A fábula dos papagaios e araras

Viviam papagaios e araras de uma maneira barulhenta e insana: uma arara gritava “grararara” iniciando estrepitoso coro contestado pela palrice de dezenas de papagaios a lhes responderem estrondosamente: “crécrécré”, grito logo contraditado pelas barulhentas araras que retrucavam em alvoroço: “bróróbróbrrrrró”!, protestado enfaticamente por rumorosos “dridridris”, ou “trutrutrus” e tantos outros trunfos de verborragia.

De certa feita, atormentado com a algazarra sem fim, um ser inteligente que vivia por perto decidiu acabar com o bulício; chamou os barulhentos pássaros, ensinou-lhes umas palavras, presenteou-lhes com cartilhas e os instruiu do seguinte modo, disse-lhes:

— As palavras designam coisas, assim sendo, quando encontrarem algo pronunciem o seu nome e evitem a balbúrdia vã e irritante de matraquear a esmo; tentem falar apenas coisas inteligentes, e só contradigam uns aos outros quando tiverem certeza do erro alheio.

Papagaios e araras ouviram tudo com muita atenção, e durante breve instante se assemelharam a corujas; pensaram muito a respeito de tudo aquilo, leram com muito zelo toda a cartilha e decidiram aceitar o desafio e mudar o comportamento. No dia seguinte pela manhã, como de costume, todos se encontraram e logo uma arara apontou para uma árvore e pronunciou: — árvore, e todos repetiram. Passados alguns minutos, um papagaio segurou uma fruta e falou: — manga, e muitos repetiram, em seguida alguém disse: — tangerina, e alguns repetiram sem entusiasmo.

Depois disso mergulharam em triste e profundo silêncio, pareciam muito pensativos, mas ao mesmo tempo melancólicos e apáticos; permaneceram assim, muitíssimo amofinados, por algumas horas, até que um papagaio segurando um abacaxi enunciou: — mamão. Foi uma celeuma! As araras lhe corrigiram imediatamente, e num alvoroço inaudito, gritando sem parar: abacaxi, abacaxi! Mas tamanho alarido não intimidou os papagaios, que após brevíssimo momento de indecisão alardearam primeiramente em uníssono: — banana, banana, acarretando justa indignação entre as araras que então se esganiçaram ainda mais, agitando corpos e asas aos brados repetidos sem parar: — abacaxi, abacaxi. Mas nem todo empenho das araras foi suficiente para dissuadir os papagaios que passaram a esbravejar a esmo, bramindo um: — laranja, carambola, enquanto outro estrondava com voz ainda mais aguda: — pitanga, morango, pitomba... em seguida outro já emendava: leão, javali, mas foi quando algum deles apregoou muito claramente: — cadela, vaca, que as araras se indignaram verdadeiramente, excitando-se além dos limites, a tal ponto de não conseguirem mais pronunciar o que pretendiam vociferando: — abacabaca, caxicaxi, xicabaca e toda uma profusão de disparates sem nenhum sentido, o que alimentava ainda mais o desejo dos papagaios de incrementar a balbúrdia insensata que parecia a essa altura conturbar o mundo inteiro; com um misto de riso e raiva os papagaios já não conseguiam emitir nenhum som coerente e nem se interessavam por isso almejando apenas avultar a barafunda até as raias da insanidade, o que deve ter conturbado suas mentes do mesmo modo que as das araras que a essa altura só conseguiam vozear uma zoada desconexa e grarararagrás, brobróbrós, e criririrriris, mas com tudo isso, não demonstravam mais a prostração dos momentos silenciosos e pareciam mesmo se deleitar com o nefasto escarcéu.

E é por isso que ainda hoje, por onde quer que andem, os seres inteligentes ouvem sempre a mesma palrice vazia, disparatada e barulhenta.