AMIGOS E A MULA SEM CABEÇA

Numa bela manhã, a tartaruga e o jabuti conversavam animadamente.

— Caramba! O que é isto? Perguntou assustada a tartaruga.

Era uma marca estranha.

— Terremoto! - gritou o jabuti.

A tartaruga examinou atentamente.

— Em linha reta? Nunca! E depois, estas marcas parecem ser qualquer coisa, menos isto. Aqui não tem terremoto.

E o lobo que se aproximava ouviu e foi logo perguntando.

— Terremoto? Que nada!

— Então o que é isto? - perguntou o jabuti.

— É só a marca deixada pelo arrasto de uma árvore sendo puxada por um trator. Vocês não estão vendo as marcas dos pneus? - falou o lobo.

E todos o olharam para tentar descobrir até onde ela iria.

— Vamos sair perguntando. Talvez alguém saiba.

E partiram em meio à floresta encontrando o elefante como sempre se coçando em uma gigantesca pedra, batendo papo com o tatu, a onça e o urso. Vendo-os pergunta o elefante.

— Hum, hum, hum, o que vocês querem? Hum, hum, hum...

— Nós queríamos saber para onde é que levaram a árvore-respondeu o lobo.

— Isto é fácil! Basta seguir o rastro. – conclui o tatu.

O elefante com uma cara animada chama todos para desvendar o mistério. Partem animados andando por um longo tempo, e no início da noite chegaram ao limite da reserva.

— Olhem! É o tronco! Ele está naquela casa.

Zé Bento - o mais velho de todos - Chico Viola, Pedrinho e mais alguns, estavam perto dele e todos os bichos ficaram observando escondidos para ouvir e ver o que estava acontecendo. De repente chegou o Betão, rindo.

— Por que está rindo? Se a piada é boa, conte prá gente.

— Eu só achei engraçado foi a queda do Edu no chiqueiro, e dessa vez ele foi com a cara na lama – falou às gargalhadas.

— Ele tropeçou no quê? -quis saber Chico Viola.

— Em nada! No vento, quem sabe? Riu o Betão, contagiando todos com suas gargalhadas.

Edu Patada era um sujeito mal-encarado e sempre disposto a uma confusão. Por isso não se dava com ninguém. A noite chegava e a queda era certa. Às vezes apostavam para tentar acertar onde ele cairia. O que fez com que o Chico Viola perguntasse:

— Será que ele tem problema de visão? Porque é só escurecer que ele cai, tropeça ou bate em alguma coisa.

— Não é nada disto. É a mula-sem-cabeça. Falou Zé Bento.

— Uma mula-sem-cabeça? - perguntaram em coro.

— Vocês nunca ouviram falar dela?

— Claro que não! - disseram todos.

— Então eu vou contar para vocês, mas para isso vamos acender uma fogueira. Falou Zé Bento.

E saíram animados em busca de lenha e quando juntaram um punhado de galhos secos. A fogueira foi acesa pelo Pedrinho. E uma grande roda se formou para escutar a estória. Chico Viola olhou para as estrelas e seus amigos. Começou a cantar uma antiga moda de viola que falava das alegrias e tristezas da vida, enquanto o fogo se levantava para iluminar e aquecer o grupo.

Os animais escondidos na floresta observavam atentamente para poderem ouvir a estória de Chico Bento que começou a contar:

— A mula não tinha cabeça mesmo ou é um jeito de falar? - queria saber o Pedrinho.

Zé Bento olha um por um e para a floresta, apontando para as estrelas diz:

— Nesse mundo existem coisas difíceis de acreditar.

E na mesma hora, uma brisa fria balançou as árvores, mexeu o fogo, provocando um calafrio em todos. Até o lobo soltou um uivo sem querer, fazendo com que todos ficassem apavorados.

Zé Bento olha o grupo sério e retoma a estória.

— Há muito tempo atrás existia nessas paragens um casal sem igual: Seu Firmino e D. Mafalda. Moravam na mais confortável e próspera fazenda da região. Não mediam esforços para ajudar qualquer um que batesse à sua porta.

— E por que tinham uma mula-sem- cabeça? - perguntou Betão.

— E desde quando alguém pode ter uma mula dessas? - responde Chico Viola parando de tocar e olhando para o Betão, com ar de riso.

— Calma, eu chego lá e vocês vão entender.

E aí foi a vez da coruja soltar um pio de impaciência, o que fez todos olharem para a mata.

— Como estava dizendo, eles eram alegres e gostavam de conversar com todos, até o dia que D. Mafalda adoeceu e a tristeza abateu sobre eles, percorreram vários médicos e gastaram tudo que podiam com remédios, consultas e exames.

— Era tão sério assim? Quis saber Pedrinho.

— Seríssimo. Chegaram a vender tudo e no final só sobrou a mula preferida de D. Mafalda.

— E a venderam? - perguntou Betão.

— Para o Zé da Mula, como ficou conhecido o comprador.

— Ainda bem que ele a comprou.

— Deu muita pena, isso sim, pois ele era um cara bruto. Só andava armado com seu facão extremamente amolado. E numa noite sem lua e cheia de nuvens D. Mafalda deu seu último suspiro e morreu. A mula, que tinha trabalhado o dia todo, parou no meio do caminho, pois sentiu que D. Mafalda tinha morrido. Prestou sua última homenagem, fazendo um minuto de silêncio. Uma lágrima escorreu no seu rosto.

Todos, inclusive os animais que estavam escondidos se emocionaram com um gesto tão bonito.

— Mas não pára por ai. Falou Chico Bento.

E um suspiro coletivo foi ouvido, quando o grupo se ajeitou em seus lugares para não perderem nenhum detalhe da estória.

— A coitada da mula empacou naquela noite escura.

Apontando para o céu, falou encenando:

— Um raio gigantesco iluminou toda floresta e um poderoso trovão foi escutado. Até os céus estavam tristes com sua morte.

— Coitada!-falou o Betão.

— E naquela hora em que os raios riscavam o céu, Zé da Mula sacou seu facão e olhou com muita maldade para a coitada da mula. Esbravejou algumas maldições e a xingou por ter parado. Num golpe certeiro a degolou sem piedade.

E todos os animais se assustaram. A onça urrava, o lobo uivava, a coruja piava e o elefante deu três passos para trás acertando em cheio uma árvore, dando um susto danado em todos. Ficaram em pé, e Chico Bento continuou a contar, fazendo sinal com as mãos para que se sentassem.

— E o céu foi iluminado por milhares, milhões de raios de tanta fúria e os olhos da mula ainda os fitavam. E ele, num gesto frio e sem piedade, pegou a cabeça da mula e saiu em disparada por entre as árvores, praguejando aos berros.

— E a mula? -perguntaram todos.

E Chico Bento:

— E foi nessa hora, apontando novamente para o céu, que todos os raios se uniram num fantasmagórico clarãoatingindo em cheio o corpo da mula.

— Além de perder a cabeça, ainda foi atingida por esse raio? Coitada! No mínimo deve ter sobrado muito pouco dela- falou Chico Viola, que agora tocava uma moda de viola triste, falando das tristezas da vida e da intolerância dos homens, deixando todos com lágrimas nos olhos.

— O corpo dela apesar de sem cabeça, ficou em pé e brilhava como fogo, galopando pela floresta.

— Para onde será que ela foi? - perguntou Pedrinho.

— Atrás de sua cabeça, é claro! Embrenhou-se no mato e até hoje nunca mais se teve noticia nem da mula, sua cabeça ou do Zé da Mula.

— E agora? - queria saber Chico Viola.

E Chico Bento com um ar taciturno:

— Vira e mexe, ela aparece, quando menos se espera.

Nessa hora, o elefante que estava escondido na floresta pergunta baixinho para a onça.

— Você já viu uma mula sem cabeça e que brilha como fogo?

— Claro que não!

— Silêncio! Pediu o lobo olhando sério para os dois.

— É mesmo, senão a gente acaba não escutando o fim da historia, falou o tatu.

A curiosidade era tanta, que ficaram quietos na mata. Pedrinho pergunta:

— Você disse que ela aparece, então você a vê de vez em quando.

— É claro! Eu, você e todo mundo - afirmou Chico Bento.

— De jeito nenhum. Ver um bicho desses seria terrível.

E todos confirmaram, fazendo movimentos com a cabeça, mãos ou se movimentado de alguma maneira para dar apoio ao Pedrinho. Zé Bento, ao ver que o grupo estava unido e estarrecido fala:

— Todas as pessoas que são ruins fazendo maldades ou que maltratam os bichos, o espírito da mula sem cabeça aparece e dá um coice fazendo a pessoa cair, para se arrepender.

— Bem feito, falou a onça.

— Silêncio, pediu o tatu.

E Chico Viola, pensativo:

— Então é por isso que Edu Patada cai tanto. Essa estória dá até uma moda de viola. Vai se chamar “O coice da mula”.

Edu Patada que já tinha se limpado, e escutava a estória escondida pela penumbra da noite, se aproximou do grupo.

— A partir de agora não vou mais dar motivo para levar coice de nenhuma mula-sem-cabeça.

E todos:

— Viva! Que legal! Venha, sente-se com a gente.

E Chico Bento propõe a todos:

— Vamos cantar uma música bem alegre para fechar a noite, Chico Viola abraça Edu Patada.

— Este aqui não cai à toa nunca mais.

E todos começaram a cantar e rir de felicidade enquanto abraçavam Edu Patada, que com certeza vai se livrar de levar os coices da mula-sem-cabeça e do apelido.

E na mata, o urso olha para o elefante com ar de riso e diz:

— Ainda bem que não era um elefante, já imaginou um elefante sem cabeça?

O elefante dá uma balançada e com ar de riso fala:

— Sem graça.

E foram saindo bem devagarzinho por entre as árvores, até desaparecerem na noite.

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