Estar

Se tem algo, nesse mundo de meu Deus, no qual eu penso e quando pensado acho estranho, é a existência de duas aversões que tenho e que me assombram.

Uma delas é do escuro, mas não é aquele escuro onde não se enxerga, é a do que fica quando eu fico só.

A outra, que é de gente, é de gente mesmo, essas que tem boca, mãos e pensamento, quer dizer, (esse último muitas não tem), surgiu em mim, quando eu dei em desconfiar, que o fato de eu estar entre elas, fazia com que eu não conseguisse ser melhor do que era. E, às vezes, até piorar.

Quando chegavam, as tais aversões, traziam consigo dois medos meus: O de estar fora e o de estar dentro. E assim sendo, ficava difícil viver a vida, porque ela é feita, de claro e de escuro, de gente só, de gente cheia de gente, de gente que ao pensar, fala e faz algo com o pensamento e ainda de gente que ao não pensar, não fala e não realiza. E também havia aquela que não me deixava pensar. Isso é coisa que eu fui olhando e constatando. E que depois de constatado fez com que eu resolvesse procurar um lugar onde eu pudesse estar, sem estar dentro ou fora.

Foi aí que eu descobri o quintal da minha casa. Achei-o perfeito: Grande e todo murado.

Encantei-me com a descoberta de que nele habitavam três espaços. O dos fundos, o da frente e o do lado. O outro, não menciono aqui, por ser um lado sem lado. Bem! Por esses espaços, fui fazendo aos poucos, amigos que mesmo sem ter boca, falavam e que mesmo sem ter pensamento, faziam com o que tinham, coisas impensáveis.

Eram eles, tudo aquilo que penso e elas, (às coisas), o que fazia com esse pensamento: Verdades, fada e fonte, solidão na tarde, seres de outras histórias, as águas que vivem dentro dos livros, tempo e mentira, chegada e barbante. O jeito com o qual posso pentear a grama e a forma como separo umas das outras as folhas que colorem o chão. O que fazem as formigas com o caminho que trilham depois de trilhado. Enfim, viver feito esperança madura pelo quintal.

Ao estar entre eles, acabo com um dos meus medos, que é o medo da solidão.

Agora, o outro é mais complicado, desaparece, quando descubro o tamanho que tem o muro do pátio e vejo que com ele estou resguardado das pessoas. E também, que assim sendo, não preciso temer o que dizem ou sofrer pelo que são ou fazem.

Sendo dessa forma, consigo estar, sem estar fora ou dentro, e descubro com isso que , mais do que o pátio, ele é o lugar por onde movo, conserto e consigo amar.

Seria ótimo se eu pudesse agora, terminar essa história e viver feliz para sempre lá no meu quintal. Eu até tentei, mas não deu certo, porque ao nascer eu nasci gente e fiquei meio sem escolha. Então, nesse lugar, de onde não se sai e não se fica eu encontrei um buraquinho no muro da frente. Por ele, fui espiando devagar e acabei descobrindo que se a gente catasse bem catadinho, por aqui e por alí, dava para achar gente das boas, com pensamento próprio, gente decente, com quem eu possa estar, sem ter que fingir que às escuto e com quem eu posso, até dividir pensamentos. Uma gente lindona mesmo à quem eu posso amar sem ter medo e fazer isso o mais forte que eu puder.

Quanto ao outro tipo de gente, eu inventei uma técnica que funciona assim: A gente lamenta por elas, afinal... Depois pede à Deus que as ajude e cai fora o mais rápido que puder. E acho que já deu para notar, que esse outro medo foi embora também.

Ao ver enfim, que estando onde estiver, dentro ou fora, há muito pátio no mundo e que ele precisa ser trilhado, descubro que, de quando em quando, encontrarei formigas e trilhas, não as mesmas de antes, mas outras que trilharão outras histórias.

Em: 04/07/2010

Tânia Fonini
Enviado por Tânia Fonini em 05/07/2010
Reeditado em 10/07/2010
Código do texto: T2359471
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.