Ovos de Páscoa

 
Minha mãe adorava pintar ovos de galinha na semana da Páscoa.
Nós tínhamos uma galinha que punha ovos de
 casca azul, esses eram os preferidos.
Talvez por aprendizado com minha avó que veio da Albânia, país muito religioso, pobre, incrustado no mar Mediterrâneo, grudado na Grécia.
Ela fazia uma cestinha de massa  trançada, colocava uma fita de bambu em forma de arco e também cobria
 com a massa da torta doce.
Pra nós aquilo era um sonho, imagina, uma cesta de pão doce, toda linda e deliciosa e ainda com um ovo pintado dentro?
Pois é, na semana santa eu ficava
 grudado nelas, vendo como faziam.
Minha mãe pegava a tal galinha, punha debaixo do braço, apertava-a firme. Levantava levemente o rabo dela e enfiava o dedo para sondar se tinha ovos.
Eu achava aquilo fantástico. Imagina, contar com o ovo, antes da galinha pô-lo.
Mas era assim mesmo que eram preparadas as tais cestinhas com ovos azuis pintados.
Na semana santa chegavam sempre parentes distantes pra festejar a Páscoa em nossa casa.
Naquele ano vieram Clotilde e a mãe dela.
Clotilde era loirinha, tinha lá uns 15 anos, cabelos cheio de ondas, pele lisinha e branca.
Coxas redondas sempre à vista, dentro de um shortinho vermelho com elástico na coxa, franzidinho e, nos pés um Conga, também vermelho. Uma deusa.
Era lindo demais, talvez até mais bonita que as esperadas cestinhas.
No sábado de aleluia, depois do ritual da procura de ovos, aconteceu um desencontro entre a mãe dela e a minha e, em dado momento, ouvi meio a contragosto, chamarem a belíssima Clotilde de galinha. Fiquei chocado, ela era linda, mas pensei:
Será que ela também põe ovos azuis?
Escureceu, fomos todos dormir.
Minha cabeça estava agitada, pensamentos pulando por todas as curvas de meu cérebro.
Cheguei perto da Clotilde. Curioso troquei lá umas palavras com ela.
Ela muito danada, era um menina da capital, não se fez de rogada e, nem por menos, 
diante de um menino caipira e curioso.
Nossa! A porta é empurrada violentamente e entram minha mãe e a mãe dela, olhos esbugalhados, unhas ameaçadoras, em transe mesmo, e já vão logo gritando:
Seu moleque filho da %$*#%, você é um %$#*@&, 
e continuaram os adjetivos.
Eu pasmo, ali, estático, roxo e amarelo, como uma berinjela.
Falei: - Mãe, semana santa, num pode bater.
Ela parou a mão centímetros da minha cara e falou:
                             - Dá pra você, seu &%#$, pelo menos tirar o dedo daí?
- Você num sabe seu &&*%$ que nem todas as galinhas põem ovos?
Nunca mais quis procurar ovos.

Doar é vida. Viva.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 27/02/2008
Reeditado em 29/02/2008
Código do texto: T877681
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