Dengue delivery - Parte II
Finalmente chegara! Devia ser ali mesmo. A placa era clara. SUSTO (Sitema Único de Saúde e Tratamentos Ortodoxos). Dirigiu-se ao guichê de atendimento e, educadamente, se dirigiu à atendente:
- Boa tarde senhora. Estou com um grande problema e engano em minha casa e gostaria de resolvê-lo.
- Pois não senhor - respondeu-lhe a atendente com uma voz anasalada (por que todas as pessoas responsáveis por nos dar informações tinham este timbre vocal???) - Pode pegar sua senha ali que nós vamos estar lhe atendendo assim que possível.
- Como assim? Não tem ninguém esperando pra ser atendido, por que não pode simplesmente me atender?
- Desculpe senhor, é norma da repartição. Queira por favor pegar sua senha e aguardar. O SUSTO agradece.
Quase mordendo os sapatos de indignação ele se dirigiu à máquina de senhas e retirou a sua: 69. Olhou rapidamente para o placar de chamadas e viu piscando e apitando no momento: 16. Seria uma longa tarde.
Após quase uma hora de espera, finalmente chegara sua vez: PEEEEEEEEEEEMMMMMMMMMMMMMMMM, 69. Furioso, se dirigiu à mesma atendente anasalada de antes (na verdade, era a única que ali trabalhava no momento):
- Poderia me atender agora!
- Pois não senhor.
- É o seguinte. Estava eu tranquilamente em minha casa quando um maluco de amarelo bateu em minha porta e me entregou um baita mosquito. Que absurdo é esse! Como eles podem deixar aquela coisa lá em casa? Ele já foi chegando e se alojando, mexendo nas minhas coisas e tudo, e ainda teve a audácia de dizer que nada que eu fizesse o tiraria de lá! Alguém pode, primeiramente, me explicar o que está acontecendo e resolver isso e tirar aquela coisa de lá?
- Pois não senhor. O senhor deve se antes de mais nada preencher esta guia, e posteriormente levá-la no 2º andar e procurar o César. Ele é o responsável pela área de alojamento e licenciamento do seu mosquito personalizado e...
- Peraí! Que história é essa de alojamento? Licenciamento de mosquito? Que absurdo é este meu Deus?
- Desculpe senhor, eu apenas forneço os formulários. Procure o César que ele vai lhe dar todas as informações necessárias. Tenha uma boa tarde, e aproveite seu mosquito.
E como se fosse um desenho animado, daqueles bem sem graça, o guichê foi abruptamente fechado por uma cancela de metal. Muito estranho. Mas vamos lá. Aquilo definitivamente não ficaria como estava.
Duas horas e 36 páginas preenchidas depois (com esdrúxulas perguntas como: "Qual tipo de isca ideal para se pescar um peixe viola" e "O que você faria se tivesse que desobstruir as vias aéreas de um ganso pardo") ele se dirigiu ao 2º andar do SUSTO, já disposto a dar uns bons tabefes no tal de César.
- Com licença. - disse chutando a porta e com os punhos já cerrados.
- Oh meu rapaz! Entra ai, fique a vontade. Em que posso te ajudar?
- Você é o César?
- Depende. Se você veio me cobrar dinheiro ou favor, não sou eu não. Hahahaha.
- Escuta aqui seu...
- Devagar moço. Tenho ouvidos sensíveis. Hahahaha
- ??? (Que m*rda é essa?! Que fdp!)
- Vamos meu jovem, só estava animando as coisas. Pode falar.
- É o seguinte. Já estou cansado de falar sobre isso, então vou resumir ok. Tem um maldito mosquitão na minha casa, e eu quero ele fora. E quero agora! Nem quero mais explicações de como ele foi parar lá, só quero que tirem aquela coisa de lá.
- Não sei do que você está reclamando meu rapaz. Será que você não percebe a sorte que nós temos?
- Sorte? Que nós temos? - aquilo definitivamente estava ficando tenebroso.
- Sorte sim jovem. Tens acompanhado os escândalos sobre o Cartão Corporativo de nosso mui amado Governo? Tens, Tens?
- Claro. Quem não tá puto com essa situação? Estão terminando de jogar nosso orgulho de ser brasileiro na lama!
- Justamente. Por isso, a partir de hoje, para se redimir das inúmeras cagadas que tem feito, os nossos sábios representantes resolveram gastar um pouco dessa exorbitante verba conosco. Com o povo! Não é demais?
- Continuo puto e sem entender patavinas.
- Agora, na nossa amada cidade, e em breve em todo o país, cada cidadão poderá ter seu próprio mosquito da dengue! Fantástico, não? Chega de discutir de quem é a culpa da epidemia! Agora, cada um tendo seu personal mosquito, qualquer coisa que venha a lhe acontecer será exclusivamente sua culpa, e não mais teremos de ouvir discussões sobre quem deveria cuidar disso. É o governo colocando o poder nas mãos do povo. Um verdadeiro salto democrático!
- Isso é um absurdo! Você tá louco cara? Como pode dizer uma coisa dessas? Tá cheio de gente morrendo aí por causa destes animais.
- Eu sei, mas isso é culpa dos proprietários irresponsáveis que deixam seus mosquitos à solta! Se cada um fizer sua parte e cuidar direitinho de seu bichano, alimentando-o, dando carinho e afeto, mantendo sua licença de propriedade em dia, nada de ruim acontecerá. A culpa é do povo. O governo nos dá totais condições de bem criá-los. Temos um clima ameno e chuvas frequentes para que ele cresça com saúde. O povo nunca comeu tão bem, o que reflete numa maior variedade de nutrientes que eles ingerem a cada golada de nosso sangue...não há o que reclamar! Cuide do seu tudo ficará bem para todos.
- Então a solução é essa? Cada um que cuide de seus problemas e dane-se a saúde do povo?
- Não ponha palavras em minha boca rapaz. Eu disse que a solução é que cada um mantenha os olhos bem abertos e cuide bem de seu mosquito para que ele não ataque pessoas que nada tem a ver com isso. Por falar nisso, creio que você deveria ir pra sua casa e cuidar dele, pois qualquer coisa que ele fizer, você será responsabilizado por isso e poderá ser processado por mal uso de benefícios do Governo. Passar bem.
?????
Continua...