O NOME FAZ O BICHO?
Um javali vivia muito triste. Um dia, quando ele afiava as presas no tronco de uma árvore, um leão lhe perguntou:
- Amigo, por que vive tão triste? Você não participa das conversas nem das festas da bicharada. Sabe que, mesmo destruindo a erva e sujando a água do rio onde todos bebem, nós gostamos de você. Queríamos que fosse mais sociável.
- Amigo, a minha tristeza tem uma razão. – disse o javali.
- E qual é essa razão? – perguntou o leão.
- É o meu nome. – respondeu.
- O nome?! Por quê?! – perguntou admirado o leão.
- Sim, meu nome. Veja bem: eu sou javali, e se eu já vali agora eu não valho nada. Isso me deixa triste, muito triste.
E se pôs a chorar. O leão, sem saber como consolar o chorão, saiu-se com essa:
- Bem, isso não é caso para taaaantas lágrimas. O seu nome é um acidente, veja por este ângulo. Um dia deu um tremor no mundo das palavras sacudindo e misturando tudo. Foi neste momento que o advérbio já, espertinho, aproveitou para se unir ao descuidado verbo vali e formou este belo nome: JAVALI - símbolo de força e esperteza.
- Você acha amigo leão?
- Claro! O nome é importante, mas o bicho é muito mais. Se o nome fosse mais importante, como viveria o pássaro condor? Levaria toda a sua vida chorando com dor? Tadinho! E o tigre de bengala? Esse andaria manquitolando, não teria aquela incrível velocidade. E o pássaro Sofrê? Esse nem teria forças para voar de tanto sofrer. E a Sofia, aquela pescada de água doce que vive no Rio São Francisco? Seu nome a deixaria confusa. Seria tão pobre porque ela só fia, ou então seria tecelã: ela só fia (não faz outra coisa senão fiar). Então, meu caro amigo, na minha concepção não é o nome que faz o bicho, é o bicho que faz o nome. Olhe a beleza do lugar onde vive, sinta o ar puro, jogue fora a tristeza porque a natureza cura todos os males como disse Camões nos seus versos:
"Quem da doença real
De longe enfermo se sente
Por segredo natural
Fica são vendo somente
Um volátil animal".
- Enxugue as suas lágrimas, amigo javali, venha comigo, vamos viver a vida porque ela é bela.
E lá se foram os dois animais, conversando sobre a vida e seus contrastes, para o meio da floresta.
02/04/06.
(histórias que contava para o meu neto)