Seriema
“Seriema”
Depois de ficar falando da inhuma e da tristeza, mudei. Saí vazada pelo campo. Sou assim mesmo, de veneta. A cada hora eu penso uma coisa e faço outra. Menina é desse jeito. Paciência. Muita paciência. No meio da minha corrida vi duas seriemas. Lindas, pernas compridas, porte elegante, aquele penachinho logo depois do bico, que é curvado, fino na ponta, bom de pegar lagartos, cobras, furar ovos e o que vier. Seriema é pau pra toda obra.
O cerrado tem flores lindas, só que quase ninguém vê. Mesmo em alta velocidade, a seriema e eu damos uma reparada boa. Nessa época de fim de agosto e começo de setembro destaco as florzinhas brancas e creme, são as mais comuns. Mas como não ficar encantada com uma peroba-do-campo, ou um baquete? Todas grudadinhas na haste misturando o marrom com o branco. Abrem-se de noite, é o morcego ou a mariposa que vem polinizar, se de dia; um montão de inseto se mistura numa festa.
E a quaresma-branca? Aqueles cachinhos singelos todos juntos. Lindo de morrer. Aí junta aquela quantidade enorme de bichinhos, vêem os ratos e as cobras. E a seriema, tchum! Pega todo mundo. Como é meio-dia eu nem me importo com a cantoria dela. Parece um latido de cachorro exagerado. Essas duas estão tão felizes que passaram quase uma hora nesse berreiro. Lembra também um ataque de risada. Daquelas que ninguém segura.
Eu já tive ataque de risada. Era época do meu aniversário, que vem dois meses depois das chuvas de março. Um campo lindo de chuveirinhos e sombreiros. Eu rolava no meio da brancura espetada. Gostoso demais, né? Quando a gente ri sem parar nem lembra a razão de ter começado a rir. Eu ria das risadas dos outros. Única hora que deixo de ser desconfiada, como a seriema.
Fico com medo de uma hora para outra aparecer uma onça e dar uma corrida em nós. Eu subo na árvore. Achei uma mangaba – de flor branca, claro – que dá para esconder. Eu sei que a frutinha dela está boa, porque está no chão. O ninho da seriema fica a uns 4 metros do solo. Lá é seguro. Mas não dá para vacilar. Aliás, ela até poderia dar uma melhorada nessa armação, uns galhinhos mal postos, misturados com bosta de vaca e lama, eeeeca!
Lá está ela comendo um ratinho. O povo pensa que ela só come cobra, não é verdade. Cobra é só um rato, ido – prato- a mais. Esqueci de acrescentar o “p” no rato. Aí fica prato...
Por falar nisso, ela – pelo nome- quer ser a ema, mas não o é. Nem parentes são. A seriema consegue voar, mal e porcamente, mas voa. A ema, não. E no pé tem aqueles três dedos fortes e unhudos, além do quarto alto e virado pra trás. Bem diferente.
Ocasionalmente as pessoas querem ser o que não são e ter o que não podem. Igualzinho a seriema. Melhor correr livre pelo campo florido do que deixar a onça saber dela e lhe pegar.
JB Alencastro