Mergulhão ( biguá )
“Mergulhão”
Depois daquela corrida que levei do soldado, desisti do cerrado aberto, pelo menos por enquanto. Mas para não perder o costume, subi num cambará bem grandão. Aqui na beira do rio chega a formar uma fileira inteirinha deles. As flores amarelas em forma de vela seriam como uma oração para me proteger. E não é que um mergulhão, o biguá, estava lá?
Ele com suas asas pretonas, bem abertas, e o bico longo e meio que curvado no fim, só tomando ar e sol. Ar porque fica cansado de mergulhar tão fundo, vai até 6 metros, pescando bagres, mandis, cascudos, lá no lodo. Também pega peixinhos mais rápidos e de escama, já o vi com uma tilápia na boca, até um cará.
Seus olhos azuis e pálpebras e papo amarelos são marcantes. Não tem nenhum bicho parecido. E ele toma sol para secar as asas que não têm proteção oleosa, igual a dos patos. Por isso que eles nadam só com o pescoço e o bico de fora. São pesados. Até nos ossos maciços, já que em outras aves são leves e perfurados.
Eu zanzando entre as abelhas, beija-flores e até uns macacos safadinhos, fico só de mutuca. De olho na técnica de pesca. Daquele ninhal desceram uns quinze, eles estão fazendo um círculo em torno do cardume. Sensacional. Lá na frente, na curva do rio, eles também bloqueiam e depois fazem a festa. Eu não consigo isso.
Sou solitária e egoísta. Não sei viver em bandos. Quando na reprodução o macho e a fêmea do biguá se revezam para chocar e cuidar dos filhotes durante uns 40 dias. Eles saem de 03 ovos azuis-claro, em média. O ninho é uma galharia fedorenta. Também, o cocô e o xixi dos biguás é ácido até não poder mais. Imagina que eles conseguiram desfolhar inteiro aquele cambarazinho de pau-amarelo? De tanto fosfato, nitrogênio e ácido úrico! É o guano. Branco e nojento.
Sei que sou gulosa, tenho uma dieta rica em peixes e crustáceos. Mas o biguá come demais. Acho que em uma- 4-5 horas - só leva ele entubou uns quatro quilos de peixe... E precisa? Aí quando sai para voar é aquela dificuldade, arrastando a patinha preta – m’biguá é pé-redondo – e a cauda meio azulada no rio, até a asa. Fica um risco n’água. Aí vem aquela bateção de asa e demora levantar. Pouca “área vélica”. E lá no alto somente fica bonito quando junta com seus amigos e forma um enorme “V”, aí eu gosto. Dá para perceber que não é pato pelo corpo mais esbelto e o bico longo.
A água tem que ser limpa. Onde tem biguá, tem peixe e água boa, sinal de conservação ambiental. Vou beber. Aquele ali está acasalando, olha só a penugem branca no pescoço e no ouvido. Enfeites de namoro. Grita um “oak”, “oak” bem rústico. Se forem muitos parece motor de voadeira. Aquele barquinho dos humanos.
Para mergulhar a asa ficou curta e demora voar. E como não tem glândula uropigial (de óleo impermeabilizante) vai fundo, mas tem que secar. No entanto fica até 5 minutos submerso, fuçando. Para cada qualidade ganha é uma desvantagem. Tudo é equilíbrio. Serei eu um mergulhão tão bom na vida como ele?
JB Alencastro