A CARTOMANTE

Já acomodara a idéia de que a terça feira teria poucos fregueses, mas a campainha resolve tocar, justo na hora em que resolvera tomar seu banho habitual das 18 horas.

Abre a porta e com o mesmo cumprimento rotineiro, saúda a visita: "Bem vinda, minha filha, à tenda de Madame Zeza!".

Recebeu um "Muito obrigado!", como resposta. A consulente era casada, cabelos castanhos claros, roupas finas, aliança com aro de prata na mão esquerda e a face estampava sinais de angústia, fáceis de serem percebidos.

Arriscou: "Sente-se e conte pra Madame Zeza desde quando começou esta angústia feia. Filho é isto mesmo!"

" Senhora já percebeu, Dona Zeza?"

"Filha, mãe Zeza percebe até o que não quer. Às vezes chego a ter até crise de espinhela caída, de tanto que as revelações me assustam. Quando começou tudo?"

"Logo que a Risete terminou o namoro".

Zeza dá uma tremida e entoa: "Eu vi que ele a faria sofrer!", aproveita e mistura as cartas, tirando o rei de ouros marcado. "Viu! Eu sabia!"

"Ele não se conformou com o fora que ela lhe deu e vive ameaçando, dizendo que ela nasceu para ele e que nunca será de ninguém. Todas as quartas aparece uma rosa vermelha na entrada da casa. É um safado, sem profissão e já tentou dar o golpe do baú, em mais de cinco moças".

"Eu consigo ver a moça que entrega as rosas, tem banca de flores no cemitério!" Ato contínuo, tira a dama de copas marcada do baralho...

"E o que pode resultar de tudo isto?"

"Vejo doenças surgindo da cabeça cansada; seu marido..."

"Faleceu há cinco anos de câncer de pulmão. Era fumante inveterado desde os 15 anos".

"... está sofrendo muito com tudo isto e não consegue descansar em paz".

"A Senhora consegue vê-lo? Como está?"

"A imagem é de um homem magro, de olheiras, cansado, angustiado e pede que algo seja feito". Tira o zape do baralho e um curinga.

"O que significam estas cartas?"

"O trunfo usado de forma certa, resolverá tudo. Temos que usar um ajudante poderoso do outro lado".

"A Senhora pode nos ajudar? O meu filho ri do nosso medo e nos diz que vai acabar mandando dar uma surra no Pedro, meu ex-futuro genro!"

"Pra Madame Zeza já estava tudo conhecido, não perde tempo dando nome a esta Pedra mal assentada. Eu lhe prometo dar um jeito em tudo, vamos ter que fazer uns trabalhinhos e ele nunca mais vai chegar perto da sua filha, ou importuná-la. Palavra da Zeza!"

"E quanto eu devo doar ao seu trabalho?"

"Nem pense nisto, minha filha. Você já deve ter ouvido falar de gente embusteira, que toma dinheiro e depois não muda nada. Madame Zeza faz e resolve, depois você dá o que achar que deve e se achar que deve. Nosso destino é guiado por Deus e não pelo dinheiro. Nossa missão é um dom, não pode ser vendido".

"E o que eu faço?"

"Recolhe as rosas, que ainda chegarem, usando uma luva plástica vermelha, joga gasolina e reza um Pai Nosso, botando fogo a seguir. O melhor é queimar todas numa só lata, para reforçar o nosso trabalho". Outra coisa, vejo a sua casa e a dele, mas preciso dos endereços, pois isto está confuso na minha visão".

A visita tira uma caderneta e uma caneta da bolsa e escreve o nome e endereço dela (Rita) e do golpista.

Madame Zeza tranquiliza a senhora, dá-lhe dois beijinhos e a conduz até a porta, não sem antes filar o nome dela da anotação e despedir-se: "Vai com deus e em Paz, Rita". O efeito foi fulminante: "Conseguiu adivinhar meu nome?" Deu de ombros, empurrou a visita porta afora e ato contínuo, dirige-se para o banho esperado.

"Até que o dia não foi todo de perda...", resmunga enquanto a abre a torneira quente da banheira.

No sábado faz uma ligação telefônica. Alguém atende: "Tico, tenho um trabalhinho pra você e o Tião; anota o endereço...", dita a rua, o nome do cara, o bairro e recomenda: "Usem o distintivo falso e falem para ele mandar uma última rosa com o dizer: _ Esta será a última, pois Deus me fez ver que você merece coisa melhor. Adeus!"

"...Como, de que jeito? O tradicional, se recusar, dêem uns cascudos de leve e ameacem com uma prisão de três meses, por importunar a paz de gente tão boa!..."

"Depois eu volto a falar de novo com vocês, como de costume".

Um mês depois, Zeza vai visitar a Rita, a protegida. É recebida naquela mansão, com a maior alegria, em retribuição ao trabalho especial. A gratidão é demonstrada com um convite para o almoço, como se fora alguém da família.

Ao despedir-se, Rita pergunta: "Zeza, quanto lhe devo?"

"Já lhe falei que tenho um dom e não quero receber nada mais que a sua amizade. Você me ofende se me der dinheiro".

"Quero que você saiba, que terá sempre a nossa gratidão e será para sempre nossa amiga", recebeu em troca.

A partir desta data, Zeza se tornou da família. ligava toda a semana, ganhava presentes lindos e viajava com a amiga, com tudo pago. Foi madrinha de casamento da Risete, um ano depois.

Em plena lua de mel da Risete, Rita chegando em casa, vê seu carro bloqueado na entrada da garagem, por trás; é rendida com um trêzoitão e dada a ordem para abrir o portão eletrônico. Indefesa, cumpre as ordens, vê surgir outro homem dentro da garagem. Os dois usam uma máscara do Nixon por cima do rosto. É levada para dentro, prendem-na, com os três funcionários no banheiro, saqueiam suas jóias, o faqueiro de prata pura, alguns pertences e calmamente, saem, um deles dirigindo o carro da vítima, que levam para casa, esvaziam e abandonam o veículo no centro da cidade.

Ao voltarem para casa, fazem uma ligação, para confirmarem a ação: "Zeza, tá tudo em cima!" "...Claro que usamos luvas e as máscaras que trouxe dos Estados Unidos; tem certeza que a trouxa não viu você comprando?" "Fica fria, depois lhe damos sua parte!"

Dois anos se passaram e Rita não percebe porque, a para-normalidade da amiga não dá a pista do roubo. Zeza até fingiu uma crise de espinhela caída, que durou três semanas, coincidente com o novo golpe que preparava.

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Marcio Funghi de Salles Barbosa

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