Inhuma
“Inhuma”
Atualmente moro no oco de uma árvore, um pau d´arco; bem aqui a beira do brejo. Tem suas vantagens e desvantagens. Como é alto, não é muito barulhento. Mas como fica no meio da mata, passa muito bicho. Eu sou mais solitária, não sou de enturmar facilmente. Essa época agora a árvore está cheiinha de flores, amarelas. Hoje acordei com o grito violento da inhuma. Tachã, tachã, tachã, chaá, chaá...
Fiquei furiosa, eu acordo cedo, aqui de cima dá pra ver direitinho o ninho elevado que ela fez. Mais de meio metro, uma ilha no meio da lama. Mesmo meu namorado, que pesa uns 70 quilos, pode pisar que não afunda. O problema é ser acordado. Se eu desperto às seis da manhã e me chamam as cinco e quarenta cinco, não dá! Eu apelo.
Voando para o alto da copa, ela; a anhuma, avisa o povo inteiro da região. Dá vontade de dar pancada na madeira dura do pau d´arco. Seu repertório é vasto. Se fosse humana, eu diria que ela fica falando assim:
- “João Gomes que comes tu? Minhoca, minhoca” .
Eu só ouço “viu-viu”, camixi, e outras barulheiras. Aí eu grito também. Ela abre as asas negro-esverdeadas, parecem àqueles carros metálicos. Dá mais de metro e meio de envergadura. E na pontinha dos cotovelos, os famosos esporões. Essa ave quando provocada vira fera, igual euzinha mesmo. Ela espana pra todo lado e bica e esporeia, um bico curto, esbranquiçado na ponta e pardo-escuro no meio.
Uma vez fui ao Município de Tietê, vi que o brasão da cidade é uma delas de asas abertas, num vôo abatido. Muito agressiva. E o chifrinho? Esse é que é o segredo dela. Mesmo no alto de uma copa de copaíba, não tem remédio. O pulmão se enche e ela bota o grito pra fora. Talvez por isso seja tão famosa. É ave-símbolo do estado de Goiás. Além de dar o nome para uma cidade de lá. O apêndice na testa é a sua marca registrada, ele é móvel, vai pra frente e pra trás. Parece uma unha de tão duro.
Desci no ninho e quase comi os ovinhos marrom-oliva. Fiquei com dó. Confesso que tive medo de ser atacada por uma ave que mede até 80 cm de comprimento e uns 60 de altura. Seus pés de poleiro são fortes. Mistura de galinha com pato. Uma “patolinha”!
Hoje em dia quase não se vê mais essa penosa estranha e gritadeira. Ela fugiu dos quintais, das brincadeiras com suas parentes próximas. Dizem que quando viúva fica do lado do marido morto, tristíssima. Nem comer não come. Acho que ela quer é viver em paz, agora na seca deve estar migrando. A perseguição humana foi dura.
No toque marcado da capoeira, Mestre Bimba colocou um soar de inhaúma. Só os grandes podem jogar esse bailado. Eu vejo o jararaca –esse é o nome dele- lentamente ficando na queda de rins. Machucou as costelas. Vou ficar bem do ladinho dele igual essa inhuma, até que a tristeza passe.
Vai meu querido, voa quando puder, eu aqui te acompanho como inhaúma, para o que der e vier.
JB Alencastro