A Vontade do Falecido
Seu Irineu Boaventura não era tão bem-aventurado assim. Tinha lá um dinheirinho que guardava embaixo do colchão. Não gostava de bancos, nem comprava um terreno, porque seu sobrinho Altamirando se instalaria nele sem a menor cerimônia. Assim, a erva dele era verdinha.
Só que andava com aquele jeito cadavérico que a vizinhança achou que já ia morrer. Até o apelidaram de "Pé-na-Cova".
A família na ânsia de herdar o dinheiro dele. Mas ninguém comentava. Só Altamirando, mais mau-caráter que o resto da família, depois de uma tosse do tio, lhe perguntou:
- Titio, quando o senhor se for, pra quem vai ficar seu dinheiro?
O velho mudou de cor, de raiva, e respondeu:
- Na hora você vai saber, seu cretino!
Só que, dia depois, ele morreu.
- Bota titio na sala de visita - aconselhou Altamirando. - Botaram ele na sala.
Chegaram parentes de longe, todos interessados no dinheiro do morto.
Antes do enterro, contaram o dinheiro, sessenta milhões de cruzeiros intactos.
- O velho tinha menos dinheiro do que eu pensava - disse bem alto o sobrinho. E acrescentou: - Vai ver que gastou com mulher.
Se gastou ou não, ninguém soube. O que soube é de uma carta que o falecido deixou, registrada em cartório e tudo. Nela ele dizia que quando morresse o dinheiro seria enterrado com ele. Não deixaria o que ganhou com o suor do rosto a parente vagabundo nenhum.
A parentada chorou. Mas ninguém ousou desfazer a vontade do falecido. Na hora de colocar o dinheiro no caixão, então, a choradeira aumentou.
Só que, antes de fechar o caixão, Altamirando gritou:
- Pera aí!
Tirou os sessenta milhões de dentro. Fez um cheque do mesmo valor e o colocou no caixão.
- Se titio precisar mais tarde do dinheiro, desconta no banco - disse Altamirando.
Conforme:
(Stanislaw Ponte Preta, Dois amigos e um chato, Editora Moderna, 1986.)