: Maria Miquelina de Jesus, acorda!!!!.

Arlete Araújo
Enviado por Arlete Araújo em 08/10/2010
Reeditado em 08/10/2010
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