O CAVALINHO DE PAU
Na ampla varanda da casa, o menino estava sentadinho numa cadeira de vime com os olhos perdidos no horizonte. Tinha só cinco anos e não entendia a razão pela qual sua mãe fora viajar para muito longe. Foi isso que seu pai disse respondendo a sua pergunta. Secava uma lágrima que lhe escorria pela face quando a velha babá o chamou.
- Marcelinho! Venha cá, meu filho.
- Estou indo Nana!
- Vamos, meu filho! Cadê aquele sorriso lindo? E o beijo da Nana? Eu ainda não ganhei um.
Ele beijou a babá e, em seguida, perguntou:
- Nana, por que minha mãe teve de viajar? Por que ela não me levou?
- Ah, meu menino! Ela não podia levar ninguém. Deus a chamou para trabalhar com ele no céu.
- Ele podia ter chamado outra mãe, não podia?
- Podia sim, meu filho. Mas ele preferiu a sua por saber o quanto ela é competente para lidar com crianças. Ela foi para ajudar Deus a cuidar dos anjos.
Anjos são crianças iguais a você e no céu tem milhões deles tornando o trabalho de Deus muito cansativo. Por isso, de vez em quando, Deus escolhe uma mãe para ajudá-lo.
- E eu fiquei sem minha mãe, né!
- Não diga isso, meu menino! Mesmo estando no céu ela cuida de você.
Depois dessa conversa, mesmo tristonho, o menino foi brincar. Primeiro foi ao quintal. Chamou seu cãozinho Pingo, mas Pingo não apareceu, provavelmente estava na rua correndo atrás dos moleques que jogavam bola. Entrou na casa, passou pela sala de jantar e subiu a escada que levava ao sótão. Abriu a porta, acendeu a luz e passeou os olhinhos tristes pelo aposento. Tinha tanta coisa. Tapetes, móveis antigos, quadros, uma vitrola velha, um fogão de ferro do tempo que se usava carvão para cozinhar e, lá no canto, perto da janela alta, um cavalinho de pau. Marcelinho sentou-se numa velha cadeira de balanço e começou a chorar baixinho. Parou de chorar. Dobrou o corpo de forma que a cabeça ficou apoiada nos joelhos. Os pensamentos voavam como pássaros dentro da cabeça do menino. De repente ele ouviu um psiu. Levantou a cabeça e não viu ninguém. Voltou à posição inicial e novamente ouviu o psiu.
- Psiu! Aqui menino... sou eu...
Marcelinho levantou a cabeça assustado.
- Não tenha medo. Sou eu, o cavalinho de pau.
- Não pode ser... brinquedo não fala...
- Quem foi que disse? Brinquedo fala sim. Só que brinquedo fala na hora e no momento certo. – disse o cavalinho de pau.
E como por encanto, o cavalinho de pau ganhou vida. Tornou-se um cavalo de verdade.
- Vamos menino! Monte aí. – Marcelinho montou e o cavalinho saltou pela janela levando-o através de campos, florestas e vales. Depois subiu uma montanha. Chegando ao topo parou.
- Por que me trouxe aqui? – perguntou Marcelinho.
- Para que você veja esta beleza que está aí a sua frente – respondeu o cavalinho.
Um imenso jardim abrangia desde o sopé da montanha até o horizonte. Flores de todas as cores tremulavam ao sabor de uma aragem morna e calma. O cavalinho perguntou:
- Que tal, gostou?
- Maravilhoso. Nunca vi tantas flores. Parece até um mar. – respondeu o menino.
De repente, pequenas criaturas começaram a emergir do meio das flores. Tinham asas e voavam baixo.
- São anjos. – explicou o cavalinho de pau.
- Então é o céu? Minha mãe está aqui? – quis saber.
- Não sei menino. Vamos descer...
E o cavalinho desceu a montanha entrando no meio daquele oceano de flores. O aroma era agradável. Uma música suave se fazia ouvir impregnando de paz a alma do menino. Desmontado e segurando as rédeas do cavalinho de pau eles caminharam por um tempo até avistarem um caramanchão onde crianças e mulheres estavam reunidas como numa sala de aula. Marcelinho, olhando atentamente, procurava sua mãe. Não, ela não estava ali. Continuaram a caminhada até que, olhando para trás, viram que a montanha, por onde desceram, estava bem distante deles.
Chegaram a um lago de água pura e transparente. Cisnes de todas as cores nadavam suavemente, sem pressa. Foi aí que o menino desceu do cavalo e debruçou-se para alcançar a água do lago. Um toque suave no seu ombro o fez voltar-se:
- Mamãe! Exclamou ele lançando-se nos braços da moça de vestido branco.
- Mãe, agora você volta comigo. Eu tenho um cavalinho que pode nos levar para casa. Foi ele que me trouxe aqui.
- Não filho. Eu moro aqui. Estou cumprindo uma missão que Deus me deu. Formar anjos como você para entregá-los ao mundo.
- Então eu posso ficar aqui. Só eu e você e o cavalinho de pau. – argumentou choroso o menino.
- Você ainda não pode ficar aqui. Precisa crescer e passar por todas as etapas da vida. Será um grande homem e eu ficarei muito orgulhosa de você, meu filho. Não chore e não fique triste meu querido. – disse a mãe secando o rostinho do filho com um lenço.
- Mas... E se eu trouxer o papai?
- Não, meu querido. Seu pai tem um maravilhoso trabalho a fazer.
- Ele pode fazer aqui. Nós podemos ajudá-lo, não é mamãe?
- Não. Não podemos. O trabalho dele é você, meu filho.
O menino argumentava de todas as maneiras tentando convencer Rosa Maria, sua mãe. Nesse momento, crianças em algazarra aproximaram-se de Rosa Maria e Marcelinho. Uma delas, a que trazia um ramalhete de rosas vermelhas na mão, aproximou-se e, abraçando a moça, entregou-lhe o ramalhete. Rosa Maria sorrindo agradeceu e virando-se para o filho disse:
- Estas crianças são minhas alunas. É isso que eu faço aqui. Preparo vidas para a glória de Deus. Por isso, meu filho, não fique triste por eu não estar presente fazendo parte de sua vida.
Beijou o filho com amor. Depois retirou uma rosa do ramalhete e a entregou ao menino. O cavalinho chegou apressado dizendo:
- Vamos voltar Marcelinho. Acho que estão chamando por você.
Entrando silenciosamente no sótão, a empregada olhou para o menino dormindo com a cabeça sobre os joelhos e o chamou suavemente.
- Acorda. Isso é jeito de dormir menino! Deve estar com uma baita dor na coluna.
- Nana, eu vi a minha mãe. Eu fui até onde ela está. O cavalinho de pau me levou e me trouxe.
- Ora, você sonhou! – exclamou rindo Nana.
- É verdade! Eu vi, eu vi, eu vi...
- Como? Olhe para o cavalinho. Ele está aí parado e durinho como sempre foi. – disse ela batendo com os nós dos dedos no brinquedo de madeira.
- Não inventa história Marcelinho. – concluiu.
Marcelinho contou a sua viagem. Falou do lugar, da mãe, das crianças, do ramalhete de rosas vermelhas, do conselho que a mãe lhe deu pedindo para que não chorasse mais e, por fim, falou da rosa, o presente que ela lhe deu na hora da volta. Ele falava com tanta convicção que Nana ficou pensativa. Será? Não. Não podia ser. Fora só um sonho. A verdade é que depois deste dia o menino mudou seu comportamento. Não andava mais triste pelos cantos. Voltou a brincar como nos tempos em que a mãe estava com ele.
Num final de semana a empregada resolveu arrumar o sótão.
Era tanta coisa para pôr em ordem que Nana calculou umas duas horas para terminar o trabalho. Chegou a vez de mudar o cavalinho de pau de lugar. Ela ergueu o brinquedo e sentiu que algo bem macio lhe caíra sobre o pé. Abaixou a cabeça para olhar e qual foi a sua surpresa: uma rosa vermelha, fresquinha como se tivesse sido colhida naquele momento, estava ali exalando o seu perfume doce. Nana chorou. Recolheu a rosa e desceu a escada em busca de um vaso. Marcelinho entrou correndo com um amiguinho, com quem brincava, e ao ver Nana com a flor na mão gritou:
- E a rosa da minha mãe!
(Entre o Céu e a Terra existe uma ponte misteriosa).