UM ESTRANHO PASSAGEIRO
O ônibus superlotado percorre a avenida bem na hora do “rush”. O espaço deixado por um passageiro que salta é ocupado de imediato por dois ou três que embarcam. Logo se vê que a placa com os dizeres "36 sentados e 40 em pé" indica a lotação máxima permitida, mas não a que tem sido respeitada.
Numa das paradas, em meio à leva de pessoas que entram, embarca uma mulher de meia-idade, bem trajada, com um bebê no colo. Supostamente um recém-nascido, pela maneira como ela o protege envolto num xale. Num instante, a mulher ultrapassa a catraca, sem grandes malabarismos, uma vez que todos se desdobram para lhe facilitar a passagem.
Já no meio do corredor, um senhor, demonstrando polidez incomum, cede-lhe o lugar. E com a mesma solicitude ele permanece ao lado do banco, de pé, protegendo-a bravamente contra a investida involuntária dos passageiros a cada solavanco ou freada brusca.
Pouco depois, quando a mulher se levanta, preparando-se para descer, o mesmo cavalheiro pratica ainda o último ato de solidariedade:
— Licença aí, pessoal, para uma senhora com criança!
— Deus lhe pague! — agradece ela, enquanto arruma o xale que cobre o precioso fardo.
Com o veículo já em movimento, um gesto da mulher que acabou de saltar chama a atenção dos passageiros, através da janela. Curvando-se, ao mesmo tempo em que atira o xale por sobre os ombros, ela coloca na calçada um cãozinho pequinês.
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