A FESTA NO CÉU
Welington Almeida Pinto
CERTO DIA, a Mata da Tijuca amanhece repleta de cartazes anunciando, para Sábado da Aleluia, uma grande festa no céu. A notícia empolga as aves da redondeza. Tanto que, desde a véspera do baile, nas margens da Lagoa dos Bichos, mal cabia a quantidade de pássaros interessados em tratar da plumagem. Um luxo!... Todos se banhavam para depois fazer exposição ao sol e, cuidadosamente, ordenar com o bico as penas no corpo.
Acocorado numa pedra à beira do lago, o Sapo-Cururu assistia o deslumbramento das aves, se remoendo de curiosidade.
- Dona Garça, por que esse assanhamento entre a passarada?
A ave branca, do alto de suas pernas, reclina a cabeça e responde:
- Você não leu os cartazes? Vamos para a grande festa no céu.
O Sapo incha o papo:
- Então, é isso?
- Não vale o sacrifício?
- Sim, claro – engole espuma o anfíbio, enciumado.
Antes de levantar vôo, a garça ainda gazea:
- Engraçadinho, se outro tipo de bicho pudesse ir, levaria você a tiracolo.
O sapo revira os olhos, dizendo:
- Não se acanhe, dona Garça, caso tenha vontade de ir, darei meu jeito. Dizem que quem possui padrinho cristão jamais morre pagão.
Meio desapontado, o Sapo fica ali um longo tempo cogitando melhor maneira de ir à grande festa. Por fim, imagina que o Urubu seria a melhor condução.
- Coac! Coac! Breq-qué-queeep... O bicho voa alto, é forte e não engole sapo... pelo menos vivo, eu acho.
Decidido, sai pela floresta à procura do Urubu. Depois de saltitar muito pela região, encontra a ave empoleirada num tronco seco de Angico, esquentando sol. O Sapo-Cururu chega de mansinho.
- Boa tarde, amigo Urubu.
O Urubu, com cara de papa-defuntos e pouca conversa, levanta as pálpebras, mede o mal-inclinado de cima a baixo, e resmunga:
- Huuuummmm!...
- O amigo vai à festa no céu?
- Vou.
- Tão elegante assim, vestido nesta bem engomada casaca preta, deve ser o artista que vai animar a festa com sua viola, certo?
- Certo, anfíbio. Mas, não espere convite para coaxar numa festa de aves! Sapo, nem para fazer segunda voz!
O Sapo, pela arrogância do Urubu, prefere nem tocar no assunto da carona. E conclui:
- Leve minhas lembranças aos nobres convidados.
- Que pena!... Se pudesse voar, seria uma boa oportunidade para me ver tocar de graça. - Pena mesmo! – lamenta o sapo.
- Trem bom assim, a gente não deve perder, não é?
O Urubu abre o bico num bocejo de pouco caso.
- Na volta, se tiver disposto, conto tudo a você. Agora, me dê licença, preciso voar um pouco para exercitar os músculos.
- Tudo bem - concorda o sapo, já sabendo como pegar carona até o céu.
Em pouco tempo o Urubu rodava lá nas alturas, quase encostado nas nuvens. O Sapo, matreiro como sempre, não perde tempo. Entra na casa do Urubu e salta para dentro da sua viola, encostada na parede. Fica ali quietinho, esperando o momento da partida para a festa.
No dia seguinte, mal o sol anunciava a manhã, o Urubu acorda cheio de ânimo. Espreguiça para despertar o restinho de sono e sai meio desengonçado para cozinha e devora um pedaço de carne velha, guardado na geladeira sem motor. Em seguida, agarra a viola e parte para o grande baile, levando o Sapo de carona. Sem saber, é claro.
Depois de longas horas voando, o Urubu chega ao salão de festas do céu, onde foi recebido com alegria pelos companheiros que vieram ao seu encontro.
- Espero que fez boa viagem, mestre Urubu? - quis saber o Papagaio de papo amarelo, já abrindo as asas para abraçar o músico.
- Senti a viola mais pesada, mas foi uma viagem e tanto!
Em seguida, o Urubu deixa o instrumento sobre um montinho de nuvens e lá se foi tagarelando com os amigos. O Sapo sai de mansinho e se esconde atrás de outra nuvenzinha, que enfeitava o salão de festas.
Minutos mais tarde, o baile começa. Muitos pássaros, empolgados com a melodia, correm às damas da sua espécie e entram em pares na pista de dança. O Sapo, ao ver aquela euforia toda, deixa o esconderijo e se mistura aos alados no meio do salão.
No princípio, ave nenhuma desconfia de nada, achando ser um pássaro fantasiado de sapo, até que a Seriema, naquele fogo todo, tromba com ele e percebe que era um sapo de verdade. Escandalosa, como todas as aves da família cariama cristata, pipita em alto e bom som:
-Tem sapo entre a gente.
Na mesma hora um rebuliço frenético rompe na pista. O Urubu pára de tocar, as aves param de dançar e começam a formar um circulo em volta do Sapo; umas olhando para as outras e para o intruso ao mesmo tempo, como quem não sabe se está acordado, dormindo ou sonhando.
A Perdiz, indignada, pia:
- Oh!... Oh!... que cara-de-pau!
A Gaivota, inquieta, pipila:
- Com que passaporte e com visto de quem o senhor entrou nesta festa?
A Cegonha, cheia de não-me-toques, glotera:
- Tem cabimento, bicho gosmento desse jeito no meio da gente!
Mas o Sapo, mesmo sem música, continuava pinoteando formidáveis saltos no ar, ainda entorpecido pela dança e coaxando cada vez mais alto:
- Coac! Coaaaaaaaaac! Breq-qué-queeeeepppppp.
O Urubu, com a barbela vermelha de raiva, crocita:
- Quieto, bicho dos infernos!
O anfíbio, ao ver a grande ave na sua frente, pára de dançar.
- Senhor Sapo, quero saber como veio – pergunta o Urubu mais bravo ainda.
O anfíbio cobre a cabeça de medo, enquanto a passarada ensaiava mais gestos de revolta. Assustado, ele pede clemência:
- Não deixe que me matem, mestre Urubu.
- Por enquanto, só quero saber quem o trouxe.
O Sapo não responde e começa a soluçar. O Gavião balança a cabeça, enfurecido.
- Que tal destrinchar esse pançudo, jogar pimentinha em cima e degustá-lo aqui mesmo?
Várias pássaros, ao ouvir a sugestão do falconídeo, bateram asas aplaudindo a idéia. A Saracura, percebendo que o clima esquentava entre os alados, procura acalmar os mais exaltados.
- Não é melhor deixar de lado esse trololó!... Não que eu defenda esse mequetrefe, mas estamos no céu é para divertir, não é? Já que ele veio, sabemos lá como, que fique e se divirta também. Virando-se para o músico:
- Compadre Urubu, considere meu pedido. Continue a música para a felicidade geral da nação alada.
Depois de um rápido bate-bico entre a passarada, a maioria decidiu que o baile deveria continuar, mesmo com a presença de um estranho. O Urubu volta a tocar viola, enchendo o salão com o som das paradas. O Sapo, revigorado do susto, também cai na farra dançando a noite toda no meio das aves. No final, o Urubu anuncia uma surpresa:
- Aves de meu reino, neste instante, pipocará no céu uma fantástica bateria de fogos de artifício.
Mal o Urubu acaba de falar, estoura no infinito uma roda de fogos, espalhando centelhas de luzes coloridas e brilhantes para todos os lados. Uma maravilha! Tão incandescentes que quase transformam a madrugada em dia. Mas, o Sapo, em vez de assistir o espetáculo de fogos, aproveita a distração dos pássaros para garantir a carona de volta. Sai de fininho e se arrancha, outra vez, no bojo da viola, que descansava em um canto do palco.
Ao cessar o foguetório, o Urubu se despede das aves, atrela a viola entre os dedos dos pés e, mesmo cansado, se precipita céu abaixo. Tudo ia bem quando, lá para muito mais da metade do caminho, já meio lerdo de tanto sono, quase tromba num avião teco-teco.
- Urubu azarento, sai do meu caminho – berra o aviador, assustado com imprudência do pássaro.
Roxo de vergonha, o Urubu pede desculpas ao piloto e desvia o quanto pode da aeronave. Azar para o Sapo: com o incidente, ele rebateu tanto dentro da viola que o Urubu descobriu tudo. - Com mil diabos!... Passeando às minhas custas!... Pois fique sabendo que minha viola não é condução nem sou motorista de malandro nenhum!
- Por favor, eu explico.
O Urubu, sem dó nem piedade, emborca a viola, gritando:
- Guarde as explicações para São Pedro. Ahhhhh!... Cai fora, peste! Quem planta vento, colhe tempestade!
O Sapo, em queda livre:
- Coac! Coac! Breq-qué-quep!... Bléu... Bléu... Bléu... Desta vez, se escapar, nunca mais irei a uma festa no céu.
Ao ver tanta pedra lá embaixo, arrisca até um versinho:
Pedrinhas do meu coração,
Arredam!... Arredam!... que preciso cair no fofo.
Vivo se continuar, a Deus peço perdão
E só na Lagoa faço alvoroço.
Mal acaba de declamar se esborracha no chão. Não morre, mas fica com o corpo mais achatado e a pele mais verrugosa do que antes. Ao se mirar na água da lagoa leva o maior susto com o novo uniforme.
- Ufa!... Agora só vou a uma festa se convidado. Nada de xeretagem... cada sapo no seu brejo!
E salta para a água, cantando:
- Coaaaaaaac! Coac! Breeeeeeq-qué-quep!
FBN© 2004 * A FESTA NO CÉU/Categoria: Conto Infantil – © Welington Almeida Pinto – Estória do folclore brasileiro * Script para teatro deste conto disponível no site: www.educacaoemfoco.kit.net/teatrinho
CONQUISTANDO A LINGUAGEM
Respostas em folha anexa:
A) – Você conhece outra versão da história Festa no Céu?
C) - Compare as duas. E anote o que observou de diferente.
D) - Divida o texto em quatro trechos em que o autor narra situações distintas. Escolha um deles e reescreva, acrescentando mais nomes de aves da fauna alada brasileira, participando dos diálogos.
E) - O autor insere no texto vários adágios populares. Explique, em outras palavras, o que significa cada um dentro do contexto.
F) - Assinale as palavras desconhecidas.
H) - Termos científicos. Pesquise mais sobre o significado de cada um. PARA O PROFESSOR:
Reflexão: “Quem o pão da mentira saboreia, depois a boca amarga em fel”- Rei Salomão Motivação: Converse com os alunos sobre recontar uma história. O processo tem como objetivo atualizar a linguagem, explorando de maneira positiva, novos termos e situações relacionadas com a realidade do aluno. Cite algumas frases ou palavras extraídas da linguagem, mostrando a diferença, principalmente das que definem as vozes das aves.
* Nome científico do Sapo Cururu: sarcoramphus papa
* Leia o conto em voz alta, representando dramaticamente diversas situações descritas. Mude o tom da voz e a postura do corpo para representar a fala de cada personagem. Depois, peça às crianças para ler em silêncio para depois contar, com suas palavras, o trecho mais engraçado.
* Mostre a importância e a dinâmica de um ecossistema, onde diversos tipos de vida dividem a mesma área.
* Organize jogral em classe (ver o texto adaptado para teatro no site: www.educacaoemfoco.kit.net/teatrinho). Se preferir, acrescente outros personagens, principalmente aves da fauna nacional.
** PCNs: história de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, certificada pela Diretoria de Desenvolvimento da Educação Infantil e Fundamental da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, conforme ofício nº 39/02, de 22 de janeiro de 2002.
GÊNERO: aventura.
TEMAS TRANSVERSAIS: ética: sonhos, desejos e fantasia x realidade numa sociedade fechada – relacionamento de animais de outra espécie). * Geografia * Ciências: espécies animais e vegetais do Brasil. Português: diversidades das línguas e dos costumes.
** Welington Almeida Pinto é escritor. Autor, entre outros livros, de Santos-Dumont, No Coração da Humanidade e A Saga do Pau-Brasil. Ver a relação de seus livros.
i.PÁGINAS:
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