A Peruca - Giselle Sato

Roberto Carlos dos Santos Pinto. Por razões óbvias mantinha apenas o primeiro nome no crachá onde exibia com orgulho a função de ''Gerente''.

Trabalhava em uma loja de departamentos no maior Shopping da Zona Norte carioca. Vinte e dois anos de serviço. Nenhuma falta ou atraso.
Promoções, prêmios e metas vencidas no ‘’Curriculum’’ invejável.

Baixinho e atarracado adorava ser chamado de Robertão.
Bigode bem aparado, uniforme ligeiramente apertado e a hipótese não confirmada do uso contínuo de peruca.

Havia bolsas de apostas e um ''Bolão'' para quem conseguisse provar a existência da falsa cabeleira. Infelizmente o desafio parecia impossível. As demonstradoras de produtos capilares viviam oferecendo tratamentos gratuitos , mas nunca puderam tocar em um fio de cabelo do gerente.

Apesar de solteiro nunca aceitava os convites dos colegas para um choppinho no final do expediente. A rotina casa/trabalho/casa era mantida sem exceções. Era um solitário. Filho único cuidava da mãe doente e um tanto senil.

Até a chegada de Juliana tudo parecia cinza desbotado. A morena exibiu o maravilhoso gingado no uniforme rosa e o mundo de Robertão vibrou em cores.

Jú trabalhava para a ‘’ Lingerie Du Corpo’’, arrumava a sessão, ajudava as freguesas e exibia os dentes branquíssimos no sorriso simpático. O corpo perfeito para qualquer roupa íntima.

A mulata de olhos cor de mel e boca carnuda enfeitiçou o gerente:-Bom dia, bem vinda a loja, sou Roberto, muito prazer.

Estendeu a mão e apertou os dedinhos da moça, deliciado com o perfume, a pele, a voz e o jeitinho suave de Jú:- Vou trabalhar aqui este mês, muito prazer senhor Roberto.

-Mas que pena...

-Como? Fiz alguma coisa errada para o senhor não gostar de mim?

-Imagine, que pena que ficará só um mês. Tão simpática e agradável. Se precisar de alguma coisa sou o gerente. E pode me chamar de Roberto. Nada de senhor!

- Ah, que bobagem a minha. Muito obrigada. Já vou indo, preciso arrumar os lançamentos. Estão lindos.

Durante todo o dia Roberto deu um jeito de passar perto da sessão feminina só para olhar Juliana. Não conseguiu disfarçar o interesse e a loja inteira percebeu e passou a comentar, principalmente as funcionárias antigas:- Ridículo, deve ter idade para ser filha dele

-Não precisa exagerar, só acho que ele não se enxerga. Está com inveja Maria?

- Eu ? Ciúme do Robertão? Está doida Lú? Olha a cara de bobo apaixonado

Finalmente chegou sexta-feira.. Após o fechamento da loja , o tradicional choppinho.
Pela primeira vez o gerente apareceu no barzinho. Esbanjou simpatia conversando animadamente com todos, pagando rodadas e sendo sempre muito solícito com Juliana.
Ora pegava uma bebida, oferecia um petisco, um guardanapo, sempre atento e dedicado. Jú parecia deliciada com as atenções.

Os colegas foram saindo aos poucos e só restaram os dois. Robertão e Juliana. E a conversa foi ficando mais íntima:- Moro aqui perto e você?

-Moro com meus pais em Bel.

-Bel?

-Belford Roxo. Lá na baixada...

-Nossa! No mínimo umas duas horas de ônibus, não tem medo de assalto?

-Não percebi o tempo passar, realmente são quase duas horas da manhã, não sei o que vou fazer.

- Pode ficar lá em casa, moro sozinho. Quer dizer, minha mãe é bem velhinha e não incomoda nada. Tem quarto sobrando, seu namorado não precisa ficar com ciúmes.

-Que namorado? Estou solteira, e vou aceitar seu convite, estou súper cansada .

A casa de Robertão ficava na rua em frente ao shopping. Dez minutos e estavam na casinha humilde  mas bem conservada.
Fez questão de mostrar todos os cômodos, muita coisa antiga, móveis pesados e um cheiro de gato insuportável.
Juliana olhou com repulsa os seis gatos empoleirados pelas poltronas, mesas e até em cima da geladeira.

A morena  disfarçou a ''cara de nojo'', Roberto era só gentileza :- Quer tomar um banho minha querida ? pego uma toalha limpa para você.

- Aceito sim, com este calor fico tão suada...Você adivinhou meus pensamentos.

Quando Roberto voltou com a toalha,  Ju estava no chuveiro com  a porta aberta e a cortina de plástico transparente revelando tudo:-Vem, vem que a água está uma delícia.

Não pensou duas vezes, arrancou as roupas e entrou no box do banheiro apertado. Agarrou o corpo desejado, tocou cada pedacinho com carinho. Tonto de tesão, esqueceu completamente seu maior segredo.

Jú acariciou o rosto de Robertão, o pescoço e os cabelos....saíram em suas mãos provocando um grito horripilante.

Juliana segurando a peruca e gritando, despertou  a mãe de Roberto. A idosa  entrou  no banheiro estarrecida com a cena:  O  filho  nu, careca e sem conseguir sair do lugar. Com uma mulher igualmente pelada segurando um chumaço de pêlos molhados.

Alguns segundos depois,  Juliana corria pela casa procurando as roupas. Roberto levou a mãe de volta para o quarto e tentou convencê-la de que tudo havia sido um pesadelo. A velha senhora estava em pânico e precisou tomar calmantes.

Escutou quando Jú bateu o portão da entrada com força. Ainda era madrugada, ficou preocupado com a moça na rua deserta mas estava tão envergonhado que não conseguiu tomar qualquer atitude.

No dia seguinte a Loja inteira sussurrava o fato, Juliana foi transferida para outro Shooping na mesma tarde. Saiu feliz, carregando na bolsa os 500 reais do prêmio do ''Bolão'' e a peruca enrolada em um saco plástico.

Robertão assumiu a calvície pela primeira vez. Havia perdido seu único disfarce e não quis faltar. Caminhou pelas sessões exibindo a careca brilhante. Ignorou os risinhos e olhares dos colegas.

Ao final do dia estava mais animado com os elogios ao seu novo status. Havia descoberto o charme dos carecas.

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 03/04/2008
Reeditado em 18/03/2009
Código do texto: T929429
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