Jaú

“Jaú”

Na minha sanha de viver em um lugar bonito e tranqüilo, viajei muito. Pela minha natural inconstância, nunca parei. Contudo existe um remanso, um poção feito no pé da cachoeira, onde no fundo só tem canela-do-córrego, com florezinhas brancas miúdas lotadas de abelhas, casca cheirosa e frutinha em baga, formando uma moldura. Lá na pedraria profunda habita o velho verdão. E eu só de olho, no bichão. É um jaú.

Ele é um bagre gigantesco. Os estudiosos falam que é o segundo maior de todos os peixes de couro do Brasil. Medem até um metro e meio e pesam mais de cem quilos! Mas o velho verdão tem 177 cm e cento e quarenta quilos! Sua bocarra descomunal é capaz de engolir um curimatã inteirinho, ali; na corredeira, com seu corpo roliço redondo, cabeçorra achatada e com aquela cor pardo-esverdeada, ele é o rei.

Na cheia e médio vazantes ele está lá e vou lhes contar uma história incrível que testemunhei. Lá da praia das corvinas saí. Os pescadores deram a volta na queda d’água e colocaram o barquinho ali no meio. Eles sabem que o jaú nem liga pra chuva, sol ou o que estiver rolando. Sabem que ele também desova e abandona os ovos e nem cuida dos filhotes, nesse período migratório.

Então, o velho verdão teria de estar lá. Ficaram até de noite e nada, até que esmagaram a cabeça de um bagre e fisgaram no anzol. Haviam tentado com minhocoçu, piau vivo, o diabo. O óleo do bagre atraiu o jaú. Ferraram o velho verdão. Ele puxou a canoa com os dois otários lá dentro. Entocou-se nas tocas de pedra do fundo e ali ficou. Da meia-noite até as quatro foi essa luta titânica. Tinha hora que ele saía na correnteza e voltava. O barquinho quase emborcava.

De repente, não mais do que de repente, o jaú pré-histórico, um museu ambulante, subiu velozmente até a tona. Ele até mudou de cor, ficou preto e de perto vi que tinhas umas pintinhas. Igual aos mais novos. Deu uma bufada fenomenal na cara dos sujeitos, virou-se, deixando ver a sua barriga amarelo-creme, meio que suja, e mergulhou em alta velocidade. A canoa virou, e a perna de um dos pescadores embaraçou na linha e ele quase morreu afogado. Achei foi pouco.

Aí foi que ele chegou. Amanhecia. Com um sorrisão que só ele tem, falou.

– Deixa que eu desço lá na toca e arpôo o monstro.

E foi em apnéia até o fundo. Eram 10 metros. Lá chegando, deparou-se com os dois enormes barbilhões que ficam em cima da boca do jaúzão. E mirou fundo entre os olhinhos pequenos do peixe já cansado de tanta luta... As outras quatro barbichas debaixo vibravam em desconsolada entrega. Foi nesse dia em que me “apeixonei” definitivamente por ele

Subiu, fez um hiperventilação - respirou rapidinho igual cachorrinho – e desceu novamente sem o arpão, só com sua máquina fotográfica e uma lanterna amarela com oito pilhas grandes. Fotografou carinhosamente o seu novo amigo, velho verdão; o jaú do seu exato tamanho e dobro de peso. E depois de sair do poço com sua voz inconfundível, disse de dentro do seu peito grande de mergulhador:

- Da Natureza nada se toca, nada se mata, nada se tira, a não ser fotografia.

JB Alencastro