Corvina
“Corvina”
Pulando daqui pra li, vivo passeando entre as árvores. Um jacu estava comendo uma frutinha do marmelinho em que estou. De longe essa árvore fica linda, pois reflete a cor cinza das suas folhas, e isso mistura com a minha pelagem idêntica. Alguns a chamam de cinzeiro. Decidi hoje tomar um sol e vou para a praia. Do rio, claro. Ficarei próxima daqueles bancos de areia.
Passando ao largo deparei com um pescador. Ele tentava apanhar a corvina. Peixe voraz de grandes agrupamentos e alimentação privilegiada. Ele come pequenos crustáceos e alguns peixinhos também. Mas quando tem camarão este é o prato principal. Agora em outubro e até dezembro surgem os tolos tentando fisgar a corvina.
Um anzol numa boca rasgada, oblíqua e cheia de dentes deve ser muito incômodo! A corvina tem dentes pequenos e recurvados, eles vão até a garganta! Até na faringe dela, e inclusive nos arcos branquiais – por onde respira – existem projeções afiadas ali. Suas escamas prateadas e misturadas com azul são belas. Ela é meio corcunda, com o perfil superior convexo. Um peixão.
O idiota do pescador está esperando faz um tempão, em cima do poço. Corvina gosta de água funda. Ele só consegue fisgar uns lambaris, sardinhas e piquiras. Mas a corvina pode estar ali, pois esses peixinhos são tudo que ela gosta. Às vezes ela come uma libélula ou uma efêmera, que parece com essa anterior só que misturada com borboleta. Se a comida escasseia ela é capaz de canibalismo.
Contudo o equilíbrio da corvina não irá deixá-la ser capturada para virar filé ou sashimi. Seus sessenta centímetros e quase cinco quilos de peso estão protegidos por um sofisticado sistema. A pedra da corvina! Ela nem migra. Sedentária e segura. Pois com o desenvolvimento desta estrutura cheia de cálcio que fica no ouvidinho dela, controla toda a posição do nado e vibrações aquáticas. Chamam-se otólitos, cochichou ele.
Não fisgando nada o bobalhão virou-se para mim. Dei no pé rapidinho, trepando num leiteiro-chorão cheio de passarinhos. Espantei todo mundo. Quando nervosa sou desastrada.
A corvina escapou e ainda bem que não a vi no barco, geralmente morre só com a descompressão, o ouvido dela equaliza mal. Eu não queria assistir ela se debatendo com aquela mancha preta nas nadadeiras do peito e o reflexo prateado murchando ao sol. E a boca terminal grandona arfando... É horrível.
Se eu pudesse faria uma pescaria de humanos. De noite, num poço bem profundo. E os tiraria do barranco ou do barco para sufocá-los na água. Nem ele suportaria mais de cinco minutos submerso. Pulmão aéreo não serve no meio aquático. Não sou vingativa, mas sou brava. Então tem hora que a gente precisa trocar de lugar com quem sofre só para poder imaginar o quanto que é ruim...
JB Alencastro