NÃO É HORA DE DORMIR, ALICE

(obrigado, Lewis Carroll!)

-Não é hora de dormir, Alice- disse o Coelho Branco,

Uma tempestade vai começar- vamos nos abrigar.

-O céu está ficando mais azul do que antes, amigo!

-Notou bem, menina, é que seu mundo vai mudar.

-Mudar, como assim, Coelho?

-Será engolido pelo Mundo do Espelho. Venha comigo.

Correndo pelo jardim do Duque de Trento

Alice e seu amigo, o Coelho Branco, levados pelo vento,

Foram parar na Terra do Encanto, um lugar novo,

Mas que ela já conhecia- só não lembrar podia.

Os dois estavam com medo da Tormenta Azul

Que do Norte soprava- o Duque, do seu palácio,

Com palavras mágicas

Em vão tentava dissipá-la.

Alice viu que Licea, sua irmã,

De alquimia estudante, ao lado dele gritava:

-Vá embora, tempestade! Deixe em paz nosso mundo!

Não leve minha irmã mais nova para a Terra do Encanto-

Prometo que serei mais uma vez boazinha!

-De nada adianta, bobinha!-

Disse o trovão. Com magia não se brinca,

Já dizia Tamerlão.

Agora ela se foi para sempre, para um país

Maravilhoso e feliz.

Alice, disse o Coelho Branco,estou com muita pressa.

Vou embora, mas nos veremos de novo aqui, amanhã,

Na hora em que o dia começa.

-Mas vou ficar sozinha, assim, nesta Terra?

-Claro, amiga! Todo encanto que começa encerra!

Não fique preocupada, cuide só de uma coisa:

Não tropece de jeito nenhum!

-E se eu tropeçar, que acontece?

-A Rainha Má aparece.

-Quem ela é?

-Já disse: A Rainha Má.

-Então...

-Obedeça e vá por ali.

-Por este caminho?

-Sim, o que leva ao Moinho.

E ele desapareceu. Alice seguiu com lentos passos

Pela estrada banhada de luz

Até dar com um vale coberto de nuvens

Brancas como algodão em maços.

Lá estava o Moinho, girando.

A menina foi se aproximando,

Sem ver que um sorriso a acompanhava.

-Alice!, disse o sorriso, que era de gato.

-Você sabe meu nome?

-Sei, sim, de fato.

-Como você sabe?

-Sei pois sou um sorriso. E sorrisos sabem muitas coisas. Além de, é claro, sorrir.

-Como faço para voltar pro meu mundo?

-Não sei.

-Mas eu pensei...

-Desde que fui do meu corpo separado,

Sem respostas para certas questões fiquei.

-Oh, quem fez isso?

-Fui pelo Duque de Trento amaldiçoado.

-Pensei que ele fosse bom.

-Bom? Não é, não. É um alquimista.

-E então?

-Nem bom nem mau ele é, sua essência é mista.

Mas, Alice, por ali não vá. É morte certa.

Procure o Colégio do Sul.

-Para onde ele fica?

-Ora, no Sul.

(É onde é menos azul).

-Obrigado, seu gato.

-Alice?

-Sim?

-Não tropece jamais.

E o Moinho foi ficando para trás.

Sozinha a menina seguiu

E, depois de horas e horas,

Dormiu. Sonhou com um homem

De corpo branco como o sal, que dizia:

-Alice, não esqueça que, na Terra do Encanto,

Não deve haver pranto. Nada tema, menina.

Deste país és verdadeira Rainha.

E ela despertou, já era meio-dia.

Ao longe, no meio dos prados, estava o Colégio do Sul:

Muitas crianças saíam para o almoço,

Com grande alvoroço. Sem dificuldade ela entrou.

O pátio coberto e vazio com estátuas de anjinhos nus

Amedrontou Alice. Tinha sede e bebeu de uma Fonte de água azul.

Subitamente sentiu que suas pernas cresciam, os braços, a esticar,

Tocavam o relógio da Torre Alta.

Estava imensa como um monte,

Lá de cima dava para ver o horizonte!

As crianças, ao retornar,

Gritavam: Olha, uma menina gigante!

Mas a sua mente rodava como um pião.

Pensando bem, era hilariante.

Com dificuldade, para não quebrar nada,

Alice saltou pela esplanada e correndo saiu

Daquele Colégio esquisito. Tão grande ela ficou

Que braços e pernas tocavam o infinito.

Viu que, além da Terra do Encanto, estava

O palácio do Duque alquimista.

Sua irmã Licea chorava,

Estava triste, pois da irmã não tinha uma pista.

De grande que estava, era fácil tropeçar:

E foi o que ocorreu.Os pés pelas mãos meteu.

Como foi pressagiado, a Rainha Má apareceu,

Com olhos grandes e cara de enfado.

Alice usurpadora

Como ousa vir meu reino roubar?

Menina petulante,

Vá embora agora,

Ou minha ira vai enfrentar.

A Rainha era pequenina, do tamanho

De um peão de xadrez;

Mas sua voz metia um medo tremendo,

E tinha sotaque francês.

Alice tão raivosa estava

Que resolveu bicudá-la dali.

Mas não levou a efeito a idéia: ao levantar,

Bateu com a cabeça na cauda do Escorpião,

E com isso foi de novo ao chão.

Acordou com seu tamanho normal,

Num canteiro de rosas brancas,

Que faziam o maior carnaval.

O Sorriso de Gato espreitava...

-Por que me mandou ao Colégio do Sul?, disse Alice.

Você também é do mal?

E ele respondeu:

-Não, os sorrisos aqui são todos do bem,

Não são como os do homem.

É que você dormiu e sonhou

Com o Homem de Sal- e isto

Te afastou do local. Aquele era o Colégio do Norte,

Com sua Fonte azul e crianças do mal.

Olhe a sua frente, Alice,

E faça como eu te disse: não tropece por nada!

Alice não tropeçou desta vez, mas,

Com um esbarrão nos espinhos das rosas

Sangrou e as tingiu de vermelho.

E logo elas viraram fadas.

Salve a Rainha Alice,

Que tem poder sobre nós!

No Labirinto encontrará

A entrada secreta para

O Colégio do Sul.

Corra, Alice, ou o dia terminará

E os Dois Leões a noite acordará.

Um é carmim e o outro verde-

Cuidado e vê se não se perde.

Temerosa, a menina, diante da porta

Do Labirinto, soluçou baixo. Entrou, pé ante pé,

E, sem saber, deixava um rastro de seu joelho cortado.

Tudo atrás dela era transmutado.

O Sol descia e o frio crescia,

Belas cascatas e noturnas flores,

Caramanchões e velhos bronzes surgiam.

Alice, apressada, do Minotauro

Na sua mente se esquivava.

-Onde está a entrada secreta?

Este labirinto é como o de Creta?

Licea, Licea, onde você está?...

Da janela de seus aposentos

A irmã de Alice, agora prisioneira

De Trento do Duque, clamou pelos ventos

Que enviassem uma mensageira bela:

A águia de duas cabeças e asas-

Que estranho animal, de quatro cores no total:

Alba, negra, vermelha e verde era ela.

Alice tinha chegado ao centro do labirinto.

A esta altura já não podia dar um passo:

A mente cansada e o corpo lasso

Atraíram o Sono, de cinzas tinto.

Caiu, e ao seu lado os dois leões,

Guardas do Colégio do Sul, rugiam.

Na verdade, eram um só, que nasciam

Eles de um único tronco curioso.

A entrada tinha um aspecto formoso-

Mas diante dela estava o Duque garboso.

Alice, Alice, ele disse,

Por que não vem comigo,

Com sua irmã aprender a alquimia?

Esqueça que fostes Rainha um dia!

O Colégio do Sul é antigo-

Sou seu diretor.

Faça como digo-

Ou viverás um horror.

Mas ele estremeceu quando viu

Que da ferida de Alice, que tudo

Metamorfoseava, uma nova Terra do Encanto

Aos poucos era gerada.

A menina dormitava, e, por isso,

Mais uma vez tropicou.

E você, leitor, já notou,

Que só pode dar nisso:

A Rainha Má voltou.

Com sua voz de rebento

Ela disse:

Ora, não é o duque de Trento?

Quanto tempo!

Nem uma carta ou pensamento?

O duque replicou:

Vá para o diabo, velha matreira!

Megera desdentada e feiticeira!

Longe de mim! Vá, enfim!

E ela, com um gesto do duque,

Virou um punhado de pó.

Ele exultou, mas neste instante,

Do alto chegou a águia exuberante,

Por Licea enviada. Os dois leões saltaram

Para seu dono defender.

Houve uma guerra ferrenha,

Penas e pelos voaram, mas no final

Prevaleceu a força alada e espiritual

Da águia contra a força terrena.

Começava o dia e tudo estava mudado

Naquele país maravilhoso e feliz.

A Terra do Encanto, onde não dura o pranto,

Havia soprado para longe a Tormenta Azul-

Tudo graças a Alice, uma menina destemida.

-Ei, e eu, o Coelho Branco?

Não ganho a saudação merecida?

Percorri o universo todo,

De sul a norte, para fechar este conto

Com...

-Oh, como estou completo-

Gritou o Sorriso de Gato,

De novo inteiro,

Único, como dizia

O grande Platão.

Sei tudo, posso tudo...

Vou escrever o final, então.

O duque de Trento banido,

Alice e Licea crescendo e estudando juntas.

Crianças, o que é este mundo

Além de um sonho de gato,

Silenciosamente percorrido

Por nossas efêmeras presenças

Numa noite em que os ventos sopram devagar

E velas acesas convidam a histórias contar...?

Filicio Albara
Enviado por Filicio Albara em 16/02/2010
Reeditado em 17/02/2010
Código do texto: T2089830
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