PARAISO
- Cadê esse gato preguiçoso?
Perguntava aos berros a dona da fazenda a seu marido que acordou de supetão com o barulho.
– Como vou saber? Estou ou melhor estava dormindo.
– Os ratos tomaram conta da cozinha. Cadê o gato? Perguntava aos berros.
E quando Astúria, a dona da fazenda, o viu dormindo enroladinho no sofá, se aproximou bem de mancinho dando um tapa tão forte em seu encosto, para acordá-lo, que o fez saltar e correr em disparada de susto. Até o burro que estava no curral se assustou. Também pudera, naquela madrugada o céu era iluminado pelos raios e os trovoes sacudiam a floresta a tornando mais sinistra com os gritos da Astúria e suas gargalhadas com o susto do gato.
– Seu preguiçoso, dormindo?! Onde já se viu tamanha folga. Vá caçar os ratos antes que eles acabem com tudo na minha cozinha. Onde já se viu, mexa-se inútil!
Depois do gato se virou para o marido.
- Gumercindo!
- Mulher, ainda é madrugada.
- Não! Estamos no horário de verão.
- O galo nem cantou ainda.
- Galo, Cadê esse galo? Um dia inteirinho sem milho. Ele me paga. Isso se não acabar na panela. Estou cercada de preguiçosos.
- Gumercindo! Seu lerdo. Vá ver o que esta acontecendo com ele.
Irritado e ainda sonolento, quando saiu pro terreiro tropeçou no cachorro que dormia na soleira da porta. Não teve dúvida, gritou sem dó com ele.
O galo subiu na parte mais alta do galinheiro e assim que acabou a barulheira começou a cantar. Era um canto triste de quem sonhava com dias melhores. E já que ele cantava Gumercindo voltou pra cama. E antes que amanhecesse o galo foi falar com o jumento e quando chegou no curral o jumento estava quieto e o observando.
- O que esta olhando?
- Vou sentir falta daqui.
- Vai pra onde?
- Para um lugar distante onde não vou virar banco.
- Banco?
- Alem de ter que aquentar um peso terrível, quando empaco pra descansar sou chamado de burro e a única coisa que presta é o meu couro pra virar banco.
- Ia ficar bonito.
O jumento olha serio pra ele.
- Com certeza. Vai ser um banco para subir para espanar a poeira dos moveis com um espanador feito com penas, suas penas.
E deu uma risada.
- Sem graça.
Na mesma hora o cachorro que os ouvia.
- Calma pessoal! Nem banco nem espanador.
E o gato entra apavorado no curral.
- Eles estão dizendo que eu só sirvo pra ser um pandeiro.
E o cachorro.
- Até você! Custa muito fazer o seu serviço, se tem que caçar os ratos. Cace!
- Não é ratos é uma rata e esta com filhotes.
E o jumento.
- Eu não sei de vocês, mas vou embora antes que precisem de um banco.
E todos:
- Pra onde?
- Paraíso!
O galo.
- E onde fica?
- No norte!
E todos.
- E como é?
E o jumento.
- Tem muito capim tenro e macio.
E o galo.
- Eu gosto é de milho.
E o jumento.
- Lá é o paraíso. Tem tudo de montão. E estou com pressa, tchau pra quem fica.
E o cachorro.
- Agente pode ir?
- É claro!
Antes que o sol nascesse partiram. Iam cantando e brincando um com outro e perguntando pro jumento.
- Lá tem milho.
-Tem sim senhor.
- Lá tem ração?
- Tem, sim senhor.
– E o que tem mais lá?
– Os lugares mais bonitos que há.
O galo subia no jumento junto com o gato. O cachorro ia latindo e correndo de um lado pro outro. Por vez ou outra o jumento se abaixava e o cachorro subia no seu lombo junto com seus amigos. E iam em disparada cantando e rindo de tão contentes.
- Lá tem sombra?
- Tem sim senhor.
- Água fresca?
- Tem sim senhor. Tem tudo de montão!
– Sombra e água. É tudo de bom que há. E de montão. Há, há, há, há, há.
E foram cantando, andando, correndo, brincando o dia inteiro. E quando caiu a noite avistaram uma linda casa em um vale repleto de arvores frutíferas, com uma cachoeira lindíssima. E o gato perguntou para o jumento.
- É aqui o paraíso?
- Eu não sei. Vamos lá pra dar uma espiada, quem sabe tem até casa pra gente morar.
E o galo.
- Com um galinheiro bem bonito.
E o gato.
- Um sofá bem macio.
E o cachorro.
- Uma almofada bem grande para eu deitar bem na porta.
E o jumento.
- Sombra e água fresca. E pouca carga.
E gritaram juntos.
- Vamos lá!
E o jumento.
- Bem de devagar, precaução é bom e nunca é demais.
A casa era grande e confortável e um pequeno clarão, suspeito, iluminava a janela. Era pequena, mas alta. Nem o jumento poderia alcançá-la. Decepcionado, o cachorro vira-se para o jumento.
- Se você fosse um cavalo árabe ou um inglês alcançaria fácil.
- Se você fosse um Pastor alemão ou um dinamarquês seria muito mais útil.
- Mas agora...
- Mas agora nada. O mundo do “se isso e aquilo” é muito grande. Se ficarmos discutimos não vamos a lugar nenhum.
Disse isso abaixando-se e pedindo que subissem. O cachorro foi o primeiro depois o gato sobre o cachorro e por ultimo o galo em cima do gato.
E quando aquela montanha de curiosos se aproximou da janela, tomaram um susto ao descobrir que eram ladrões roubando a casa, e quando eles viram aquele vulto na janela saíram apavorados, deixando para trás tudo que iriam roubar.
Entraram e se acomodaram. O jumento no tapete, o sofá ficou pro gato, a almofada que estava no chão ficou com o cachorro e o galo se empoleirou no lustre. E em meio a eles os sacos com as jóias e os aparelhos eletrônicos que os ladrões tentaram levar.
Estava tão bom que dormiram e quando acordaram tinha vasilhas com ração pra todos ao invés dos objetos e enquanto comiam não paravam de elogiar o jumento. E quando menos esperavam os donos da casa entraram felizes os chamando de heróis os levando para o caminhão e na carroceria o gato vira para o cachorro .
- Vidão! Comer, beber, dormir e agora passear.
E deram muitas vivas para o jumento. Mas a alegria durou pouco quando começaram a reconhecer o caminho de volta para casa. Tristes já se sentindo humilhados e com um fim terrível, cada um começou a ver o seu triste fim, um espanador com as penas do galo. Um banco para sentar e para comemorar, uma cantoria ao som de um pandeiro feito com couro do gato, e o cachorro enfrentaria o abandono em um canil.
Foi o passeio, mais longo de suas vidas. Observavam todo o trajeto, mas quando passaram na porteira da antiga fazenda, sentiram um calafrio ao ouvir a voz de dona Astúria.
- Gumercindo corre vem ver. Eles voltaram!
Ele veio correndo brincando e falando enquanto os acariciavam.
- Vocês não sabem a falta que fazem.
Olhando pro galo.
- Sem você para me despertar perdi a hora de ordenhar as vacas, ficamos sem leite.
E ai se virou para o jumento.
- E você, meu amigão, fez falta! Tive que carregar sozinho as coisas. Trabalhei feito um burro o dia inteiro. Agora sei como é difícil sua vida.
Pro cachorro.
- Ontem um ladrão passou por aqui correndo, ainda bem que ele não sabia que você não estava. Que susto!
Dona Astúria pega o gato.
- Vou fechar todas as frestas quero ver entrar rato pra nos incomodar. E o abraçou dizendo você fez falta naquele sofá.
Um alivio para todos eles que enfim encontraram o paraíso. Lar doce lar.
01/11/09 11:41