Os irmãos Carcará
Carcarazinho nasceu e olhou para o céu muito azul e brilhante no mesmo instante em que uma sombra escura se agigantou acima e despencou sobre sua cabeça como se fosse um trovão. Antes mesmo que ele descobrisse o que havia acontecido, nova aguilhoada se abateu sobre seu crânio, em seguida outra e mais outra, de modo que o pobre nada conseguia fazer a não ser se encolher com o intuito de ganhar tempo e tentar entender a origem daquele flagelo, mas uma dúzia de pancadas dolorosas o convenceu de que era imperioso tomar uma atitude, então, se encheu de brios e, num rompante heróico, se ergueu até se colocar em posição de revidar os ataques. Nesse instante percebeu que a criatura que o açoitava com bicadas poderosíssimas era sua malfadada irmã; o pequeno então, corajosamente, posicionou-se para a luta, preparou uma esquiva, armou-se para o contragolpe, mas mesmo assim recebeu tremenda bordoada que uma vez mais o desnorteou, mas não o abateu, na próxima estaria mais preparado; foi com esse espírito que recebeu nova contundente lambada, e outra e mais outra, golpes que doíam, mas não lhe aquebrantavam o espírito, mesmo assim ia cedendo espaço enquanto tentava se esquivar do poderoso bico, até se encontrar na beirada do ninho e, com o rabo do olho, ver o chão muito lá embaixo, o que o apavorou fazendo-o contragolpear desesperadamente, mas em vão e então, talvez por milagre, ou pela força do desespero, conseguiu bicar sua endemoniada irmã, e o fez com vontade! Cravou-lhe o bico entre a asa e o corpo com decisão, e ali o prendeu, enquanto mantinha o rabo do olho voltado para o chão duro e distante. A colossal irmã sentiu o golpe do pequenino, e ficou iradíssima com sua petulância, o que a levou a bicá-lo com redobrado ímpeto, empurrando-o até fora do ninho e o espicaçando seguidamente e sem trégua. Ao mais jovem, ainda de olho lá embaixo, e à beira do pânico, só lhe restou cravar o bico com ainda mais intensidade, tão maior quanto seu próprio medo. Indignadíssima com tamanha petulância em criatura tão diminuta, a irmã passou a bater com todo o seu ódio, aumentando o medo do pequeno que lhe aferrolhava o bico com maior tenacidade, atiçando a ira da irmã...
Em meio à contenda despropositada que parecia querer superar todos os limites, uma leve brisa foi suficiente para soprar os dois irmãos fora do ninho, e enquanto caíam, ainda grudados um no outro, os dois só desejaram que o chão fosse de fato bem duro para que tudo acontecesse de um modo bem rápido.
Moral da história: em briga de irmão até presidente da república sai perdendo!