carola e a gata

CAROLA E A GATA

(Para Maria Cleide)

Numa noite cheia de estrelas

Enquanto no silêncio a mansão dormia

Carola resolveu visitar o sótão

Para ver as belas cores delas.

Escuro era o caminho

O relógio media as horas devagar

Dormindo sobre papéis velhos

Doutor Ianto balbuciava nomes sozinho:

Sírius, Prócion, Estrela Polar

Deneb, Vega, Altair, Beteugeuse.

Que nomes bonitos, disse Carola.

Serão de menina ou menino?

Ao lado do astrônomo, mirando

A lua metida em nuvens azuis

O telescópio criava uma sombra...

Parecia estar caminhando.

Que bobinha, pensou Carola.

Não há movimento algum

Espaço e tempo relativos-

O nosso mundo é como uma bola!

Redondos olhos negros de menina

Pararam quando notaram

Algo além que se movia,

Comprida e pequenina.

DONG DONG DONG, era o relógio.

Não conseguiu acordar o doutor.

Lá na lua é que se mexia

Uma cauda de gato, lógico!

Mas depois das badaladas

Carola, atenta ao espaço distante

Ouviu a seu lado um miado.

Olha só que interessante!

Era uma gata bem branca

Que disse, com voz franca,

Ajude-me, boa menina,

A recuperar minha cauda.

-Você veio da lua?

-De lá eu caí, sim.

-É longe?

-Muito.

-Você vive sozinha?

-O homem da lua cuida de mim.

-O que aconteceu, então?

-Não sei. Eu acordei aqui, sem cauda e sozinha,assim.

Diante daquela magia

Carola, de coração apertado,

Resolveu ajudar a gatinha,

Pois também, às vezes, sentia-se abandonada.

-Que vamos fazer, então?

-Não sei, boa menina.

Mas quando a lua sumir uma vez mais

Para lá não retornarei jamais.

-Temos, portanto, umas seis horas

Para reverter seu encanto.

-Ajude-me, boa menina,

A retornar a minha casinha.

-Conte-me desse seu dono, disse Carola.

-Ele me dá água e ração crocante

-Como vive esse homem?

-Ele areia a prata da lua

Para que fique brilhante.

Mas por vezes fica triste...

Bebe muita luz do sol refletida

E se esquece de mim, de mim olvida.

E a gata cantou uma canção:

Sinto-me assim, como direi?

Desaparelhada...

Sem cauda fico tonta,

Desequilibrada...

Mas sem amor, aos poucos,

Quem padece é meu coração.

Carola suspirou e chorou de repente.

Mil lembranças a envolveram.

Como ela se comoveu

Com a musiquinha

Da gata sem cauda e cadente.

-Pois hei de te devolver

A teu lugar de origem.

Espaço e tempo relativos...

Se nosso mundo é como uma bola

Para estar triste, amiga, não há motivos,

Ou não me chamo Luisa Carola!

Lá longe, na lua serena,

Uma cauda, como uma chama, dançava.

E nosso satélite natural girava

E tinha uma forma de foice afiada.

São daqui até lá, que maçante,

Trezentos e oitenta e quatro mil quilômetros.

-Com um risco no papel é fácil,

Atravessar o espaço num instante.

Quando Carola era pequena

Dizem que seu pai partiu numa expedição

Para encontrar o teto do mundo...

Sozinho subiu com um grande balão

Não foi visto na terra desde então.

E a menina vivia na casa

Do doutor Ianto, que mais ouvia

Estrelas que gente no dia-a-dia.

Por isso em alguns momentos cansava:

Queria brincar com alguém da mansão.

Mas era tão chato que até os ratos

Tinham ido embora, para Paris

Onde há muito queijo e

Se pode, certamente, ser feliz.

Não se podia apelar

Nem para Ghost, o último fantasma,

Que era muito vil- pegou o trem

Para Canterville.

Que dilema! As lágrimas corriam.

A gata e a menina se abraçaram.

O desalmado relógio bateu duas vezes vezes duas

E nada da solução pro problema.

Como aquele principezinho

Que voltar queria pra sua rosa e planeta

Felina e menina de novo queriam

Tão somente um carinhozinho.

Para encurtar nossa história,

Lá mesmo elas adormeceram.

Com o sono vem o róseo Sonho

E Carola, que muitos livros lera

Em suas temporadas de solidão,

Lembrou-se a sonhar do narigão

De um tal de Savinien Cyrano

Que para a lua ascendera

Montado nas gotas de orvalho

Subindo quando o sol nascera:

Pegou no colo a gatinha

E com toda coragem que tinha,

Olhou lá pra baixo-

Esqueci de dizer, leitor,

Que a mansão se erguia

No alto de um precipício-

Pulou, e à medida que caía

Pisava no vapor d’água que havia.

Quanto mais o sol tinha esplendor

Mais rápido era o elevador.

Desapareciam as estrelinhas

Mas a lua se aproximava

E uma escada de nuvens se formava.

Carola acenava para o mundo

Que cada vez mais se ocultava

As luzes da cidade

Já tinham ficado no fundo.

Aquele barco no oceano

Não era mais que um pontinho.

As ondas pareciam um pano

Tecido com seda azul

Dava para ver o Himalaia

E a Grande Muralha ao sul.

Aqui eu pergunto, se você conheceu

A lenda do velho Preste João

Que do cálice de Jesus bebeu

E com um grande balão

Na lunar vastidão voi morar

Guardando bem o segredo

Que o amor vence a dor e o medo.

Carola e a gatinha estavam tão alto

Que Ícaro ficou invejoso

O ar estava acabando

O sol majestoso, queimando.

E o nosso mundo é como uma bola

Silenciosa sob os pés de Carola.

Grande a lua se aproxima,

Enorme lâmina parada.

A gatinha e a menina fecham os olhos

Para ver melhor a aterrisagem

Ou melhor, diria o doutor Ianto,

Alunissagem.

Foi uma queda atrapalhada...

Nossa história teve um fim

Tão doce quanto um conto-de-fada:

Doutor Ianto era um dos Reis Magos,

E Carola descobriu, então,

Que era filha do Preste João,

Que enviara do céu a gatinha

Para recuperar o que de mais precioso tinha.