CARA A CARA COM O DIABO
(FATO VERÍDICO)
Em meados dos anos 80, meu tio trabalhava de madrugada numa sub-estação de tratamento e beneficiamento de água potável, no interior de São Paulo. Como ele morava perto de seu trabalho, costumava ir a pé, cruzando uma trilha, a qual era circundada por um respeitável matagal.
Pessoas que moravam pelas redondezas, volta e meia vinham com aquelas estórias cabeludas de fantasmas naquele local do “caminho da roça” que meu tio, obrigatoriamente, tinha de passar. Estórias essas capazes de arrepiar até cabelo de careca.
Porém, apesar de anos atravessando aquela temível passagem de trilha para muitos, o meu tio nunca tinha visto nada ali, até que um dia, digo, numa noite de lua cheia, aconteceu o inesperado. Um vento impetuoso tomava conta do lugar: derrubava, à força, as folhas secas de outono, e faziam-nas rumorejar ao atrito com o chão, levando a uma esquisita formação de redemoinhos, cujo brilho do luar transparecia ainda mais um cenário que, para os mais impressionados, parecia sair daquele filme “O Exorcista”.
Contudo, meu tio, valente, inabalável e perspicaz, ignorava aquele zumbido sinistro do vento entre os galhos dos chorões, os quais pareciam inclinar-se frente à sua valentia de atravessar sozinho o caminho tão evitado por homens que, durante o dia, tinham fama de valentões.
Bem, como dizia, naquela noite, meu tio, andando displicentemente, deparou-se, subitamente, ao largo da estradinha, em meio às árvores, com o que parecia ser um “HOMEM FORTE”, todo vestido de preto, com quase três metros de altura, fumando um charuto e cuspindo brasas avermelhadas, esparramadas pelo ar, ao sabor daquele vento interminável.
Diante daquela cena terrível, meu tio caiu de joelhos ao chão, implorando àquela “assombração” para poupar sua vida. Como não obteve resposta alguma, quase paralisado de terror, foi retrocedendo os joelhos como passos, um após o outro, distanciando-se quase que imperceptivelmente daquele “homem gigantesco”, o qual continuava a soltar labaredas pelo charuto que mantinha em riste.
Num dado momento, mesmo com as tremedeiras incontroláveis de suas pernas, meu tio conseguiu retirar uma força sobrenatural que o colocou de pé, quando ele se virou numa meia-volta de causar inveja a qualquer sargento de tiro-de-guerra, e pôs-se a desabalar numa carreira, a qual nem Ben Johson seria capaz de acompanhá-lo.
Foi uma trajetória de meia hora. Meu tio quebrava até “leiteiros” com forquilhas graúdas no peito, durante sua correria. Perdeu os chinelos pelo caminho, rasgou a camisa por causa dos galhos, e suas calças ficaram parecidas com cortinas dos batentes de choupanas, ou seja, em tiras.
Quando meu tio chegou a sua casa todo esbaforido, branco como papel, minha tia levou um tremendo susto ao vê-lo daquele jeito, susto esse que não chegava nem aos pés do vivenciado pelo meu tio. Então, curiosa, perguntou a ele:
- “Home”, o que aconteceu com você? Até parece que viu o DIABO!?
- Foi exatamente ele que eu vi. Estava ele na beira da estradinha, como que esperando por mim! - exclamou meu tio, com os olhos ainda arregalados, por causa daquilo que avistara.
Passada mais de uma hora, depois de ter tomado um banho, colocado outra roupa e calçado os sapatos bem amarrados, para garantir seu retorno naquele caminho, pois era o único em direção a seu serviço, pôs-se meu tio de volta a ele, porém, não estava mais só: carregava minha tia a tiracolo, uma vez que disse a ela:
- “Muié”, se você não for comigo, eu não volto hoje pra lá! Nem que a vaca tussa!
Adentraram então os dois naquela trilha, cujo matagal a seu redor parecia mais uma floresta, e, com algumas nuvens que encobriam, de vez em quando, a lua, fazendo com que o ambiente ficasse um breu, em instantes sim, outros não.
Quando os dois estavam chegando ao local do avistamento da “assombração pavorosa”, meu tio e minha tia diminuíram os passos, e, de pé ante pé, foram aproximando-se “dela”, aos poucos. O coração parecia querer saltar pela boca, o vento não parava, como que sabendo que isso os atormentava, quando então viram a silhueta do “diabo”, descrito pelo meu tio, com o charuto ainda embrasado.
Minha tia, com uma prudência feminina, levando consigo uma lanterna, saiu da estradinha, adentrando no mato, em direção àquela figura tétrica e tenebrosa. Enquanto isso, meu tio ficou na trilha, gritando para ela:
- “Muié”, toma cuidado! Qualquer coisa, me chama!
Minha tia, depois de alguns minutos, voltou com um ar de reprovação, e, com as sobrancelhas inclinadas, franzindo sua testa, disse ao meu tio:
- “Home”, da próxima vez tome vergonha e tenha mais coragem.
- O que é aquilo? Não é o diabo?, perguntou para ela o meu tio.
- Que diabo, nada! É que a molecada, durante o dia, botou fogo em um tronco grande de árvore, totalmente seco, o qual ficou negro como carvão, e um galhinho, na altura do que parecia ser uma cabeça, teimava em continuar aceso, dando a impressão de ser um charuto, que, com o vento, embrasava, fazendo-o cuspir aquele fogaréu todo. É só isso!
- “Home”, daqui eu volto pra casa e você tome seu caminho para o trabalho.
Em seguida às muitas gargalhadas de minha tia, meu tio a alertou:
- “Muié”, acho melhor essa estória ficar só entre nós dois, pois não quero ser motivo de chacota para nossos amigos e parentes, tá bom?
- Pode deixar, “home”. Vá trabalhar, amanhã a gente conversa!
Bem, acho que minha tia não levou muito a sério o pedido do meu tio, senão eu não estaria contando essa estória pra você, não é?