O reformador do mundo e a beata cândida, uma fábula

Havia um macaco muito chato para quem todas as coisas estavam erradas e não se cansava de criticar tudo o que via; se encontrava uma doninha, criticava-lhe a agitação constante, mas se via uma preguiça, já lhe apontava a inércia; deparava-se com um urso e lhe condenava a curiosidade, para apontar a ausência dela no burro; e assim era com todas as coisas, para ele tudo estava errado.

Certo dia, quando caminhava pelos arredores de onde morava, encontrou uma bela macaca beata e muito cândida, para quem, em oposição ao que ele pensava, todas as coisas se encontravam na mais perfeita ordem. Enquanto caminhavam, como não podia ser diferente, o chato começou a reclamar, dizia:

— Veja como todas as coisas estão erradas: esse imenso pé de jamelão dá as minúsculas frutinhas que lhe pendem dos ramos, enquanto essa reles planta rasteira dá as enormes abóboras que vemos; é muito óbvio que tudo isso está errado, que a planta nanica aos nossos pés deveria dar frutos tão acanhados quanto ela mesma, enquanto uma árvore alta como essa que nos sombreia tinha que ostentá-los imensos, do tamanho das abóboras deitadas aqui no chão.

Tão logo o chato terminou sua frase, enquanto ainda olhava para o alto apontando o que dizia, um jamelão pulou-lhe bem no nariz, causando-lhe um momentâneo espanto que não passou despercebido à cândida beata que o acompanhava calada até então; aproveitando a deixa sugerida pela própria natureza, tratou de engatar sua conversa usual, tão oposta à do chato, que consistia em justificar todas as coisas atribuindo-lhes a mais completa perfeição, falou:

— Imagine o transtorno que teria sido se em vez da frutinha, uma imensa abóbora lhe tivesse amassado o nariz. Bem ao contrário do que você diz, todas as coisas foram planejadas com enorme sabedoria pela maior de todas as mentes, a do Criador, e é por isso que estão na mais perfeita ordem, constituindo o melhor de todos os mundos que poderiam ter sido imaginados. Olhe bem ao redor e se maravilhe com a exatidão que permeia todas as coisas, veja como tudo se encaixa e se encontra em impecável harmonia; qualquer mudança que ocorresse só viria a corromper a perfeição absoluta de tudo o que nos cerca.

Pareceria que o nosso chato fosse se insurgir contra a fortíssima argumentação da beata, mas talvez tenha sido o choque causado pela inusitada queda da frutinha, ou terá sido a extrema candura da fala, dos gestos, do olhar, e de toda ela, a macaca, que o amoleceu e o adoçou de maneira inaudita, seja como for, com o olhar dulcíssimo agitou mansamente a cabeça sinalizando concordar com a beata, tomou-lhe uma das mãos, e juntos procuraram a árvore mais alta ao redor e assim, enamorados e cientes da completa perfeição do mundo, foram se deitar sob uma jaqueira altíssima e carregada de magníficos frutos!