ASSIM NASCEU A ALEGRIA

(contando de um outro jeito, o conto de Rubem Alves)

Heleida Nobrega, 2007

Eis a história de uma florzinha que ao nascer, cortou uma de suas pétalas num espinho.

Mas como sua pétala partida não doía e, além de macia, era sua mais íntima amiga, a florzinha não tinha porque se preocupar e vivia feliz, muito feliz...

No entanto, um dia ela começou perceber que as outras flores olhavam para ela com grandes olhos, olhos de espanto! Foi exatamente nesse momento assinalado pelos dedos das ‘outras’ que notou ser um tanto quanto diferente.

Assim, após esse episódio, os dias foram sucedendo-se uns aos outros, ela ficando triste, cada vez mais triste e o jardim perdendo o viço anterior. Ela não estava triste por causa de sua pétala partida, isso não a incomodava em nada. Ela estava triste por causa do modo com que as outras flores olhavam para ela.

E foi justamente por causa de tudo isso que a pequena flor começou a chorar.

Chorou tanto, mas tanto... que a terra molhada, já quase alagada, ciente de que não podia abarcar mais uma lágrima sequer, começou a ficar preocupada e ousou perguntar:

- Por que brota tanta água desses pequeninos olhos? Pergunta ela à florzinha. Mas a florzinha só chorava...

Sem resposta, decidiu pedir socorro para sua amiga árvore e contou o quanto a florzinha chorava. E a árvore contou para os pássaros, seus companheiros, E os pássaros voaram, voaram... e contaram às sonhadoras nuvens. E as nuvens cochicharam aos ouvidos dos anjos que brincavam no céu. E os anjos, os melhores amigos das nuvens juntaram-se e contaram a Deus. E Deus chorou como a florzinha chorava... Não de tristeza pela pétala partida da florzinha, mas pela indelicadeza e falta de compaixão das outras flores. E a partir desse instante, o choro da florzinha virou chuva, a chuva virou rio e o rio virou um imenso mar.

Os rios transformaram-se na morada dos peixes menores que adoraram a idéia de viver em meio às águas doces. Os mares abarcaram os peixes maiores, bem maiores... e, por sua vez eles gostaram imensamente do mergulho nas águas salgadas. Costumavam dizer, que quando pescados, já saíam temperados...

A florzinha que abriu os olhos num pequeno intervalo do choro ficou admirada com todo o reboliço à sua volta. Não sabia até então, que era tão querida pela natureza.

Desse momento em diante, sua tristeza foi se transformando numa coisinha estranha. Parecia mesmo uma espécie de ‘cócegas’ a serpentear pelo seu corpo, um tremor que ia e vinha e quando chegou ao coração, após uma forte batucada, sentiu sua boca encurvar levemente para cima como que delineando um riso leve. E ao sorrir pela primeira vez um delicioso perfume enlaçou seu corpo e se alastrou pelas entranhas da natureza e a natureza nunca mais soube viver sem ele. E esse tal perfume foi chamando muitos bichos, muitos mesmo...

Vieram as abelhas, os beija-flores, as borboletas, as crianças... e um por um começou a cheirar a florzinha que sabia sorrir e que tinha um delicioso perfume que parecia sair exatamente de sua pétala partida.

- E as outras flores, como ficaram nessa história?

- Ah, sabe por que as flores belas e infelizes não tinham perfume?

- Porque não sabiam sorrir. Na realidade, o perfume é o sorriso da flor.

Essa é a história da florzinha que aprendeu a sorrir e que recebeu de presente o delicioso perfume que iria permanecer com ela e com todas as outras que viessem depois dela, desde que soubessem sorrir...

E quem não acreditar neste conto que acabo de contar de um outro jeito, que faça meu sorriso congelar no primeiro sopro de vento que por aqui passar.

heleida nobrega
Enviado por heleida nobrega em 22/05/2010
Reeditado em 22/05/2010
Código do texto: T2272299
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