Flores
“Zé Perequeté
da cabeça de coité
(...)”
Zé sai correndo e chorando pela varanda. Era sempre assim quando o tio Raimundo vinha visitá-los. O menino mexia com a irmã Nena e o tio o fazia chorar. Uma espécie de cumplicidade havia entre os dois e o menino não entendia que era pelo simples fato da irmã ser menor que ele. De repente, Zé volta com uma flor nas mãos:
_ Quer, Nena? São de Onze- horas e eu as colhi do vaso lá perto do pé de manga...
Os olhinhos pequenos da menina assim meio achinesados alargaram um sorriso e o tio Raimundo outrora zangado com Zé deixa transparecer o brilho nas bochechas brancas.
_ Para mim? _ indagam os olhinhos.
E o menino responde: “Não enche os olhos de lágrimas, não. É só uma flor do mato, sua boba!”. O tio não se contém: “Gesto muito bonito, meu sobrinho. Ainda mais levando em conta que você saiu zangado comigo por causa de suas brincadeirinhas de mau-gosto com Nena.”. O menino sacode a cabeça e ri nos olhos do tio... Era costume isso ocorrer; e Zé bem sabia como conquistar a irmã.
“Terezinha de Jesus
levou uma queda
foi ao chão.
Acudiram três cavalheiros
Todos três chapéus na mão...
(o primeiro foi seu pai)
o segundo seu irmão...”
Uma grande alegria pulsa na menina. Ela é querida pelo irmão. Senta-se na preguiçosa e afaga os pelos do cachorro. Um raio do sol atingi-lhe os cabelos de índia. Com as flores na saia de chita florada em tons amarelos abrange com a vista o mundo a sua volta: um pássaro no pé de acerola- as folhas da árvore dançam embaladas pelo canto do animal; as bananeiras abrigam um cacho de seu fruto ainda com seu pendão; e, bem no alto, voam os urubus anunciando que é verão... Sente uma pontada no peito ao lembrar que algum animal sucumbirá ao longo estio e será alimento de outros...
Ah, as borboletas! “Borboletinha amarela, diz se existe manhã mais bela?”, pensa a menina. O chão ainda conserva a água da roupa que a mãe lavara na pedra de ardósia... E veio escorrendo por entre o rego chegando aos pés de salsa enroscados no capim. Uma borboleta quase pousa em um carrapicho- o animal pressente que o vegetal tem uma espécie de espinhos... E foge em ziguezague,... Ri a menina.
Um gato mia dentro de casa... O cachorro levanta do descanso aos pés da menina e corre em disparada atrás do felino. “Miauuuuuuuuu...”, ouve-se na manhã ensolarada e desenhada aos olhos curiosos de Nena.
“Atirei o pau no gato... to... to!”
Da cozinha a mãe grita com Zé. Um puxão de orelhas sabe-se seguido da reclamação materna, pois o menino literalmente grita.
Nena está perdida em seu mundo interior (...)
Tem um corpinho pequeno que, às vezes, quando usa seu vestido rodado e fica ao vento tem a impressão de poder voar... Quem sabe não seja uma fada e só esteja de passagem por esse mundo dos humanos? Onde será seu mundo? Haverá flores lá? Os olhinhos pequenos abraçam as que o irmão lhe dera. Amarelas. Não têm cheiro, no entanto, são repletas de uma singularidade que só as plantas nativas têm: um quê de ternura. Há um silêncio momentâneo dentro dela. Muito longe, lá numa saudade de seus seis anos, sente a imagem da madrinha que fora ser freira na cidade grande- Teresina. Recorda o barulho do trem e dos beijos que recebera na face rosada de tanto banhar ao sol nas brincadeiras de pega- pega. Uma lágrima vem brincar de escorrega em seu rosto. Ela a enxuga com as mãos que antes afagaram as flores. Morde os lábios que já tremem...
Nena olha pensativa a manhã que está se indo embora. O cachorro e o gato voltaram e estão procurando água na gamela que sua mãe usa para aparar água na hora da chuva no inverno; agora estava sendo usada para guardar a água tirada do poço. Ouve a mãe ralhar com os animais. Um cheiro de café torrado na panela de ferro vem-lhe ao olfato e então ela levanta da preguiçosa e de seu mundo interior.
Passa pelo papagaio em cima da meia-porta de madeira da sala e ao abri-la não se contém...
“Papagaio louro, do bico dourado, manda esta carta meu louro...”
O papagaio: “Pro meu namorado!”.