A "INOCÊNCIA" DE UM GATO
Sou um gato muito feliz.
Não me arrependo de nada que fiz,
apesar de tudo que causei
a quem tanto amei.
A vida não foi má comigo,
apenas me deu um castigo.
Aquela jovem senhora de mim cuidou
e a morte a levou.
O advogado era um safado,
o analista um vigarista.
Todos interessados na herança,
afinal, nunca morre a esperança
de um dia enriquecer,
os problemas esquecer
e, então, sem preocupação
poder viver.
Apesar de não querer,
já era hora dela morrer,
pois não suportava vê-la sofrer.
Todo o seu corpo estava a doer
e isso dilacerava o meu ser.
Então, num dia bem cedinho,
eu ouvi um barulhinho...
Era a velha desmaiada,
toda desajeitada.
Miei por socorro
e o síndico veio louco.
Ele me odiava,
a toda hora me maltratava
e quando a velha via não deixava,
mas naquela situação,
tremendo de tensão,
o síndico me esqueceu
e saiu a gritar que ela faleceu.
Nem bem o corpo tinha endurecido
e alguns parentes já tinham aparecido.
Ficavam cochichando,
sobre a morte perguntando.
A causa da morte?
Talvez a falta de sorte.
Na verdade,
acho que foi a idade.
Mas nunca me disseram bem
como foi a ida dela pro além.
Logo após o velório a enterraram,
poucos choraram.
Confesso que fiquei triste,
mas como a morte existe,
de pronto, me conformei
e uma lágrima sequer derramei.
Acharam que eu estava com problema,
crise de existência.
Me levaram ao analista
- um patife, vigarista -
que não fazia nada para eu melhorar.
Dizia que o meu tratamento iria demorar,
para, no final de cada consulta,
mais dinheiro ganhar.
O advogado não queria se pronunciar,
disse que tinha negócios a tratar
e que não havia tempo a gastar.
Mau por natureza,
o advogado com destreza
soube disfarçar,
e o que escondia, por algum tempo,
soube guardar.
Não sei como consegui,
mas do analista fugi
e o segredo do advogado descobri.
A herança deixada pela Esperança
segue a quem realmente merece:
A mim!
Pois fui eu quem cuidou e ajudou
uma velha baguela
por um mísero canto
todos esses anos
e pela comida suja e fedida,
que já não faz mais parte
do cardápio da minha vida.
Quando o dinheiro recebi,
amigos felinos apareceram.
Quando disse que no jogo tudo perdi,
milagrosamente desapareceram,
só permanecendo os verdadeiros,
amigos e companheiros.
Para esses disse que foi engano,
que a riqueza tinha voltado,
porque no computador houve um dano
e o jogo saiu errado.
Foi isso o que aconteceu
depois que a velha morreu.
Para tristeza dos inimigos
a herança ficou comigo
e, com certeza, não divido.
Agora que sou rico,
quero a vida aproveitar,
vou abusar dos paparicos
e ficar de patas pro ar.
Não sou interesseiro,
só quero aproveitar da herança
que a velha Esperança
veio a deixar
para eu desfrutar.
Como sou um gato inteligente,
também sou independente
e, consequentemente,
muito feliz e contente.
Todos sabem que o que ganhei mereci,
por ter sido da velha capacho,
por tê-la suportado
e nunca desistir.
Até que enfim
o descanso merecido
de um trabalho dolorido
que parecia sem fim.
Modéstia parte,
meu fingimento foi uma arte.
O que almejei conquistei
e quem sabe, um dia,
eu me torne um rei.
Sou mais rico que muitos gatos,
agora é aproveitar,
curtir a vida e comandar
meu imenso reinado.
Moral da estória
é que no fim a vitória
foi do gatinho "inocente",
que sou eu claramente.
A vida após a morte
pra mim sempre foi sorte,
nunca maldição
e algum dia entenderão
>>KCOS<<