Gambá

“Gambá”

Saco vazio não pára em pé. Isso meu avô falava diretão. Mal ele sabia que “gaambá” significa isso. A bolsa sem os nenenzinhos. Filhote de gambá nasce duas semanas depois do acasalamento. Dá duas dezenas, mas só tem treze tetas. Então como é que fica? Olhando aquela mãezinha atarefada carregando os oito filhotes no rabo, eu quase morro de inveja, não tenho nenhum filho.

O pessoal fala que gambá é bicho nojento, que fede e coisa e tal. Eu discordo. Ele, junto com a cuíca, são os únicos marsupiais da América do Sul, uns sobreviventes. Têm embriões – pequeninos filhotes não desenvolvidos- iguais aos cangurus. Pra começo de conversa a catinga só sai quando ele fica nervoso ou assustado, não é por querer. Os outros é que provocam.

Outra coisa, tem gambá branco e gambá preto. Sem discriminação. A maioria deles vai embranquecendo com o tempo. Os mais legais são os de orelha branca, em que a barriguinha também é clarinha. Moram nos ocos das árvores. Mas eu já vi um na porta da minha casa, aqui do lado do Zoológico. Gambá consegue adaptar-se à vida na cidade, são animais sinântropos.

Preconceito é uma coisa muito chata. Detesto. Olha só o rabo do gambá! Que coisa mais maravilhosa! Ele dá conta das maiores estripulias com sua cauda preênsil. Seria como um quinto braço. Igual macaco-aranha, que eu simpatizo também. Não gosto de macaco-prego, mas é por motivos particulares, sem preconceito, né? Meu rabo é fofo, meu namorado me chama de peludex-felpudex, imagina?

Daqui de cima observo atentamente a mamãe-gambá. Ela só estava com o papai, na época do namoro. Agora anda só. Como todos. Outro dia pensei até que ele – o pai- estava morto, caído no chão, com a língua de fora, aquele focinho comprido e cor-de-rosa, o rabo quase do mesmo tamanho do corpo. Foi só a jaguatirica, aquela oncinha esperta, cutucar; e eu pensei que ele iria sair correndo. Que nada! Soltou foi um daqueles jatos fétidos e a bicha deu um pulo. Aí sim, partiu meio cambaleante no chão, meio torto. Mas depois que trepou na árvore, virou um corisco. Gambá é safadinho!

Seu rastro ficou marcado no chão depois da fuga. São cinco dedos em ambas as patas. É plantígrado, apóia toda planta do pé. A da frente é menor do que a de trás. E os dedinhos da mão são bem separados uns dos outros, espalmados. Acho bonitinho o jeito que pega as larvas de insetos para comer. Se bem que gambá come de tudo. Frutinha, milho, raízes, ovos, lagartixas (atenção é la-gar-ti-xa, e não “largatixa”, assim como se fala certo sal-si-cha; e não “salxixa”... se bem que os gambás dizem que “salxixa” é mais gostoso...) . Coisa de gambá...

A única coisa que eu fico fulo da vida é quando eles entram num galinheiro. Matam todas as galinhas e não comem nenhuma. Só chupam o sangue. Numa entrevista que fiz com a mamãe-gambá ela disse que come os ovos... Mas também não confessou a matança. Imagina que ela falou que quando acordou no meio do galinheiro as “meninas” estavam mortas de susto e por isso ficaram lívidas –brancas- daquele jeito! E que quase não deu tempo de sair correndo de tanto que a barriga estava cheia!

Bem, todo mundo faz alguma coisa errada de vez em quando. Mas quem perdoa?

JB Alencastro