HOTEL MARFIM

Num hotel beira de estrada, quando a tarde caia, chega um caminheiro com ar cançado, aspecto de que vem de longa marcha e pergunta pelo dono que o atende de imediato:

- Queria do senhor a caridade de um pouso num canto qualquer mas não posso pagar.

- Então deve seguir seu caminho. pois vivo disso. - Fala o hoteleiro.

- Mas senhor meu cansaço é grande.

O dono da casa já estava pronto para ser severo e convincente para a retirada do outro quando precisou ocupar-se com fregueses os quais teria que dar atenção e sem querer pedir a este que esperasse despachou:

- Tenho na virada do prédio um porão, vá para lá descanse e amanhã pode ir sem despedidas pois será a única vez que te sirvo sem dinheiro.

- Lhe sou bastante grato por isso senhor. - Disse o caminheiro saindo e entrando dai a pouco no porão e se acomodando.

Descansava há pelo menos um quarto de hora sobre uns sacos quando percebeu que estava debaixo de outro comodo cujo piso era de madeira e ouviu o chiado de algo fritando e sentiu logo um cheiro saboroso de bife, o que de imediato lhe lembrou estar sem comer durante todo o dia.

- Diacho, preciso dormir logo para ver se minha barriga esqueçe de mim.

Deitou-se logo mas reparou que o saco que havia feito de travesseiro continha farinha de mandioca e teve uma idéia.

- Já sei, eu como a farinha sentindo o cheiro desse bife que não posso comer.

Assim fez e empanturrado de farinha a barriga o esqueceu e o sono veio leve e solto.

Acordou bem disposto no dia seguinte, pronto para mais uma uma marcha quando sentiu-se na obrigação de agradecer ao hoteleiro, tal a sua satisfação.

- Eu me senti um hóspede. - pensa:

Saiu, arrumando as tralhas e chegando á portaria foi encontrar com o hoteleiro que lidava com um senhor de óculos e bigode enquanto um outro esperava ser atendido. Com a falta de tato comum a qualquer andarilho entrou no meio do assunto dos outros e falando com voz estabanada chamou a atenção pela forma desagradável da abordagem, o que fez com que o dono da casa o despedisse com um gesto de mãos mas este insistiu:

- Eu sei que quer que eu me vá sem depedidas mas faço questão de um agradecimento.

-Tudo bem agora segue seu caminho que temos o que fazer por aqui.

- Mas é preciso que sem demora eu lhe agradeça pois estando com fome, me matou a fome.

- Como se não lhe dei comida?

- É que estando deitado sob sua cozinha senti um cheiro de bife e comendo a farinha pensando no cheiro me saciou a fome.

Acostumado a tirar proveito de situações que podem lhe render alguma coisa ou mesmo para não dar vantagens ao caminheiro o hoteleiro disse:

- Que bricandeira é essa? Então acha que pode comer farinha que não é sua e sentir o cheiro do bife que não foi praparado para você? a farinha não tem problema mas o cheiro do bife, este sim me deve por ele.

O caminheiro riu pensando que o outro brincava mas vendo-o sério disse:

- Não acha isso um absurdo?

- absurdo? dorme, se alimenta e quer sair sem pagar quando te cobro apenas o que a mim parece razoável? Este aqui do lado é o delegado da cidade e se não pagar, será tido como devedor e ele te levará para delegacia.

- Mas. ainda que eu concordasse em pagar não tenho dinheiro senhor.

- isso não é problema meu. Delegado faça-o pagar o que me deve.

O delegado também viu na exigência um absurdo tentou argumentar mas foi interrompido pelo irredutível hoteleiro.

- Delegado, eu pago meus impostos e você deve fazer seu serviço.

Embaraçado com a situação e vendo o caminheiro mais embaraçado ainda o delegado, que era parcial ali devido a favores do hoteleiro a ele prestados, eventualmente, pensava numa maneira de solucionar o problema de um jeito que deixasse o hoteleiro satisfeito sem contudo fazer pagar quem não tinha dinheiro sequer para seguir adiante.

O salvador da pátria foi o sujeito que aguardava na portaria que curioso perguntou:

- O que acontece aqui?

- Esse moço está obrigado a pagar por um cheiro de bife ao hoteleiro. - Fala o delegado.

- Pagar por um cheiro de bife? mas que idéia maluca é essa?

- Não é maluca não seu moço. quem deve tem que pagar. - intromete o hoteleiro no diálogo.

- Mas como espera receber de alguém que só tem pela frente o dia e a noite?

- Mais um problema que não é meu senhor. - Fala o hoteleiro com o cotovelo encostado displiscentemente sobre o balcão.

- Eu pago por ele, quanto é?

- Vinte pratas!

- vinte pratas? é um absurdo mas vá lá.

Disse o fazendeiro pegando duas notas de dez. e oferecendo- as ao hoteleiro:

- Aqui está. - E quando o hoteleiro foi esticar a mão para pegar as notas o fazendeiro afastou-se.

- Espere, não é assim.

Passou a nota perto do nariz do hoteleiro e falou

- Está pago.

- Como assim, esta pago? - fala o hoteleiro.

- Você cobra pelo cheiro do bife e recebe com o cheiro do dinheiro.

Pacomolina
Enviado por Pacomolina em 11/03/2008
Reeditado em 24/04/2009
Código do texto: T896340
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