Flavinho Fernandes na Terra do "Efe"
Flavinho é um menino muito estudioso e aplicado. Ele já está aprendendo a ler e escrever e gosta muito das letras. Seu caderno de caligrafia é mesmo bem limpo e caprichado. Um dia, porém, tia Márcia foi conferir suas lições e encontrou um probleminha: A letra “F”. Todas as outras estavam lindas, muito bem feitas, mas o “F” estava torto e invertido.
Para tentar resolver o problema, tia Márcia pediu para que Flavinho fizesse uma folha inteira de seu caderno apenas com a letra “F”.
Então, Flavinho ficou aquela tarde toda treinando o “F”. Cada tentativa era uma decepção: Uma hora saía de cabeça para baixo... Outra com uma das “perninhas” para o lado errado...
“Puxa! Desse jeito não vou poder escrever nem meu nome!”
O “F” foi ficando cada vez mais feio e Flavinho, frustrado e furioso.
Naquela noite, foi dormir exausto e triste.
Estava tão preocupado que até o balãozinho do sono tinha letras “F” no lugar de “Z”...
De repente ouviu uma voz:
- Ei, Flavinho... Flavinho...
- O quê? Quem está me chamando? Perguntou meio atordoado.
- Sou eu, Frederico Flores...
- Mas... Quem é você? O quê está fazendo no meu quarto?... Esfregou os olhos e viu um menino do seu tamanho, que parecia muito simpático. Viu também, ao lado de sua cama, um tipo de foguete espacial, todo luminoso.
- Calma... Eu venho da Terra do “Efe” e preciso da sua ajuda.
- Terra do “Efe”? Onde é isso?
- Se você vier comigo em meu foguete, posso explicar tudo no caminho.
Apesar de sentir um pouco de medo, Flavinho quis encarar a aventura.
No interior da nave, Frederico apertou um botão numa espécie de rádio e falou:
- Atenção, atenção base fox... Terra do “Efe”, foguete F-2 pedindo autorização para decolar...
- Autorizado, respondeu uma voz mecânica.
- Fique tranqüilo, Flavinho, a viagem é rápida.
Durante o silencioso vôo, o novo amigo de Flavinho foi contando toda a sua história:
- Deixe-me explicar a situação: Meu nome é Frederico Ferreira Flores, minha mãe é Florinda Florentina Ferreira Flores e meu pai é Floriano Francisco Ferreira Flores, mais conhecido como Financiador Floriano. Vivemos na Terra do “Efe”, onde a atividade principal é a fabricação das letras “F”. Acontece que meu pai, há algum tempo, parou de financiar a fábrica e agora ela está correndo risco de falir e fechar.
Flavinho ouvia com atenção, mas não estava entendendo muito bem. O quê, afinal, ele teria a ver com isso? E por que o Financiador Floriano havia parado de financiar a produção dos “efes”?
Frederico continuou:
- Meu pai deixou de financiar a fábrica porque está triste e deprimido. Ele ficou desse jeito desde que o maestro Firmino Fagundes encerrou as atividades da Fanfarra Filarmônica de Flautas, Flautins e Fagotes.
Flavinho ainda estava tentando entender o quê ele teria a ver com tudo isso, quando Frederico anunciou:
- Chegamos. Eis a Terra do “Efe”!
Era um lugar bonito. Uma cidade moderna e organizada.
- Venha, disse Frederico, vou levá-lo para conhecer a Fábrica de “Efes”.
Chegaram ao imponente e moderno prédio. Frederico levou Flavinho para ver todos os departamentos.
A recepção...
O departamento pessoal...
A diretoria...
E a linha de montagem.
O chefe da linha de montagem veio conversar com eles:
- Olá, Sr. Frederico, que bom que o Sr. apareceu...
- Olá, Sr. Feliz, este é meu amigo Flavinho Fernandes. Flavinho, este é o Sr. Felisberto Feliz, o chefe da linha de montagem.
Cumprimentaram-se com simpatia. Depois o Sr. Feliz, que não estava com uma aparência tão feliz assim, comentou:
- O Sr. sabe que estamos passando por uma séria crise. Se a situação não se normalizar logo, vamos ter que encerrar a produção dos “efes”.
- Fique calmo, Sr. Feliz, eu tenho planos para fazer com que meu pai volte a financiar a fábrica. Flavinho vai me ajudar...
Flavinho fez uma tremenda cara de dúvida:
- Mas ajudar como? Eu ainda nem entendi direito o que está acontecendo...
Frederico puxou o amigo pelo braço e saíram apressadamente:
- Venha, no caminho eu explico tudo.
“Ele sempre explica tudo no caminho” – pensou Flavinho.
- O que temos que fazer agora, continuou Frederico, é encontrar o maestro Firmino Fagundes e convencê-lo a fazer com que a Fanfarra Filarmônica de Flautas, Flautins e Fagotes volte a tocar sua música.
Chegaram ao Grande Teatro Filarmônico. O maestro estava no meio do palco, sozinho com sua batuta, sentado em uma cadeira. Parecia muito triste e desolado. Os meninos aproximaram-se devagar.
Frederico falou baixinho:
- Bom dia, Sr. maestro, podemos falar com o senhor?
- Olá, Sr. Frederico, vejo que tem um novo amigo...
- Ah, sim, Sr. maestro, este é meu amigo Flavinho Fernandes.
- Muito prazer, Flavinho... Mas, digam, o que os traz aqui?
- Soube que o Sr. interrompeu as atividades da Fanfarra Filarmônica, disse Frederico.
- Ah, respondeu o maestro, é um pouco difícil falar disso, mas é que não venho me sentindo muito bem. Não tenho mais disposição para compor e reger a Fanfarra. Vocês sabem que tudo aqui nesta terra funciona em função da Fábrica de “Efes”, por isso me sinto um pouco deslocado. Na verdade, parece que meu trabalho não tem a menor importância por aqui.
- Sr. maestro, replicou Frederico, isso que o Sr. está dizendo é um grande absurdo. O seu trabalho é fundamental. O Sr. sabe que meu pai, o Financiador Floriano, parou de financiar a Fábrica por sentir falta da sua música.
- Sim, eu sei, mas isso não faz diferença, todos aqui já temos “efes” suficientes.
- Pois é agora que eu vou provar como seu trabalho é importante, Sr. maestro – e, voltando-se para Flavinho, continuou:
- Flavinho, finalmente você vai entender porque fui buscá-lo e como a sua ajuda será preciosa.
Flavinho apenas baixou um pouco as sobrancelhas, em expressão de maior dúvida ainda. “Agora que já estou aqui, o jeito é ver no que vai dar essa história” – pensou.
Dirigindo-se novamente ao maestro, Frederico falou:
- O Sr. pode ceder-nos um desses papéis e o seu lápis, por favor?
- Claro.
Então, Frederico pegou uma folha de papel e o lápis e os entregou a Flavinho:
- Por gentileza, Flavinho, escreva uma letra “F”.
Flavinho, meio preocupado, desenhou um “F” todo torto e tremido. O maestro observava calado.
- Você poderia tentar novamente, Flavinho? pediu Frederico.
Flavinho fez outro “F” mais feio ainda que o primeiro, torto, tremido e invertido.
- Mas isso não parece um “F” nem de longe, comentou o maestro.
Frederico concluiu categórico:
- Aí está, Sr. maestro, o “F” pode não ser problema para nós, que vivemos aqui na Terra do “Efe”, mas, lá na terra do meu amigo Flavinho, milhões e milhões de meninos e meninas dependem do nosso trabalho. Se a Fábrica parar definitivamente, essas crianças jamais poderão aprender a ler e escrever corretamente. Já pensou como seria a vida dessas pessoas sem o “F” de Felicidade? De Fantasia?... De Fraternidade? Somos uma pequena peça de uma grande máquina. Se falharmos, a máquina deixará de funcionar, será um caos.
- Puxa! E tudo isso depende da minha música?
- Justamente.
O maestro levantou-se da cadeira num pulo e falou:
- Se vocês vieram aqui para me convencer a voltar ao trabalho, conseguiram. Eu realmente não tinha idéia do quanto ele é importante. Vou convocar imediatamente todos os músicos da Fanfarra Filarmônica de Flautas, Flautins e Fagotes para uma grande audição daqui a duas horas. Vocês são meus convidados especiais.
Frederico pegou Flavinho novamente pelo braço e saíram do teatro apressadamente:
- Venha, Flavinho, vamos logo.
- Já sei. Você vai explicar tudo no caminho.
- Não. Acho que agora você já está entendendo tudo. Vamos à minha casa. Temos que dar a boa notícia ao meu pai.
Logo que avistou a casa de Frederico, Flavinho ficou impressionado: “Mas isso é um castelo” – pensou. Quis perguntar ao amigo se ele era algum tipo de príncipe, mas Frederico estava muito entusiasmado e ansioso para ver o pai. Achou melhor deixar as perguntas para depois.
Ao entrarem, foram recebidos por um senhor vestido de mordomo. Frederico falou afoito:
- Olá, Sr. Francis.
- Bom dia, Sr. Frederico.
- Este é meu amigo Flavinho Fernandes.
- Muito prazer, Sr. Flavinho Fernandes.
Flavinho respondeu com um gesto de cabeça.
- Cadê meu pai?
- Neste momento o Sr. seu pai encontra-se na biblioteca, Sr. Frederico.
- Vamos, Flavinho.
Atravessaram o extenso saguão, subiram uma escada de mármore e chegaram a porta da biblioteca. Uma enorme porta de madeira polida, com maçanetas douradas, estampada com um lindo brasão. No brasão, um grande “F” também dourado, provavelmente de ouro.
Frederico bateu à porta e foi entrando. Flavinho conheceu finalmente o Financiador Floriano. O homem tinha jeito de Rei mesmo, mas parecia triste na imensidão de sua biblioteca.
- Sr. meu pai, trago ótimas notícias: A Fanfarra Filarmônica voltará a tocar. Haverá um grande concerto no teatro, daqui a pouco.
O Financiador Floriano voltou a sorrir. Seus olhos brilhavam de felicidade:
- Mas esta é a melhor notícia dos últimos tempos! Vou mandar divulgar para toda a cidade. Darei também uma grande festa aqui no palácio, após a apresentação da Fanfarra. E quero a presença de todos os funcionários da Fábrica de “Efes”!
Flavinho teve a honra de assistir ao concerto no camarote principal do teatro, acompanhado de seu amigo Frederico, do Financiador Floriano e sua esposa, D. Florinda. Na platéia, lotada, estavam algumas pessoas já conhecidas de Flavinho: Funcionários e diretores da Fábrica, além do chefe da montagem, Felisberto Feliz, que, desta vez, parecia feliz mesmo.
Os músicos, trajados à rigor, e o maestro Firmino Fagundes, vestindo seu impecável fraque, fizeram a melhor apresentação da história da Fanfarra. Ao final do concerto, o Financiador Floriano presenteou o maestro com uma linda batuta de ouro.
Mais tarde, durante a festa no palácio, o Financiador Floriano fez um belo discurso a todos os convidados. Depois reuniu toda a diretoria da Fábrica e anunciou:
- Graças a perspicácia de meu filho Frederico e a ajuda de seu amigo Flavinho, posso agora voltar a financiar a Fábrica. Quero ver a produção de “efes” à todo vapor. Mãos à obra, homens!
E todos ergueram um brinde.
Flavinho aproximou-se de Frederico e disse:
- Bem, amigo, acho que já está na hora de você me levar de volta para minha casa, mas, antes, gostaria de fazer algumas perguntas. Talvez você possa me explicar tudo no caminho.
- Frederico riu com toda sua simpatia, e disse:
- O que você quer saber, meu amigo? Talvez eu possa explicar tudo agora mesmo.
- Bem, eu notei que todas as pessoas aqui o tratam por senhor, desde as mais humildes até as mais poderosas e influentes. Além disso, você vive num castelo, tem criados... Seu pai tem porte de Rei e sua mãe de Rainha. Também notei que o seu jeito de falar e de agir é de alguém que tem uma educação impecável, como um Príncipe. O que quero saber é isto: Seu pai é o Rei, sua mãe, a Rainha, e você é o Príncipe desta terra, não é?
- Digamos que você é muito observador... Mas não é com esses títulos que nos consideramos. Meu pai é o Financiador porque herdou o cargo de meu avô e este de meu bisavô. As coisas são assim por aqui. Quando me tornar adulto serei eu o Financiador, por isso devo ter, desde muito cedo, a noção exata das responsabilidades.
- Pois lá na minha terra, pela sua nobreza de atitudes e pela forma com que salvou a Fábrica de “Efes”, além de Príncipe, você seria também um herói.
- Pode ser, mas sem a sua ajuda não teria conseguido nada disso... Aliás, gostaria de lhe dar um presente. Por favor, aceite esta pequena lembrança como forma de gratidão e pela nossa amizade.
Frederico entregou a Flavinho um lindo medalhão. Era um brasão igualzinho àquele que tinha visto na porta da biblioteca.
- Puxa, amigo, muito obrigado. É realmente lindo. Bem, agora tenho que ir, mas não estou vendo o seu foguete... foguete... f o g u e t...
Flavinho acordou assustado. Estava em sua cama. “Será que foi tudo um sonho?” Ao levantar-se, percebeu que segurava algo. Era um lindo medalhão. Um tipo de brasão com um belo “F” no meio. Parecia de ouro.
Correu para a mesa, pegou o caderno de caligrafia e o lápis. “Vamos lá, Flavinho, você consegue” – pensou. Tremia um pouco de ansiedade, mas começou a escrever os “efes” mais perfeitos e lindos que já tinha visto. Fez uma página inteira e já estava na segunda quando sua mãe entrou no quarto:
- Bom dia, Flavinho, vá se trocar logo, ou vamos chegar atrasados na escola.
O menino parecia um corisco. Voou para o banheiro, lavou-se, escovou os dentes, penteou os cabelos, correu de volta para o quarto, vestiu o uniforme, arrumou a mochila...
A mãe comentou:
- Puxa, você acordou esperto hoje, hein filho... mas não vá esquecer seu caderno de caligrafia... ei, o que é isso? Onde você arranjou este medalhão?
- Vamos indo, mamãe, eu explico tudo no caminho...