As aparências...
O ônibus está lotado.
Maria, a contragosto, entra. Ela não gosta de andar de ônibus a essa hora, no entanto é necessário, se não fosse pela sua filha Helena, que a aguarda para resolver um problema sério, ela nunca tomaria o ônibus agora, esperaria mais. Pensou até em pegar um táxi, mas, é muito caro, e infelizmente, o dinheiro esta curto.
Não têm quem não se irrita, com o transporte, superlotação, má condições dos veículos, horário irregular e nesse dia não é diferente, a cada parada do ônibus, duas pessoas desembarcam, enquanto quatro ou cinco embarcam, todos estão irritados, mas, de nada adianta.
Maria esta de pé, as pessoas se esfregam umas nas outras, muitas vezes com malícia.
O ônibus para novamente, dois rapazes de cor negra entram no ônibus.
De repente, Maria sente um frio na espinha, fica insegura, com medo, involuntariamente, protege sua bolsa, segura-a com força.
O ônibus volta a andar, Maria começa a ficar incomodada com a presença dos novos passageiros, não tira os olhos deles, nem por um segundo.
Uma terrível angustia começa a tomar conta do seu coração, baixinho reza, pois, esta com muito medo.
Várias situações começam a povoar sua imaginação e em todas fazem parte os novos passageiros.
“E se eles me pegarem de refém”.
“Meu Deus posso ser assassinada por eles”.
“Não que eu seja racista, mas, olha a cara deles, parecem que estão esperando o momento certo”.
“Olha como eles são maus”.
“E agora”?
“Quantas pessoas pegam ônibus nesta cidade e não chegam ao seu destino.”
Maria não consegue tirar os olhos dos dois rapazes, tampouco, consegue afastar os maus pensamentos.
Os pontos de ônibus vão passando, e nada de os rapazes descerem.
Maria, então, entra em desespero.
“Será que eu tenho razão”.
“Será que eles vão aprontar algo”.
Faltam ainda duas paradas para que Maria chegue ao seu destino, mas, muito angustiada, não agüenta e quando o ônibus para, ela empurra as pessoas que estão no corredor e como uma louca desce, correndo, sob o olhar atônito dos demais passageiros.
Maria já esta fora do ônibus e aos poucos vai recobrando a razão, aos poucos vai se acalmando.
“Estou salva agora”.
Sua respiração vai voltando ao normal. A angustia desaparece.
“Desci um pouco longe, mas, não há nada que uma boa caminhada não resolva, dentro de alguns minutos chegarem à casa de Helena.”
“Graças a Deus desci antes que aqueles negrinhos fizessem o serviço”.
“Tolos, idiotas, acharam que iam me pegar.”
“Se ferraram”.
Agora, Maria, esta calma e caminha tranquilamente pela rua, sente-se segura.
De repente ela sente em suas costas um objetos pontiagudo, que, a machuca, antes de pensar no que está acontecendo, uma voz, aparentemente de um jovem lhe diz firmemente:
- Por favor, a senhora poderia me passar sua bolsa?
- O quê?
- A bolsa minha senhora, a senhora quer que eu grite para todo mundo ouvir que isto é um assalto?
“Filhos de uma mãe”.
“Só pode ser vingança, daqueles negrinhos”.
“Só porque eu descobri o plano deles, eles estão aqui para se vingar”.
“Queriam roubar o ônibus, mas, como não deu certo, eles me seguem e me roubam”.
“Safados”.
- Olhe aqui dona, vamos passar logo essa porra dessa bolsa, antes que eu perca a paciência e te fure, sua vaca.
- Toma – diz Maria entregando a bolsa, sem olhar para traz.
- Valeu dona! Um bom dia para a senhora, ta ligada.
De posse da bolsa, o assaltante vai embora, caminhando pela rua, lentamente, como se nada tivesse acontecido.
Maria, tremendo de medo, se vira, e observa o rapaz caminhando lentamente, carregando sua bolsa, o rapaz, é branco, estatura média, aparentemente bem apessoado, ele traja roupas rigorosamente limpas, de grife, um rapaz acima de qualquer suspeita.
Nervosa, Maria põe-se a andar no sentido contrário ao rapaz, pois, precisa chegar logo à casa da filha, ela está triste e envergonhada, muito envergonhada.
No ônibus.
- Que mulher esquisita né João?
- É, bem que o pai falo que as pessoas da cidade grande eram muito esquisitas, Zé.
- Deve ser a poluição, que deixam as pessoas assim.
- É deve ser.
O ônibus pára.
- Chegamo.
- Vamos descer então, antes que a gente se perca nessa selva de pedra.
- Sabe Zé, o pai disse, também, que aqui, as pessoas eram muito racistas, mas por enquanto, eu não me apercebi de nada não, e você?
- Também, não João. Também não.