Pintado
“Pintado”
Do tamanho que sou, com no máximo um metro de comprimento, incluindo a minha cauda, nunca conseguirei capturar um pintado. Ele tem –os maiores- quase dois metros e cem quilos de peso. Mas isso não me impede de ser fã desse peixão lindo e que no fundo dos rios parece um mosaico de pintas pequenas, arredondadas, pretinhas, algumas ovaladas, começando na barbatana espinhuda dorsal e terminando até depois das barbatanas-também pintadas e com ferrão – laterais.
Por falar em espinho hoje estou numa coceira doida porque este pau-cascudo, o tatané ou tataré; machuca demais. Se não fosse essa vagem em forma de rabo de porco que vem em outubro depois das flores, eu nem subia nela. Parece que sou ignorante, mas não, é só proteção. Ou então o caçador me pega pra fazer chapéu.
O pintado é piscívoro, come cascudinhos, tuviras, peixes brancos (lambari, piau, curimbatãs) e tudo que há no leito arenoso dos rios. Seus longos barbilhões, aquela bigodeira sensitiva, ficam perscrutando o tempo todo. Ele é noturno. Da cabeça achatada, as costas acinzentadas que vem clareando – assim que meio degradée – até o barrigão branco e fofinho.
Seus primos são muito semelhantes. O cachara e o caparari. Com a convivência, até dos amigos, todo nós ficamos parecidos, normal... Entretanto há diferenças de tamanho e manchas. O pintado, também apelidado de surubim, é o maior e só tem as pintinhas. O cachara apresenta umas listras verticais e é menor, máximo um metro e trinta quilos. E apesar de todos terem a cabeça achatada e o corpo idem, o caparari a testa é mais ainda e seus desenhos são tigrados, apresentam umas ramificações... Viu? Entendeu? O tamanho dele –o caparari- é intermediário entre os dois, o surubim e o cachara.
Mas vai entrar na calha dos rios, penetrar nos lagos, nas matas inundadas. É difícil diferenciar. Assim de noitinha, o pintado encosta no barranco para caçar. Ou então ele fica no corixo, que é a conexão entre o lago e o rio. Todo mundo sabe...
Agora o que não sabem é uma que aconteceu comigo e eu pensei que ia morrer. Distraída, escorreguei do ingá depois de assustar com a gritaria de uns papagaios e periquitos e caí no rio. Por sorte foi em cima de um camalote – calma, eu explico, é um bolo de plantas aquáticas que fica flutuando - e debaixo dele juntou um monte de peixinhos comendo o fruto branco e doce do ingá. Aí chegou o cardume de pintados com uma fome danada. Eu tremi.
Pensei nas minhas irmãs, geralmente somos de três a cinco a cada ninhada, pensei nos meus poucos amigos. Pensei nas grosserias que andei fazendo. E um pintadão subiu e como todo peixe de couro, deu aquela bufada na minha cara. Era seca de setembro. Saltei num galho e me safei. Por que é que só na hora do aperto é que a gente lembra-se das besteiras e dos parentes e amigos queridos que já irritamos?
JB Alencastro