Matrinxã
“Matrinxã”
Subi num pé de bacupari cheio de ninhos. Quebrei uns dois ovos e chupei, nem melei os dedos. Sou boa nisso. Aliás, sou ótima em tudo. Basta treinar que eu faço. Agora entre novembro e janeiro os frutos caem, já meio amarelos por dentro. Lá embaixo juntou um cardume de pacus e eles estão se fartando. E no meio deles passaram uns torpedos velozes e prateados. São matrinxãs. Peixe de escamas e espinhas fartas.
Matrinxã come coquinho, também. Sempre que estou na sombrinha boa dessas árvores de beira de rio eu as vejo passando em alta velocidade. Com um perfil superior levemente arqueado, e o inferior bem redondinho. As costas são escuras e o rabo preto. Parece um lambari gigante. Alguns têm até uma nadadeira laranja. Dá pra ver na água clara. São grandes, os maiores alcançam uns 70 cm e pesam até quatro quilos e meio.
Quero até ver alguém dar conta de pescar. Na água alta comem frutos, flores, sementes e alguns carrapatinhos, na baixa ficam com outros peixes, caranguejos e até caramujos. Papam muito mesmo, mas a fome reduz quando migram para desova.
Acontece uma coisa louca quando nascem as microscópicas larvas. Nos primeiros cinco dias, mesmo medindo no máximo cinco mm, elas devoram suas irmãs. Mais de 90% morrem. A única vez que isso diminuiu - esse canibalismo feroz - foi quando moraram numa água bem azul. Acalmaram. Depois de duas semanas esse festim macabro acaba. Aí num ambiente de algas verdes e capim idem, o crescimento fica muito acelerado. Ainda bem, né? Imagina essa boca pequena, de maxila inferior pra frente e com aquela fileira cheia de dentes de triturar semente mordendo um ao outro?
Novamente o pescador em cima do barranco joga sua isca para o matrinxã. Ele procura o peixe nos seus abrigos de pedras, nas galhadas de árvores mortas e nos troncos caídos. Lançou o anzol. O matrinxã voraz como é, foi rapidão no anzol. Deu aquele pulão, como flash de fotografia, e saiu nadando em direção contrária. Levou a isca para cima e deu uma cambalhota tão magnífica que o anzol desprendeu e veio direto na cara do pescador. Morri de rir. Não machucou, mas serviu de lição, o susto.
Deu até para ver sua linha lateral, aquelas escamas perfuradas do lado da mancha umeral dele. Essa linha é que é responsável pelo grande desempenho aquático, pois seus receptores - ligados ao seu sistema nervoso - sentem a vibração dos outros peixes, de tudo que estiver movimentando n’água. Como se fosse um sexto sentido. Eu por exemplo sinto quando me pegam na nuca e finjo de morto igual ao gambá. E você; sabe sentir quando é hora de sair de fininho, fingir de morto ou escapar como o matrinxã, mesmo fisgado?
JB Alencastro